Conclusão
Transformações do Estado; Desregulação e legitimidade democrática
O Estado moderno, o direito constitucional e o direito administrativo passaram nas últimas décadas por transformações profundas, que superaram idéias tradicionais, introduziram conceitos novos e suscitaram perplexidades ainda não inteiramente equacionadas. Nesse contexto, surgem questões que desafiam a criatividade dos autores, dos legisladores e dos tribunais, dentre as quais se incluem, em meio a diversas outras:
a) a definição do regime jurídico e das interações entre duas situações simétricas: o desempenho de atividades econômicas privadas pelos entes públicos e, especialmente, a realização por pessoas privadas de atividades que deixaram de ser estatais, mas continuaram públicas ou de relevante interesse público;
b) o difícil equilíbrio entre diferentes demandas por parte da sociedade, envolvendo valores que se contrapõem ou, no mínimo, guardam entre si uma relação de tensão, como: (i) eficiência administrativa, (ii) participação dos administrados e (iii) controle da Administração Pública e suas agências pelos outros órgãos de Poder e pela sociedade;
c) a superação do caráter axiomático e absoluto do princípio da supremacia do interesse público, em um universo jurídico no qual se verificou a ascensão dos direitos fundamentais e foram desenvolvidas novas fórmulas doutrinárias, como a teoria dos princípios. Direitos e princípios passam, assim, a ser valorados à vista do caso concreto, de acordo com sua dimensão de peso específico, à luz de critérios como o da razoabilidade-proporcionalidade e o da dignidade da pessoa humana.
O surgimento de centros de poder como os das agências reguladoras – cujas características são a não eletividade de seus dirigentes, a natureza técnica das funções desempenhadas e sua autonomia em relação aos Poderes tradicionais – desperta, naturalmente, a discussão acerca da legitimidade política no desempenho de tais competências. Este deficit democrático tem sido objeto de ampla reflexão pela doutrina 73, que aponta alguns aspectos que, idealmente, seriam capazes de neutralizar suas conseqüências. Dentre eles, invocam-se os seguintes: o Legislativo conserva o poder de criar e extinguir agências, bem como de instituir as competências que desempenharão; o Executivo, por sua vez, exerce o poder de nomeação dos dirigentes, bem como o de traçar as políticas públicas para o setor específico; o Judiciário exerce controle sobre a razoabilidade e sobre a observância do devido processo legal, relativamente às decisões das agências. Ressalte-se que em tempos de liberdade de imprensa, de organização da sociedade e de existência de uma opinião pública esclarecida e atuante, sobreleva a importância do dever de motivação adequada, do dever de argumentativa e racionalmente demonstrar-se o acerto das ponderações de interesse e das escolhas realizadas.
Este, portanto, o ambiente no qual se vem discutindo a atuação do Estado no plano econômico, o papel das agências e o surgimento do direito da regulação. Em desfecho dos apontamentos aqui alinhavados, é possível compendiar as idéias desenvolvidas nos capítulos precedentes nas proposições enunciadas a seguir:
A. O Estado brasileiro, ao longo da década de 90, sofreu um conjunto amplo de reformas econômicas, levadas a efeito por emendas à Constituição e por legislação infraconstitucional, e que podem ser agrupadas em três categorias: a extinção de determinadas restrições ao capital estrangeiro, a flexibilização de monopólios estatais e a desestatização.
B. Tais transformações modificaram as bases sobre as quais se dava a atuação do Estado no domínio econômico, tanto no que diz respeito à prestação de serviços públicos como à exploração de atividades econômicas. A diminuição expressiva da atuação empreendedora do Estado transferiu sua responsabilidade principal para o campo da regulação e fiscalização dos serviços delegados à iniciativa privada e das atividades econômicas que exigem regime especial.
C. É nesse contexto que surgem as agências reguladoras, via institucional pela qual se consuma a mutação do papel do Estado em relação à ordem econômica. As agências são autarquias especiais, que desempenham funções executivo-administrativas, normativas e decisórias, dentro de um espaço de competências deferido por lei, cujos limites ainda não estão pacificados na doutrina e na jurisprudência. No exercício de suas atribuições, cabem às agências encargos de grande relevância, como zelar pelo cumprimento dos contratos de concessão, fomentar a competitividade, induzir à universalização dos serviços, definir políticas tarifárias e arbitrar conflitos entre o poder concedente, os concessionários e os usuários.
D. Naturalmente, o desempenho de tarefas dessa natureza e significado exige que as agências sejam dotadas de autonomia político-administrativa – referente à investidura e permanência de seus diretores nos cargos – e autonomia econômico-financeira, materializada na arrecadação de recursos próprios suficientes. Nessa linha, as leis instituidoras têm introduzido mecanismos destinados a preservá-las de ingerências externas inadequadas, tanto por parte dos interesses privados quanto pelos próprios órgãos e entidades estatais.
