A desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro e as inovações do novo CPC.

Entendimento doutrinário e jurisprudencial conforme o novo Código de Processo Civil

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7. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL           

Foi sancionado no dia 16 de Março de 2015 pela Presidente da República o novo Código de Processo Civil, tendo sido publicado no dia seguinte, 17 de março de 2015 com uma vacatio legis de 1 (um) ano, devendo portanto entrar em vigor no dia 18 de Março de 2016. Trataremos neste capítulos dos pontos mais importantes.

O novo CPC trouxe uma inovação com relação ao CPC/73, trazendo regulação normativa instrumental sobre a Desconsideração da Personalidade Jurídica, o que vem auxiliar o que já tínhamos em termos Materiais, tanto no Código Civil quanto em outros diplomas normativos como o CDC e mais recentemente na nova Lei de Responsabilidade Administrativa.

O tratamento trazido pelo novo códex é de incidente processual. Isto é, grosso modo, quando dentro de um processo principal surge a questão da Desconsideração da Personalidade Jurídica.  Desta forma cai por terra a necessidade de ação autônoma própria para requerer a desconsideração, o que é um grande avanço e contribui para a celeridade do processo. É claro que se dispensa o incidente processual em caso de requerimento da Desconsideração na própria petição inicial (art.134, §2º do NCPC)

Assim o NCPC regulamenta em capítulo próprio (Título III, Capítulo IV - Do Incidente de desconsideração da personalidade jurídica), vejamos: Art. 133.  O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

Analisando o art.133, vemos que se o comando da norma exige requerimento da Parte ou do MP para deflagração do incidente processual pelo menos a priori, em uma interpretação a contrario sensu, que o Juiz estaria impedido de decretarr a Desconsideração da Personalidade Jurídica de ofício.

Fazendo um diálogo com o art.50 do CC/02 que também afirma que deve haver um requerimento da parte ou do MP quando lhe couber intervir no processo. Vemos que a necessidade de prévio requerimento se refere à Teoria advinda da norma deste artigo, no caso, a Teoria Maior ou Subjetiva.

Assim, incidentes de Desconsideração de Personalidade Jurídica que tenham como base a Teoria Menor, não teria a obrigatoriedade de requerimento prévio, podendo ser declarado ex officio pelo Juiz. Inclusive este é o entendimento de TARTUCE (2015, p.83) que entende mesmo com a inovação do Novo CPC, ser possível a desconsideração de ofício pelo juiz nos casos tutelados pelo CDC e ou nos casos de dano ambiental, por exemplo, ambas as questões fundadas na Teoria Menor.

A ideia de decretação de ofício da Desconsideração nos casos fundamentados nas normas que se embasam na Teoria Menor também pode ser extraída analisando o §1º do art.133§ que diz: “O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.”. De sorte que as normas de direito materiais já existentes sobre o instituto devem ser respeitadas na sua natureza, inclusive levando em consideração as interpretações doutrinárias referentes a elas em coerência com as teorias Maior e Menor, conforme o caso[6].

Logo não haveria óbice em decretação da desconsideração de ofício pelo juiz nos casos fundamentados na Teoria Menor, pois a natureza do instituto assim permite e estaria em pleno acordo com a jurisprudência e com a doutrina.

O §2 do art.133 diz que “Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.”. Não se trata nesse caso, como já visto em capítulo anterior, de nova modalidade de aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica, até mesmo por que já é uma hipótese de aplicação bastante presente no ordenamento jurídico seja na doutrina ou jurisprudência. A diferença é que agora a fundamentação da aplicação inversa constará em norma procedimental, o que antes se fazia com base nas próprias normas materiais[7].

A norma do art.134 do novo códex assim declara: “O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.”. Trata-se do momento em que se pode requerer o incidente, o que antes havia dúvida, mas que o STJ já havia pacificado, e que agora se torna indiscutível[8].

O art. 135 prevê expressamente o contraditório de forma não diferida, assim as partes devem ser chamadas a se manifestar antes da decretação da desconsideração. Vejamos: “Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.”. Contudo o texto do artigo não exclui de forma absoluta a possibilidade de contraditório diferido, porém este passa a ser exceção à regra, só podendo ser realizado nos casos em que couber uma tutela de urgência ou antecipação dos efeitos da tutela, como vemos nas palavras de NEVES:

É preciso registrar que a previsão legal que exige o contraditório tradicional não afasta peremptoriamente o contraditório diferido na desconsideração da personalidade jurídica, apenas tornando-o excepcional. Dessa forma, sendo preenchidos os requisitos típicos da tutela de urgência e do pedido de antecipação dos efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, entendo admissível a prolação de decisão antes de intimação dos sócios e da sociedade. Nesse sentido, inclusive, mencionando o poder geral de cautela do juiz, existe decisão do Superior Tribunal de Justiça.(2015, p. 139).

