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Contribuições dos clássicos da Ciência Política e os vínculos com a Filosofia do Direito

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Apresenta-se breve histórico do conceito de representação, a partir de clássicos da Ciência Política, que embasam a Filosofia do Direito, demonstrando não haver modelo de representação abstrato sem a consideração dos interesse concretos que visa atender.

Neste artigo pretende-se apresentar breve e sucintamente o histórico do conceito de representação, a partir de clássicos da Ciência Política. Procura-se demonstrar que não se pode elaborar um modelo de representação abstrato sem a consideração dos interesses concretos que visa atender. Na mesma linha de argumentação, os clássicos da Filosofia do Direito inspiram-se nesses teóricos: Blackstone, procurando evitar o espírito hobbesiano, se inspira em Locke; Betham tem Descartes como inspiração, mas dirige sua crítica à proposição de Rousseau e filia-se aos teóricos empiricistas da legalidade, como Kant. Este último, embora não caia no ceticismo e dogmatismo, concorda que as regras são necessárias. Entretanto, há que se admitir ser a pirâmide de Kelsen o argumento mais sensato de positividade.

Três tópicos são tomados em consideração, como se segue.


A representação nos clássicos da Ciência Política

A ideia de representação nos clássicos da Ciência Política é essencialmente uma ideia Moderna e surge quando o Estado é constituído. Thomas Hobbes (1588) é considerado o filósofo inglês que desenvolveu o conceito de representação.  Para ele, os homens são egoístas por natureza e passam a viver em sociedade para a preservação da vida. O pacto que se estabelece entre eles é guiado pela razão, é artificial e precário. Para a garantia da paz – dimensão mais compatível com o instinto de conservação – há a necessidade de que o homem submeta, a sua própria vontade, à vontade de um único homem ou a uma assembleia. Mas, para Hobbes, esse poder deve ser exercido despoticamente. Defensor do absolutismo, no entanto não o deriva de um direito divino. É o pacto, o contrato social estabelecido entre os membros de um grupo que concordam em renunciar a ser direito, delegando-o ao soberano, que é capaz de promover a paz (HOBBES, 1974).

As teorias do Homem e do Estado formuladas no Leviatã devem ser entendidas como inseridas no processo histórico de emergência da burguesia como classe antagônica à nobreza e clero, que detinham a hegemonia social, e sua tentativa de dominação da base material. Porém, assim como Bacon com quem manteve estreita relação, e especialmente Galileu, Hobbes defendia ideias que ainda denotavam o período inicial de ascensão da nova classe revolucionária.

O desenvolvimento do sistema representativo inglês é decorrência de interesses políticos determinados e está relacionado com a progressiva participação dos burgueses na vida econômica da época e desenvolvimento do modo de produção capitalista. O acompanhamento da experiência da Inglaterra permite a compreensão da indissossiável da base material e superestrutura política, por ser expressão, à época, o país de economia mais desenvolvida.

Os fundamentos do pensamento liberal foram desenvolvidos durante o século XVII e tiveram em Locke (1632-1704) seu sistematizador. Assim como Hobbes, defendeu a ideia do estado natural e do pacto social, mas não pretendia justificar o absolutismo. Para Locke, o pacto social não criaria nenhuma direito diferente dos direitos naturais. Por essa razão, não há renúncia dos homens aos seus direitos, mas principalmente, a propriedade, que são direitos naturais. Porém, a propriedade não é um direito inato:

[...] sem supor qualquer domínio privado ou propriedade em Adão sobre o mundo inteiro excluindo todos os outros homens, o que não se pode de modo algum provar, nem daí derivar a propriedade de qualquer pessoa; mas supondo o mundo dado, como foi, aos filhos dos homens em comum, vemos como o trabalho pode dar aos homens direitos distintos a várias parcelas dele para uso privado, nos quais não haveria qualquer dúvida de direito nem lugar para controvérsia ( LOCKE, 1973).

A origem da propriedade privada residiria, assim, no processo de trabalho.