E. A demarcação do espaço institucional de atuação das agências reguladoras enfrenta tensões de ordens diversas. De um lado, a tradição personalista de ingerência do Poder Executivo. De outro, a desconfiança que nos últimos anos se desenvolveu no Brasil em relação ao abuso no exercício de competências normativas delegadas. E, por fim, há ainda o avanço do ativismo judicial em relação ao mérito das decisões administrativas, fruto da democratização e da doutrina pós-positivista, com o reconhecimento de normatividade aos princípios.
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F. Uma das mais intrincadas questões afetas às agências reguladoras e ao direito da regulação é sua compatibilização com o princípio da reserva legal, que ainda hoje é da essência do modelo democrático. Para além dos temas recorrentes, como o poder regulamentar e as delegações legislativas, há a questão específica da chamada deslegalização, que contrasta com os conceitos tradicionais ao contemplar a transferência de competências normativas primárias para uma entidade da Administração.
G. Estas tensões institucionais entre Poderes e entidades são próprias das democracias em geral, e mais especialmente daquelas de consolidação mais recente, como é o caso do Brasil. As agências reguladoras, no entanto, tornaram-se peças fundamentais no ambicioso projeto nacional de melhoria da qualidade dos serviços públicos e de sua universalização, integrando ao consumo, à cidadania e à vida civilizada enormes contingentes mantidos à margem do progresso material.
H. Se este projeto fracassar, será um longo caminho de volta.
Notas
2. A terminologia pré-modernidade, modernidade e pós-modernidade é empregada em Norbert Reich, Intervenção do Estado na economia (reflexões sobre a pós-modernidade na teoria jurídica), RDP 94/265.
3. No modelo liberal clássico, o Estado tinha três papéis a cumprir, consoante página clássica de Adam Smith (The nature and causes of the wealth of nations (The Works of Adam Smith, vol. IV, Londres, 1811, p. 42: 1º) o dever de proteger a sociedade da violência e da invasão por outros Estados; 2º) o dever de estabelecer uma adequada administração da justiça; 3º) o dever de realizar obras públicas e prestar certos serviços públicos que são economicamente desinteressantes para os particulares. Sobre o tema, v. também Alberto Venancio Filho, A intervenção do Estado no domínio econômico, 1968.
4. Sobre o tema, inclusive com exemplos ilustrativos, v. Luís Roberto Barroso, A crise econômica e o direito constitucional, RF 323/83. Veja-se também Raymundo Faoro, Os donos do poder, 1979, vol. I, p. 343.
5. Não se deve perder de vista, todavia, o fato de que as sociedades capitalistas periféricas, de industrialização tardia, dependem intensamente do Poder Público. As razões são muitas, mas uma delas, conquanto intuitiva, não costuma ser destacada. É que na maior parte dos países industrializados e desenvolvidos, o processo de acumulação de capitais que ensejou o impulso vital do modelo privatista ocorreu em uma época em que a exploração do trabalho se operava em níveis infracivilizados. Homens, mulheres e crianças trabalhavam em jornadas de até 14 horas, sem direitos sociais de qualquer ordem: salário mínimo, repouso remunerado, férias, gratificações etc. Os países em desenvolvimento, cujo processo de industrialização foi mais tardio, não puderam desfrutar dessas "facilidades". Daí a necessidade de intervenção do Estado, atuando, paradoxalmente, como agente do capitalismo, porque só ele detinha o capital.
6. Caio Tácito, O retorno do pêndulo: serviço público e empresa privada. O exemplo brasileiro, RDA 202/1, p. 3.
7. Além da simbologia radical da queda do muro de Berlim, não é irrelevante observar que mesmo os países de tradição social-participativa, como Reino Unido e França, viveram uma inequívoca redefinição do papel do Estado. Como assinala Marcos Juruena Villela Souto (Desestatização, privatização, concessões e terceirizações, 2000, p. 4): "Na Inglaterra a privatização foi uma opção mais filosófica, consistente em definir que não cabe ao Estado produzir riqueza, gerar lucros e exercer atividades econômicas. Este papel deveria caber à iniciativa privada, que o faria com maior eficiência. (...) Buscou-se ainda, libertar o Governo das pressões sindicalistas e corporativas"; e, quanto ao processo francês de privatização, o mesmo autor observa que teve este como uma de suas grandes preocupações "democratizar o patrimônio público constituído pelas estatais, através de um sistema de venda pulverizada das suas ações, permitindo ao pequeno poupador particular influir na condução dos negócios do país. (...) Tinha-se em mente, também, dar vida ao setor privado como força motriz do crescimento econômico, retirando o Estado do setor industrial competitivo".