Por fim é importante lembrar que o Novo CPC afirma através do art.1.062 que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica também se aplica aos processos de competência do Juizados Especiais. O que não haveria óbice nenhum caso o NCPC não tivesse afirmado, pois não existiria nada contrário que justificasse  esta incidência nos Juizados, contudo o legislador entender por bem afirmar a possibilidade expressamente.

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8. CONCLUSÃO

Grande parte da doutrina comercialista utiliza as formas de aplicação da disregard doctrine (desconsideração indireta, inversa, expansiva) como vertentes da teoria, contudo, data venia entendimento contrário, me posiciono no sentido de que estas são apenas formas de aplicação do instituo que podem se dar com fundamento no CC/02, art. 50 (Teoria Maior), ou ainda com base em outros sistemas, como o CDC  (Teoria Menor), por exemplo, contudo não se tratam de novas teorias. Desta forma, como base no art. 50 CC/02 pode-se dar tanto a desconsideração direta, indireta, inversa ou expansiva, por exemplo.

De outro lado, as inovações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil vem pacificar certos entendimentos já pacificados pela jurisprudência, acabar com algumas divergências e trazer mais segurança jurídica, bem como a tentaiva de dar mais celeridade ao procedimento, o que é bastante louvável.

Por fim, podemos dizer que a Teoria da Desconsideração de Personalidade Jurídica possui apenas duas vertentes. Uma constante na norma do art. 50, CC/02, a chamada Teoria Maior que reúne os elementos clássicos que fundamentaram o instituto e que foi sistematizada por Rolf Serick e a outra vertente, chamada Teoria Menor, criação "tupiniquim", que está presente no CDC, Lei de Crimes Ambientais, Lei de concorrência e que foge aos preceitos originais da teoria e que representa na verdade um retrocesso e desprestígio ao princípio da autonomia patrimonial.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSUMPÇÃO NEVES, Daniel Amorim. O Novo CPC -Inovações, Alterações e Supressões .1.ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.

COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de Direito Comercial. v.2. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

CORRÊA, Mariana Rocha. A Eficácia da Desconsideração Expansiva da Personalidade Jurídica no Sistema Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro. 2011. Disponível em <http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2011/trabalhos_12011/MarianaRochaCorrea.pdf>. Acesso em 24.02.2015.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil esquematizado v.1.  2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 4.ed. Rio de Janeiro: Método; 2012.

TARTUCE, Flávio. O Novo CPC e o Direito Civil - Impactos, diálogos e interações.1.ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015

WALD, Arnoldo. Direito Civil: direito de empresa v.8. São Paulo: Saraiva , 2012.

Jornada de Direito Civil / Organização Ministro Ruy  Rosado de Aguiar Jr. – Brasília : CJF, 2007.


NOTAS

[1]GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil esquematizado v.1.  2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.p, 208.

[2] RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 2º ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012. p, 401.

[3] COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de Direito Comercial.v.2. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

[4] RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Ob., cit., p.402.

[5] CORRÊA, Mariana Rocha. A Eficácia da Desconsideração Expansiva da Personalidade Jurídica no Sistema Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro. 2011. Disponível em <http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2011/trabalhos_12011/MarianaRochaCorrea.pdf>. 

[6] TARTUCE, Flávio. O Novo CPC e o Direito Civil - Impactos, diálogos e interações.1.ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015. p.83.

[7]TARTUCE, Flávio. Ob., cit., p.84.

[8] ASSUMPÇÃO NEVES, Daniel Amorim. O Novo CPC -Inovações, Alterações e Supressões .1.ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015. p.138.

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Sobre o autor
Luiz Antônio Santiago Corrêa

Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pelo INSTITUTO BRASILEIRO DE ENSINO, DESENVOLVIMENTO E PESQUISA (2022); Mestre em Direito Econômico e Empresarial pela Pontificia Universidad Catolica Argentina Santa Maria de Los Buenos Aires (2017). Auditor de Controle Externo da Procuradoria do Tribunal de Contas do Estado do Pará e Advogado.

Informações sobre o texto

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