O filósofo e político inglês distingue os processos do pacto social e da delegação do poder político. Não havendo renúncia dos direitos através do pacto social, o poder dos governantes é outorgado e, por isso, é revogável. Os participantes do pacto, ou seja, “ a maioria dos homens livres”, ou seja, os proprietários, percebendo o abuso de poder das autoridades, podem se insurgir contra elas. Assim, o homem é livre por natureza e apenas pode ser privado dessa condição com o próprio consentimento. Essa teoria será desenvolvida até as últimas consequências por Rousseau.

Para Rousseau (1712-1778), a liberdade é direito e dever do homem, Renunciar à liberdade é, pois, renunciar à condição humana. É essa condição que identifica o indivíduo e seus semelhantes e permite ligar a vontade particular à vontade geral. Mas a constituição da vontade geral implica um contrato social: a livre associação de seres humanos que, decidem formar uma sociedade e a ela passam a prestar obediência. A vontade geral, como expressão da soberania, pode ser delegada em suas funções executivas, para diferentes formas de governo. Porém, aquilo que foi feito contra a vontade do cidadão terá efeito nulo. Para ele: “os deputados do povo não são, não podem ser seus representantes; não passam de comissários seus, nada podendo concluir definitivamente. É nula toda a lei que o povo diretamente não ratificar; em absoluto, não é lei”. (ROUSSEAU, 1973, p. 114).

Apesar de não defender, segundo os preceitos liberais, a rígida separação entre indivíduo e Estado, Rousseau admite que a unidade do Estado depende da integridade moral de cada cidadão. Contudo, deduz-se que o defensor da bondade natural do homem, ao considerar a civilização como fonte do mal, implicitamente, conferia ao Estado um poder onipotente. Suas ideias influenciaram os setores mais radicais da Revolução Francesa, inspiraram o processo de destruição dos restos da monarquia e forma a base do movimento romântico iniciado no século XIX.


A representação no Estado liberal

Ao logo do tempo, a representação no estado liberal sofreu profundas alterações. Se no início da Idade Moderna a burguesia exigiu participação crescente no governo ante a nobreza e clero feudais, durante o século XIX, os não-proprietários dos meios de produção, até então alijados do poder, reivindicaram canais de expressão política para si. Diante do chamado processo de “democratização do estado liberal”, que permitiu a manifestação de outros interesses, algumas alterações foram promovidas nos órgãos representativos. Contudo, não nos parece possível afirmar que se tenham transformado em essência, os objetivos da representação política(destaque nosso).

Por meio da ficção de que o eleito representa a nação e não apenas nos que nele votaram, são rompidos os laços entre eleitor e eleito que se desobriga  a consultar o primeiro ou respeitar suas instruções, quando contrárias ás suas próprias opiniões. O mandato com essas características manteve-se como um instrumento político eficaz para a manutenção dos interesses da burguesia. Deve-se considerar que, ainda hoje permanecem hegemônicos os interesses desse grupo social. Porém, por serem históricos, seus interesses certamente não são os mesmos, nem iguais deve ser as formas utilizadas para serem mantidos.

O estado liberal fundamentou-se as tese da liberdade, da igualdade política, da segurança e da propriedade, tendo nesta última sua ideia predominante, que acaba por negar os pressupostos teóricos desse estado. No liberalismo temos, de um lado, a exigência de respeito aos direitos individuais mas, de outro, são estabelecidas restrições a  que esses direitos sejam de todos. Disso decorre a restrição da representação política aos que têm interesse a defender: os proprietários dos meios de produção. Nas palavras de Constant apud Barreto (1984, p.40-41): “os proprietários são donos de sua existência, pois podem se recusar a trabalhar. Somente aquele que tem renda necessária para existir independentemente de toda vontade alheia pode exercer direitos da cidadania”.

Com a emergência do neoliberalismo, a discussão sobre a representação política exige o conhecimento de sua complexidade. Contudo, não se pretende nesse momento discutir as sua características de discurso de uma “prática” econômica negada pela existência de grandes monopólios.