8. Sobre as possíveis formas de desestatização, v. Marcos Juruena Villela Souto, Desestatização, privatização, concessões e terceirizações, 2000, p. 14. e ss.
9. Nesse período foram editados os seguintes diplomas normativos: Lei nº 8.078, de 11.09.90 (Código de Defesa do Consumidor); Lei nº 9.394, de 20.12.96 (Lei de Diretrizes e Bases); Lei nº 9.656, de 03.06.98 (Lei dos Planos e Seguros Privados de Saúde); Lei nº 9.870, de 23.11.99 (anuidades escolares); Lei nº 10.167 de 27.12.00 (banimento à publicidade de cigarros); Lei complementar nº 109 de 29.05.01 (disciplina a previdência privada); Resolução BACEN nº 2.878, de 26.07.01 (procedimentos a serem observados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil na contratação de operações e na prestação de serviços aos clientes e ao público em geral).
10. Lei nº 9.605, de 12.02.98 (Lei do Meio Ambiente e dos Crimes Ambientais)
11. Lei nº 8.158, de 08.01.91 (já revogada; instituía normas para a defesa da concorrência); Lei nº 8.884, de 11.6.94 (Lei de Defesa da Ordem Econômica); Lei nº 9.021, de 30.03.95 (implementação do CADE).
12. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de direito administrativo, 1996, p. 365.
13. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 1996, p. 434-5.
14. Para uma análise ampla da atuação do Estado na ordem econômica, v. Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição, 1990.
15. A respeito do tema, consulte-se Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Parcerias na Administração Pública, concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas, 1999.
16. A EC 19/98 deu nova redação ao § 1º do art. 173. da Constituição Federal, tendo reiterado a sujeição das empresas públicas, sociedades de economia mista, bem como suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ao regime jurídico próprio das empresas privadas, "inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários".
17. Precisa, nesse passo, a observação de Gustavo Binenbojm, As agências reguladoras e o estatuto jurídico de seus dirigentes – Controvérsias constitucionais e procedimentos possíveis, in Livro de teses do XXV Congresso Nacional dos Procuradores do Estado, p. 219: "A desestatização de serviços públicos e atividades econômicas de relevante interesse coletivo não importa, todavia, a sua despublicização. Ao contrário, a transferência ou devolução da execução destas tarefas à iniciativa privada exige antes a republicização dos mecanismos de controle do Estado sobre elas". No mesmo sentido, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Agência Nacional de Vigilância Sanitária: natureza jurídica, competência normativa, limites de atuação, RDA 215/71, p. 72.
18. Sergio Nelson Mannheimer, Agências estaduais reguladoras de serviços públicos, RF 343/221, p. 225, anota que "quando o Estado é o prestador do serviço, ocorrem distorções no papel fiscalizador do Estado, uma vez que não se sente ele estimulado a denunciar as próprias falhas ou deficiências".
19. Como acentua Juan Carlos Cassagne, "el fenómeno de la privatización al abarcar la transferencia al sector privado de la gestión de los servicios públicos que antes prestaban empresas estatales, ha generado la correlativa necesidad de regular esas actividades para proteger los intereses de la comunidad" (La intervención administrativa, 1994, p. 151).
20. Pedro Dutra, Órgãos reguladores: futuro e passado, Revista de Direito Econômico, jul./dez. de 1996, p. 60.
21. O dispositivo passou a ter a seguinte redação: "Art. 21. Compete à União:... XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais".
22. O referido § 2º assevera em seu inciso III que a lei disporá sobre "a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União".
23. Está sendo discutida a criação de uma agência na área de defesa do consumidor e da concorrência e outra na área de aviação civil.
24. Marcos Juruena Villela Souto denomina estas agências de "multisetoriais", vale dizer, sem especialização, com competência para todos os serviços (Desestatização, privatização, concessões e terceirizações, 2000, p. 285).
25. Agência Estadual de Serviços Públicos do Estado do Espírito Santo (AGES), Lei estadual nº 5.721 de 19.8.98.
26. Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Estado de Mato Grosso (AGER/MT), Lei estadual nº 7.101, de 14.01.99).
27. Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Minas Gerais (ARSEMG), Lei estadual nº 12.999, de 31.07.98.
28. Agência Estadual de Regulação e Controle de Serviços Públicos, Lei estadual nº 6.099, de 30.12.97.
29. Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado do Rio Grande do Norte (ASEP-RN), Lei estadual nº 7.463, de 2.03.99.
