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A relevância da má-fé no delineamento da improbidade administrativa

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24/10/2014 às 13:18
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Notas

[1] Como afirmou Gibbons (2004: 1), “o direito é a mais linguística das instituições”, ou, de modo mais enfático, “uma esmagadora instituição linguística” (2003: 1), estando “necessariamente associado à linguagem” (MATTILA, 2006: 6). Em última ratio, “o direito não existiria sem a linguagem” (TROSBORG, 1997: 19). Afinal, a “linguagem é o meio pelo qual o direito atua” (BIX, 2003: 1), vale dizer, “é o veículo por meio do qual o direito é transmitido, interpretado e executado em todas as culturas” (LEVI e WALKER, 1990: 4). Também encampando a metáfora do veículo: SCHNEIDEREIT, 2007: 4.

[2] Vide arts. 113; 164; e 422.

[3] Vide arts. 1201 (“[é] de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa”) e 1202 (“[a] posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente”). Diversos outros preceitos possuem a mesma essência, isso apesar de não veicularem definição semelhante à do art. 1201: vide arts. 128; 167, § 2º; 242; 286; 307, parágrafo único; 309; 523; 606; 637; 686; 689; 814, § 1º; 878; 879, caput e parágrafo único; 896; 925; 1049; 1149; 1214, caput e parágrafo único; 1217; 1219; 1222, caput e § 4º; 1238; 1242; 1247, parágrafo único; 1255, caput e parágrafo único; 1257; 1258, caput e parágrafo único; 1259; 1260; 1261; 1268, § 1º; 1270, caput e § 1º; 1561, caput e § 1º; 1563; 1817; 1827, parágrafo único; e 1828.                

[4] Vide art. 765.

[5] Vide arts. 186 e 187.

[6] STJ, 1ª T., REsp. nº 1.130.198/RR, rel. Min. Luiz Fux, j. em 02/12/2010, DJe de 15/12/2010; e REsp. nº 1.149.427/SC, rel. Min. Luiz Fux, j. em 17/08/2010, DJ de 09/09/2010.

[7] STJ, 1ª T., REsp. nº 1.026.516/MT, rel. Min. Luiz Fux, j. em 22/02/2011, DJe de 07/04/2011; e 1ª T., REsp. nº 980.706/RS, rel. Min. Luiz Fux, j. em 03/02/2011, DJe de 23/02/2011; 1ª T., REsp. nº 1.038.777/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. em 03/02/2011, DJe de 16/03/2011; 2ª T., REsp. nº 1.107.215/SP, rel. Min. Castro Meira, j. em 22/03/2011 DJe de 04/04/2011.

[8] STJ, 2ª T., REsp. nº 1.214..254/MG, rel. Min. Humberto Martins, j. em 15/02/2011, DJe de 22/02/2011.

[9] STJ, 2ª T., AgRg no Ag nº 1.365.386/RS, rel. Min. Herman Benjamin, j. em 22/03/2011 DJe de 25/04/2011.

[10] STJ, 2ª T., REsp. nº 1.245.765/MG, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 28/06/2011, DJe de 03/08/2011.

[11] STJ, 2ª T., REsp. nº 1.245.622/RS, rel. Min. Humberto Martins, j. em 16/06/2011, DJe de 24/06/2011.

[12] STJ, 2ª T., REsp. nº 1.127.438/PI,  rel. Min. Castro Meira, j. em 08/02/2011, DJe de 18/02/2011.

[13] STJ, 2ª T., AgRg no Ag nº 1.324.212/MG, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 28/09/2010, DJe de 13/10/2010.

[14] STJ, 2ª T., REsp. nº 1.107.215/SP, rel. Min. Castro Meira, j. em 22/03/2011, DJe de 04/04/2011.

[15] STJ, 2ª T., REsp. nº 912.448/RS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 02/12/2010, DJe de 14/12/2010; e REsp. nº 1.156.209/SP, rel. Min. Herman Benjamin, j. em 19/08/2010, DJ e de 27/04/2011.

[16] STJ, 1ª T., REsp. nº 1.319.558/RS, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 10/05/2011, DJe de 13/05/2011.