Multiplicidade conceitual da representação política

A discussão atual sobre a representação política comporta inúmeras questões e encera uma multiplicidade de aspectos. A partir de diversas perspectivas teóricas, essa discussão assume um conteúdo controverso, mesmo que todas concordem que o conceito de representação seja imprescindível para o conhecimento da história política moderna.

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Do ponto de vista semântico, são várias as experiências às quais podemos aplicar o verbo representar e o substantivo representação. São, portanto, múltiplos os significados que a polivalência da palavra permite evocar. No entanto, esses significados não explicitam as características da representação política.

De um modo bastante geral, a especificidade do regime político representativo se manifesta na possibilidade de controle do pode político por aqueles que não exercem pessoalmente o poder, estabelecendo uma relação de responsabilidade dos representantes e representados (destaque nosso).  De um lado contrasta com os regimes absolutistas e autocráticos e, de outro, com a democracia direta. Contudo, a prática e a teoria políticas demonstraram que nos regimes representativos contemporâneos os representados não tem controle sobre os representantes.

Na bibliografia especializada foram discutidos três modelos de representação política: por delegação; por confiança; por representatividade sociológica. No primeiro modelo, o representante é executor da vontade dos seus eleitores. Implica a participação irregular e limitada dos representantes nos processos de decisão política, na medida em que estes não dispõem de margem de manobra e são “engessados” pela rigidez das orientações recebidas pelos representados. Na representação como relação de confiança, o eleitor transfere ao representante o poder de estabelecer mecanismos de controle da sociedade. Contudo, nesse modelo coloca-se a possibilidade de não correspondência entre os interesses de representantes e representados. No terceiro modelo, de representação como representatividade sociológica, o organismo representativo é concebido como reflexo do corpo social. Esse modelo coloca como problema a definição das características que deveriam estar presentes no organismo representativo, bem como tende à elasticidade, na medida em que nega ao organismo representativo a capacidade de sintetizar as particularidades e especificidades presentes no corpo social.

Considerando-se a representação política inserida numa complexa trama institucional, em primeiro lugar, se deve lembrar que ela é mediatizada por partidos que disputam as eleições. Nesse sentido, entre os mecanismos que influem na composição do governo e do parlamento, encontram-se o sistema eleitoral, que estabelece uma relação entre os votos da população e o número de representantes e sistema partidário, que expressa o número e a função dos partidos dentro de um sistema político.

 Ambos os sistemas forjam um processo de competição entre organizações partidárias para conquistar ou manter posições parlamentares ante o eleitorado com funções de juiz. Ora a relação primária se estabelece entre o eleitorado e partido - com os representantes individuais tendo papel executivo -, ora esses últimos constituem-se em canal representativo entre eleitores e partidos. Mas, sobretudo é o sistema e a forma de governo que definem as condições da representação e sua efetiva influência sobre outras instituições. Cada sistema e cada forma de governo guardam características especificas que produzem diferentes desenhos institucionais.


Referências

BARRETO, Vicente et alli. Curso de introdução à Ciência Política. 2ª edição, Brasília: UnB, 1994.

HOBBES, Thomas. Do Estado. In: Leviatã. 1ª edição, São Paulo; Abril Cultural, 1974. (Coleção os Pensadores, vol. XIV).

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o Governo. 1ª edição, São Paulo; Abril Cultural, 1973, p. 56 (Coleção os Pensadores, vol. XVIII).

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. 1ª edição, São Paulo; Abril Cultural, 1973, p.114 (Coleção os Pensadores, vol. XXIV).

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Sobre a autora
Ana Lúcia Eduardo Farah Valente

Titular da UnB. Pós-Doutorado em Antropologia da Educação (Bélgica). Pós- Doutorado em Economia UnB. Graduada, Mestre e Doutora pela USP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALENTE, Ana Lúcia Eduardo Farah. Contribuições dos clássicos da Ciência Política e os vínculos com a Filosofia do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4308, 18 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32524. Acesso em: 24 nov. 2024.

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