30. Agência Catarinense de Regulação e Controle (SC/ARCO), Lei estadual nº 11.355, de 18.01.00.
31. Agência Reguladora de Serviços Concedidos do Estado de Sergipe (ASES), Lei estadual nº 3.973, de 10.10.98.
32. Marcos Juruena Villela Souto, Desestatização, privatização, concessões e terceirizações, 2000, p. 288.
33. Como anota Diogo de Figueiredo Moreira Neto, com a nova redação dada ao inciso XIX do art. 37. pela Emenda Constitucional 19/98, "corrige-se impropriedade técnica do inciso original, passando-se a distinguir a lei de criação de uma autarquia, como desdobramento institucional do próprio Estado, à qual são outorgadas determinadas competências, da lei de autorização para instituir empresa pública, sociedade de economia mista e fundação, às quais são delegadas atribuições específicas" (Apontamentos sobre a reforma administrativa, 1999, p. 63).
34. Não assim, porém, quanto à criação de subsidiárias das entidades da administração indireta, como já deixou claro o Supremo Tribunal Federal: "Pela falta de plausibilidade jurídica da argüição de inconstitucionalidade por ofensa aos incisos XIX e XX do art. 37, da CF, o Tribunal indeferiu medida cautelar requerida em ação direta em face dos arts. 64. e 65 da Lei 9.478/97. Afirmando o caráter genérico da autorização legislativa para a criação de subsidiárias de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação pública a que se refere o inciso XX, do art. 37, da CF, o Tribunal entendeu que a Lei atacada atende a esse permissivo constitucional por nela haver a previsão para essa finalidade (art. 64), afastando-se, portanto, a alegação de que seria necessária a autorização específica do Congresso Nacional para se instituir cada uma das subsidiárias de uma mesma entidade" (STF, ADIn-MC 1.649-DF, Inf. STF 90/2, Rel. Min. Maurício Corrêa).
35. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 1997, p. 102.
36. Como observa Hely Lopes Meirelles, "autarquia de regime especial é toda aquela a que a lei instituidora conferir privilégios específicos e aumentar sua autonomia comparativamente com as autarquias comuns, sem infringir os preceitos constitucionais pertinentes a essas entidades de personalidade pública" (Direito administrativo brasileiro, 1993, p. 315).
37. Nos Estados-membros tais funções são exercidas, respectivamente, pelo Governador e pela Assembléia Legislativa. Assim se passa, por exemplo, no Estado do Rio de Janeiro, assim dispondo o art. 7°, caput, da Lei estadual n° 2.686/97: "Art. 7° O Conselho Diretor da Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro – ASEP/RJ será formado por 05 (cinco) Conselheiros indicados pelo Governador do Estado, e por este nomeados uma vez aprovados, após audiência pública e por voto secreto, pela Assembléia Legislativa, cabendo a um deles a Presidência do Conselho, também por indicação do Governador do Estado".
38. E. g., quanto à ANATEL, o art. 23. da Lei 9.472/97 assim dispõe: "Os conselheiros serão brasileiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de sua especialidade, devendo ser escolhidos pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52. da Constituição Federal".
39. O mandato de três anos foi previsto para os diretores da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, nos termos do art. 6º da Lei 9.961, de 28.01.2000.
40. Relativamente à ANEEL, o caput do art. 5º da Lei 9.427/96 dispõe: "O Diretor-Geral e os demais Diretores serão nomeados pelo Presidente da República para cumprir mandatos não coincidentes de quatro anos...". Também assim quanto à ASEP-RJ, o art. 11. da Lei estadual n° 2.686/97.
41. Nesse sentido, dispõe o caput do art. 26. da Lei 9.472/9, relativamente à ANATEL: "Os membros do Conselho Diretor somente perderão o mandato em virtude de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar". Já o art. 8º da Lei 9.427/96 prevê que "a exoneração imotivada de dirigente da ANEEL somente poderá ser promovida nos quatro meses iniciais do mandato, findos os quais é assegurado seu pleno e integral exercício. Parágrafo único. Constituem motivos para a exoneração de dirigente da ANEEL, em qualquer época, a prática de ato de improbidade administrativa, a condenação penal transitada em julgado e o descumprimento injustificado do contrato de gestão". No Estado do Rio de Janeiro, o art. 13. da Lei estadual n° 2.686/97 incorporou algumas inovações relativamente à ASEP-RJ: "Art. 13. Uma vez nomeado, o Conselheiro só perderá o cargo por decisão judicial irrecorrível, condenação penal definitiva por crime doloso punido com pena igual ou superior a 02 (dois) anos de reclusão ou ainda por decisão da maioria dos membros da Assembléia Legislativa em processo de iniciativa do Governador do Estado ou do próprio Conselho Diretor, em que lhe seja assegurada ampla defesa".