[17]     Com escusas pela obviedade, é importante ressaltar que a referência à improbidade formal busca tão-somente estabelecer um diferencial em relação às situações enquadráveis na tipologia da Lei nº 8.429/1992 e aquelas que permitirão o efetivo acionamento do seu sistema punitivo. Tanto na improbidade formal, como na improbidade material, são realizados juízos valorativos inerentes à própria interpretação jurídica, mas somente a segunda ostenta um plus, permitindo a individualização de um ato materialmente ímprobo.

[18]     O STJ não visualizou ato de improbidade na conduta de Prefeito Municipal que celebrou contrato de locação, ao arrepio da lei de licitações, visando à instalação de posto de atendimento do Ministério do Trabalho (1ª T., REsp. nº 467.004/SP, rel. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, j. em 10/06/2003, DJU de 29/09/2003, p. 151). O Tribunal realçou que, poucos meses após a instalação do posto, foi editada lei municipal legitimando a contratação realizada, não tendo ocorrido enriquecimento ilícito (os aluguéis fixados eram compatíveis com o mercado), dano ao erário ou má-fé, isso sem olvidar a grande serventia do posto para a comunidade local. Na ocasião, afirmou o relator que “o MP não pode, via ação civil pública, opor-se à vontade manifestada pela comunidade através de lei, porquanto os legisladores eleitos sobrepõem-se ao Parquet na revelação da real vontade comum”. Declinados, ainda que sucintamente, os fundamentos do acórdão, parece  relevante formular algumas observações a seu respeito. Primeira: deve-se lembrar que a norma infraconstitucional não se sobrepõe à constitucional, abrigando esta última, como todos sabem, as noções de legalidade, impessoalidade e obrigatoriedade de certame licitatório. Segunda: o vilipêndio às normas constitucionais e à respectiva legislação integradora de eficácia, a um primeiro exame, consubstancia ato de improbidade e viola o direito difuso a uma administração pública adstrita à noção de juridicidade, o que justifica a atuação do Ministério Público. Terceira: subvertida a conhecida pirâmide de Kelsen, serão inválidas as normas inferiores que destoem das superiores, ainda que as primeiras correspondam à “vontade da comunidade”. Quarta: existem valores subjacentes às contratações da administração que não podem ser reconduzidos ao interesse público imediato satisfeito com a prática do ato (v.g.: a observância da idéia de impessoalidade), preocupação nitidamente acolhida pela atual Lei de Licitações, que exige o concurso de dois vetores básicos para a validade do ato: a identificação da proposta mais vantajosa para a administração e a preservação da igualdade dos interessados no certame. Quinto: a depender da ótica de análise, as noções de dolo e má-fé tanto podem aproximar-se (estando a administração autorizada a agir apenas secundum legem, o ato que se distancie dessa perspectiva será indicativo do dolo e da correlata má-fé do agente, que voluntariamente anuiu a objetivo diverso) como se distanciar (concepção a ser adotada caso se admita que o dolo indica o descumprimento voluntário da prescrição normativa e a má-fé a não consecução do interesse público a ela subjacente). A partir dessas observações e dos efeitos de ordem sócio-jurídica dela decorrentes, é possível concluir que o acórdão conferiu uma amplitude demasiado restrita à noção de improbidade material, terminando por afastar do conceito um ato que, embora tenha satisfeito uma parcela do interesse público, maculou outra igualmente relevante, isso em razão da inobservância de normas basilares da administração pública e da lesão aos direitos dos interessados em potencial na celebração do contrato de locação com a municipalidade. Também invocando a ausência de má-fé, o Tribunal não visualizou ato de improbidade na conduta de alienar remédios ao Município vizinho, em estado de calamidade, sem prévia autorização legal (1ª T., REsp. nº 480.387/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. em 16/03/2004, DJU de 24/05/2004, p. 163). Nesse caso, cremos que a posição do Tribunal foi correta, já que o ato visou à satisfação do interesse público, não foram lesados interesses individuais ou da administração e a violação à juridicidade foi ínfima se comparada com a magnitude dos bens que se buscou preservar, relacionados a um problema de saúde pública. Como a conduta foi direcionada ao descumprimento das disposições normativas que regulam o certame licitatório, o dolo restou caracterizado. No entanto, a ausência de má-fé e a indiscutível satisfação do interesse público afastaram a caracterização da improbidade material.

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Sobre o autor
Emerson Garcia

Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Emerson. A relevância da má-fé no delineamento da improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4132, 24 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32855. Acesso em: 4 nov. 2024.

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