42. "Por aparente ofensa ao princípio da separação dos Poderes (CF, art. 2º), o Tribunal deferiu o pedido de medida liminar para suspender, até decisão final da ação, a eficácia do art. 8º da Lei estadual 10.931/97 ("O conselheiro só poderá ser destituído, no curso de seu mandato, por decisão da Assembléia Legislativa."), na redação que lhe deu o art. 1º da Lei estadual 11.292/98, assim como na sua redação original. Ademais, o Tribunal, considerando que o vazio legislativo decorrente da suspensão desta norma, que é a única forma de demissão prevista na referida Lei, seria mais inconstitucional do que a própria norma impugnada, declarou, por maioria, que a suspensão cautelar do art. 8º se dava sem prejuízo das restrições à demissibilidade, pelo Governador do Estado, sem justo motivo, conseqüentes da investidura a termo dos conselheiros da AGERGS, conforme o art. 7º da Lei 10.931/97 – que condiciona a posse dos conselheiros à prévia aprovação de seus nomes pela Assembléia Legislativa, cujo pedido de suspensão liminar fora indeferido na assentada anterior –, e também sem prejuízo da superveniência de legislação válida. Vencido em parte o Min. Marco Aurélio, que se limitava à suspensão de eficácia do mencionado art. 8º, por entender que o STF estaria atuando como legislador positivo ao declarar que o conselheiro não seria demissível ad nutum, ou seja, que o seu afastamento só poderia ocorrer mediante justa motivação" (STF, ADIn-MC 1.949-RS, Inf. STF 171/2, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).
43. Quanto à ANATEL, o art. 30. da Lei 9.472/97 dispõe: "Até um ano após deixar o cargo, é vedado ao ex-conselheiro representar qualquer pessoa ou interesse perante a agência. Parágrafo único. É vedado, ainda, ao ex-conselheiro utilizar informações privilegiadas obtidas em decorrência do cargo exercido, sob pena de incorrer em improbidade administrativa". Relativamente à ANEEL, o art. 9º da Lei 9.472/96 dispõe: "O ex-dirigente da ANEEL continuará vinculado à autarquia nos doze meses seguintes ao exercício do cargo, durante os quais estará impedido de prestar, direta ou indiretamente, independentemente da forma ou natureza do contrato, qualquer tipo de serviço às empresas sob sua regulamentação ou fiscalização, inclusive controladas, coligadas ou subsidiárias". Já a Lei 9.478/97, que instituiu a ANP, dispôs em seu art. 14: "Terminado o mandato, ou uma vez exonerado do cargo, o ex-diretor da ANP ficará impedido, por um período de doze meses, contados da data de sua exoneração, de prestar, direta ou indiretamente, qualquer tipo de serviço a empresa integrante da indústria do petróleo ou de distribuição". No mesmo sentido dispõe o art. 9º da Lei estadual 2.686/97, quanto à Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro – ASEP-RJ.
44. O § 1º do art. 9º da Lei 9.472/96 assim dispõe: "Durante o prazo da vinculação estabelecida neste artigo, o ex-dirigente continuará prestando serviço à ANEEL ou a qualquer outro órgão da Administração Pública direta da União, em área atinente à sua qualificação profissional, mediante remuneração equivalente à do cargo de direção que exerceu". Também assim o § 1º do art. 14. da Lei 9.478/97 no que toca à ANP: "Durante o impedimento, o ex-diretor que não tiver sido exonerado nos termos do art. 12. poderá continuar prestando serviço à ANP, ou a qualquer órgão da Administração direta da União, mediante remuneração equivalente à do cargo de direção que exerceu".
45. No entanto, em sede doutrinária há quem espose entendimento diverso. É o que sustenta Marcos Juruena Villela Souto: "A lei deve prever que os dirigentes não devem manter, durante o mandato e na quarentena, qualquer vínculo com o concedente, concessionário ou associação de usuários, não devendo deles receber qualquer remuneração. Devem, pois, ser licenciados ou ter seus contratos de trabalho suspensos, sem remuneração, e não ‘postos à disposição’ da agência, conservando seus vencimentos, sob pena de restar mantido o vínculo e a potencialidade de interferência da fonte pagadora" (Agências reguladoras, RDA 216/125, p. 140).
46. A constitucionalidade de diversos dispositivos dessa lei encontram-se suspensos por decisão liminar do Min. Marco Aurélio, na ADIn 2.310, proposta pelo Partido dos Trabalhadores – PT e pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT. A decisão ainda não foi publicada. No site do STF colhe-se a informação de que a decisão liminar encontra-se pendente de ratificação do Plenário, devido a pedido de vista, e que o Ministro Moreira Alves suscitou a preliminar de suspensão do julgamento, até que seja apreciada a ADIn 2.135, que tem por objeto a constitucionalidade das alterações operadas pela EC n° 19/98.
47. Sobre a questão, v. Marcos Juruena Villela Souto (Agências reguladoras, RDA 216/125, p. 143), ao referir-se às receitas provenientes das taxas de regulação ou fiscalização: "A agência, com isso, não depende de recursos orçamentários, mas em compensação, se submete à crítica de ser custeada pelo sujeito fiscalizado". Há previsão expressa de dotações orçamentárias em algumas das leis instituidoras das agências reguladoras federais como, v. g., o art. 49. da Lei 9.472/97, relativamente à ANATEL: "Art. 49. A agência submeterá anualmente ao Ministério das Comunicações a sua proposta de orçamento, bem como a do FISTEL, que serão encaminhadas ao Ministério do Planejamento e Orçamento para inclusão no projeto de lei orçamentária anual a que se refere o § 5º do art. 165. da Constituição Federal". Também assim, quanto à ANEEL, o art. 11, II, da Lei 9.427/96, e quanto à ANP, o art. 15, II, da Lei 9.478/97. Nos Estados-membros a possibilidade é idêntica, como o fez o art. 5º, II, da Lei estadual 2.686/97, com relação à ASEP-RJ.
48. Como prevêem, respectivamente, os arts. 15, III, da Lei 9.478/97, e 11, V, da Lei 9.427/96; e, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, relativamente à ASEP-RJ, o art. 5º, V, da Lei 2.686/97.
49. Como por exemplo, com relação à ANATEL, fez o art. 51. da Lei 9.472/97, ao dar nova redação ao art. 6º da Lei 5.070/66: "Art. 6º As taxas de fiscalização a que se refere a alínea f do art. 2º são as de instalação e de funcionamento. § 1º Taxa de fiscalização de instalação é a devida pelas concessionárias, permissionárias e autorizatárias de serviços de telecomunicações e de uso de radiofreqüência, no momento da emissão do certificado de licença para o funcionamento das estações. § 2º Taxa de fiscalização de funcionamento é a devida pelas concessionárias, permissionárias e autorizatárias de serviços de telecomunicações e de uso de radiofreqüência, anualmente, pela fiscalização do funcionamento das estações". Quanto à ANEEL, os arts. 12. e 13 da Lei 9.427/96 dispõem sobre a taxa de fiscalização de serviços de energia elétrica.
50. No Estado do Rio de Janeiro, A Lei 2.686/97, em seu art. 19, instituiu a taxa de regulação de serviços públicos concedidos. No Estado do Rio Grande do Sul, a Lei 11.073/97 instituiu a taxa de fiscalização e controle dos serviços públicos delegados.
51. Caio Tácito, Serviço de utilidade pública. Autorização. Gás Liquefeito de Petróleo, in Temas de direito público, 1997, p. 1236.
52. Sobre a sistematização adotada, v. Sergio Nelson Mannheimer, Agências estaduais reguladoras de serviços públicos, RF 343/221, p. 226-8.
53. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Direito da regulação, 2002.
54. Em geral, a não previsão de cabimento do recurso hierárquico autoriza a conclusão de que ele não é cabível. Como ressalta Celso Antônio Bandeira de Mello: "O controle administrativo ou tutela administrativa, segundo generalizada lição doutrinária, exerce-se nos limites da lei. Não se presume. Existirá quando, como e na forma prevista em lei". (Curso de direito administrativo, 1999, p. 147).
55. Marcos Juruena Villela Souto, Agências reguladoras, RDA 216/125, p. 148.
56. Neste sentido, v. também Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, 1997, p. 480.
57. STF, RTJ 147/507 e 154/457. Em ambos os arestos a Corte Suprema entendeu inconstitucional a atribuição de controle prévio aos Tribunais de Contas, sob o argumento de que essa competência não lhes havia sido conferida pela Constituição Federal.
58. Eduardo Domingos Bottalo, Competência dos Tribunais de Contas na Constituição de 1988, RDP 89/216.
59. "Compreende a delicadeza da missão confiada pela Carta ao Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do Congresso Nacional no exercício do controle externo do emprego de recursos públicos (...)" (STF, RTJ 156/848, MS nº 21.636-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio).
60. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição Federal de 1988, vol. 2, 1990/92, p. 125; Pinto Ferreira, Comentários à Constituição brasileira, vol. 3, 1992, p. 388. Mais analiticamente, mas apenas reiterando o consenso doutrinário, Regis de Oliveira correlaciona a fiscalização a ser exercida pelos Tribunais de Contas com as despesas públicas e com o patrimônio público: "Quer me parecer, em primeiro lugar, no que tange ao controle contábil, (sic) significa um mero controle técnico, ou seja, a contabilidade, entrada e despesa, numericamente relacionadas sem maior novidade... A fiscalização financeira opera-se em relação a gastos e receitas públicas fazendo-se através desse instrumento da contabilidade esse possível controle (...) O controle operacional quer me parecer dar uma idéia de modus procedendi da despesa pública e portanto é possível controlar-se a forma pela qual se chega a uma despesa, a uma receita, seja na coleta do dinheiro ou seja no gasto que se efetue; fala também o preceito em controle patrimonial, controle que deve estabelecer-se entre os bens, as coisas que pertencem ao Poder Público (...)" (Regis Fernandes de Oliveira, Fiscalização financeira e orçamentária, RDP 96/213, grifo acrescentado).
61. Sobre o assunto relativo aos limites da fiscalização das Cortes de Contas sobre as agências reguladoras, e, mais especificamente sobre a ASEP-RJ, v. Luís Roberto Barroso, Natureza jurídica e funções das agências reguladoras de serviços públicos – Limites da fiscalização a ser desempenhada pelo Tribunal de Conta do Estado (parecer), Boletim de Direito Administrativo nº 6, 1999, pp. 367-374.
62. Sobre os vários aspectos das atribuições dos Tribunais de Contas, v. Luís Roberto Barroso, Tribunais de Contas: Algumas incompetências, RDA 203/131.
63. A matéria, neste ponto, é objeto de consenso doutrinário. No sentido do texto, Ricardo Lobo Torres, O Tribunal de Contas e o controle da legalidade, economicidade e legitimidade, RILSF 121/265, p. 270. (grifo acrescentado): "O aspecto político do controle se estende também ao Tribunal de Contas, que, sobre exercer fiscalização idêntica à do Congresso quanto à legalidade e economicidade da gestão financeira, precisa dotar as suas decisões do mesmo conteúdo e extensão dos atos administrativos que controla, sem, todavia, substituir as decisões da política econômica pelas de suas preferências. Há que distinguir entre o controle dos objetivos das decisões políticas, vedado à Corte de Contas, e o controle das contas dos órgãos políticos ou das premissas constitucionais (legalidade e economicidade) das decisões políticas, plenamente compatível com a estrutura democrática do País". E também Walter Ceneviva, Direito constitucional brasileiro, 1989, p. 173: "A competência não constitui intromissão ofensiva da independência dos outros poderes, mas, cumprida na forma da Lei Maior, corresponde a mecanismo qualificado para o equilíbrio e para a interdependência que lhes impede ou dificulta a superposição de um em relação aos outros".
64. Veja-se, por exemplo, o que dispõe o art. 3º, incisos VI e VII, da Lei da ANEEL: "Art. 3º. Além das incumbências prescritas nos arts. 29. e 30 da Lei nº 8.987, de 3 de fevereiro de 1995, aplicáveis aos serviços de energia elétrica, compete especialmente à ANEEL: (...) VI – fixar critérios para cálculo do preço de transporte de que trata o § 6º do art. 15. da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, e arbitrar seus valores nos casos de negociação frustrada entre os agentes envolvidos; VII – articular com o órgão regulador do setor de combustíveis fósseis e gás natural os critérios para fixação de preços de transporte desses combustíveis, quando destinados à geração de energia elétrica, e para arbitramento de seus valores, nos casos de negociação frustrada entre os agentes envolvidos."
65. A Lei que institui a ANS, por exemplo, outorga uma série de competências normativas à agência, dentre as quais a de normatizar os conceitos de doenças e lesões preexistentes (art. 4º, IX), estabelecer normas para ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (art. 4º, VI), estabelecer critérios, responsabilidades, obrigações e o procedimento para a garantia de direitos assegurados pela Lei de Planos e Seguros de Saúde (Lei n° 9.656/98) (art. 4º, XI), dentre inúmeras outras. A Lei Geral de Telecomunicações, por seu turno, confere poderes a ANATEL para expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações em regime publico e privado (art. 19, VI e X), para citar um exemplo apenas. E disposições como estas se repetem, via de regra, em relação a todas as demais entidades.
66. Sobre o tema, veja-se Clèmerson Merlin Clève, Atividade legislativa do poder executivo, 2000.
67. A Constituição de 1967/69 dispunha textualmente: "Art. 6º (...) Parágrafo único. Salvo as exceções previstas nesta Constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições; quem for investido na função de um deles não poderá exercer a de outro". Não obstante a textualidade do dispositivo, ocorreram no regime constitucional anterior inúmeras delegações legislativas, copiosamente exemplificáveis. Algumas já vinham de longe, mas não foram questionadas. Confirme-se. Pela Lei nº 1779, de 22.12.52, criou-se a autarquia Instituto Brasileiro do Café, à qual se cometeram diversas atribuições de cunho normativo, inclusive quanto ao trânsito do café entre a produção e o escoamento, fixação de quotas etc. Semelhantemente se passara com o açúcar desde o Decreto nº 22.779, de 01.06.33. Mais recentemente, foi também por via de delegação que se submeteu a disciplina de todo o setor monetário e financeiro às resoluções do Banco Central do Brasil e do Conselho Monetário Nacional, com fulcro na Lei nº 4.595, de 31.12.64. Também no setor de comércio exterior, sucessivos diplomas legais, desde a Lei nº 3.244, de 1957, repassaram a órgãos do Executivo vastíssimas competências de cunho normativo.
68. Confira-se, a propósito, o seguinte excerto de trabalho doutrinário do Ministro Carlos Mario da Silva Velloso: "no Direito Constitucional clássico, anotam os autores, a regra é a indelegabilidade, como corolário, aliás, da doutrina da separação de poderes teorizada por Montesquieu. Locke, no Segundo Tratado de Governo Civil, deixa expresso que nenhum poder pode delegar atribuições, porque o poder é exercido por delegação do soberano, e quem age por delegação não pode delegar o que não lhe pertence, o que se enuncia na máxima latina: delegata potestas delegari non potest". (Delegação legislativa – A legislação por associações, RDP 90/179, p. 180).
69. Nessa linha, CF/88, ADCT: "Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todo os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I. ação normativa; (...)"
70. Com efeito, o STF já admitiu a delegação legislativa, desde que, porém, com a fixação de standards, nos seguintes termos: "O legislador local, como se vê, instituiu e nomeou uma vantagem remuneratória, delegando, porém, ao Executivo – livre de quaisquer parâmetros legais –, a definição de todos os demais aspectos de sua disciplina – a qual, acrescente-se, se revelou extremamente complexa –, incluídos aspectos essenciais como o valor de cada ponto, as pontuações mínima e máxima e a quantidade de pontos atribuíveis a cada atividade e função. Essa delegação sem parâmetro, contudo, penso eu, é incompatível com o princípio da reserva de lei formal a que está submetida a concessão de aumentos aos servidores públicos (CF, art. 61, § 1º, II, a)." (STF, RE n.º 264289/CE, Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14.12.01).
71. STF, ADIn 1668, Rel. Min. Marco Aurélio de Mello, DJ 23.10.97.
72. Sobre o tema da deslegalização, vejam-se: Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Direito da regulação, 2002, e as dissertações de mestrado de Alexandre Santos de Aragão, A função e a posição das agências reguladoras no Estado contemporâneo, mimeografado, 2001, pp. 450. ss. e Patrícia Ferreira Batista, Transformações do direito administrativo contemporâneo: constitucionalização e participação na construção de uma dogmática administrativa legitimadora, mimeografado, 2001, onde averbou com rigor técnico: "Tradicionalmente, nos países que se inspiraram no modelo francês, o conteúdo deste princípio (o da legalidade) foi associado à idéia da vinculação positiva à lei: à Administração somente é lícito fazer aquilo que a lei expressamente autoriza. Entretanto, com a superação do Estado liberal e a crise da lei formal, desapareceram as condições que justificavam a tese da vinculação positiva à lei. A deslegalização, por meio da qual se abre ao poder regulamentar o trato de matérias antes atribuídas ao poder legislativo, é uma das provas da insuficiência daquela tese para a realidade contemporânea. Desenvolveu-se, assim, a teoria da vinculação da Administração Pública ao Direito, especialmente aos princípios e regras do ordenamento constitucional. Subsiste, de qualquer forma, a regra da vinculação positiva à lei para aquelas matérias submetidas, pelo constituinte, à reserva de lei e para as atividades administrativas de natureza gravosa, passíveis de limitar ou extinguir direitos subjetivos dos administrados".
73. Veja-se, a propósito, Alexandre Santos de Aragão, A função e a posição das agências no Estado contemporâneo, cit., p. 238-9: "Todavia, a adoção de um modelo multiorganizativo ou pluricêntrico de Administração Pública traz riscos à legitimidade democrática da sua atuação. Em outras palavras, uma das suas maiores vantagens – a distância dos critérios político-partidários de decisão, assegurada, sobretudo, pela impossibilidade do Chefe do Poder Executivo (eleito) exonerar livremente os seus dirigentes (nomeados) – é também um dos seus maiores riscos".
Para uma reflexão ideológica acerca do papel do Estado após o colapso dos projetos socialistas, v. o texto "O Estado que nunca foi" publicado como prefácio ao livro de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Direito da Regulação.