“A veces, esperar lo mejor de los demás es arrogancia."
(fragmento del poema trans «el ansia, una muerte vertical» de Javier Martín).
Apesar de louvado como «revolucionário», o recente sínodo de bispos que, supostamente, renunciaria a sua homofobia, finalmente a Igreja, sempre tão mansa como uma paloma, mas prudentíssima como uma serpente, ignorou aos homossexuais na mensagem final da 3ª Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos. De fato, o único remotamente «revolucionário» foi o discurso de alguns clérigos que consideram que os «homossexuais têm grandes dons e qualidades a oferecer à comunidade cristã», e o desejo de receber bem aos gays na Igreja, pondo de relevo a necessidade de «aceitação» e «aproximação». Mas toda essa demonstração de infinita caridade se daria com a «prudência adequada» para não criar «a impressão de uma valoração positiva» dessa orientação (das relações entre pessoas do mesmo sexo) por parte da Igreja.
Acaso este seja o «modus operandi» da era Francisco: anunciar alguma postura que sugira que a Igreja se está pondo ao dia com os valores do século XXI, e logo dar marcha atrás para satisfazer aos fanáticos e intolerantes. Um Papa de uma única e infalível palavra: «talvez». Com este último episódio as autoridades da Igreja Católica deixam absolutamente claro que redobram sua aposta pela intolerância e a obsessão por castigar o sexo não reprodutivo. Uma perigosa matriz religiosa que continua a impregnar os cérebros teologicamente condicionados de suas ovelhas com preconceitos infundados, ameaçando sistematicamente as normas da moral a que chamamos civilizada; quer dizer, dos princípios éticos de respeito mútuo e tolerância em uma sociedade decente, cujas instituições não devem humilhar as pessoas e cujos cidadãos não se humilham uns aos outros; uma sociedade que permite viver juntos sem humilhações, discriminações e com dignidade (A. Margalit).
Quanto sofrimento renovado e inecessário às inúmeras famílias cristãs que desfrutam do e com o amor de amigos e parentes (filhos, irmãos, netos, tios, primos, sobrinhos...) homossexuais. Posso entender que alguns devotos bem intencionados estejam convencidos de que o homossexualismo (ou o matrimônio homoafetivo) é um pecado gravíssimo ou uma tremenda agressão ao «projeto sexual do Criador» (para usar as palavras ditas em 1986 pelo então Cardeal Ratzinger). Mas estou convencido que nem sequer aqueles que crêem na existência de um Deus providencial são capazes de apoiar uma postura que, depois de tudo, constitui uma bandeira defendida curiosamente por aqueles que parecem não ter (ou se negam a ter) uma dimensão real da condição humana quando esta ronda a impessoalidade.
Continuamos a marginalizar, porque constituem uma ameaça, nossos familiares e amigos homossexuais? São "heteros" os direitos humanos e divinos? Como conciliar o dever de obediência dogmática à Igreja com o mandamento de “amar ao próximo como a si mesmo”? Quem, em seu sano juízo, se limita a amar um familiar ou um amigo homossexual com a «prudência adequada» para não criar «a impressão de uma valoração positiva» de sua orientação sexual? Que espécies de líderes espirituais continuam a impregnar com deliberada maldade o fato de que o que verdadeiramente dá sentido a nossas vidas é o amor, e que, tanto ou mais que a razão e independentemente de nossas preferências sexuais, a amorosa preocupação e cuidado que dedicamos aos seres que amamos é o que nos permite exercer nossas melhores capacidades e demonstrar nossa valia como seres humanos? Devemos permanecer em silêncio sobre isso também?
Mas há também outra ironia: a mesma Igreja que proporciona aos seus acólitos a compaixão e o perdão também segrega as mulheres, proíbe o aborto e o divórcio, sanciona e protege a pedofilia, fomenta a intolerância e a discriminação, encarniça a autonomia individual, amordaça a palavra e condena a liberdade da alma ao fogo eterno do inferno, reprime as demais religiões onde manda e exige liberdade de culto onde não manda. Nenhuma destas ideias merece dignidade.
Talvez a Igreja não entenda a palavra «dignidade» que está implícita no e emerge do «humano». Ou talvez a entenda demasiado bem porque a plena compreensão do que significa «direitos humanos» exigiria um câmbio realmente drástico em seu anacrônico modelo de mundo; ou, tal como A. MacIntyre, entenda que os direitos humanos não existem, como não existem as fadas e os unicórnios (mas sim o diabo!), e que somente são «ficções morais». Porque não é o mesmo «reconhecer» direitos que a quase sádica piedade de «aceitar» ou «aproximar» com a «prudência adequada» para não criar «a impressão de uma valoração positiva».
Por quê? Pois porque a caridade é a antítese dos direitos humanos. A dignidade humana é pisoteada pela caridade e sua forma cristã de «humanitarismo» donde as espórtulas de «aceitação» e «aproximação» se oferecem de forma seletiva ou são impostas desde o exterior de maneira caprichosa, contingente e temporal. A caridade, pelo geral, só beneficia ao doador, quase sempre em algum tipo de ato público interessado, e ofende a humanidade daqueles que se encontram no lado receptor (D. Raventós & J. Wark).
No caso, a dignidade dos homossexuais resultou novamente maltratada por uma Igreja com «surdos ouvidos para toda palavra de humanidade» (S. Zweig), e que se resiste impetuosamente a reconhecer a esse coletivo humano concreto o direito de plena e livre realização pessoal, familiar e religiosa, isto é, de pôr, no que se refere aos seus legítimos interesses, os direitos humanos e fundamentais ao efetivo serviço da não discriminação, da tolerância, da liberdade como não interferência arbitrária e da igualdade material, como princípios básicos que asseguram a invariante axiológica do respeito incondicional da dignidade da pessoa humana.
Substituamos mentalmente a palavra «gay» por “obeso», «mulher» ou «negro» no discurso eclesiástico e veremos o «mal puro». Assim de perverso é o sistema. Tomando sem ônus a famosa cita de Steven Weinberg: «La religión es un insulto a la dignidad humana. Con o sin religión siempre habrá buena gente haciendo cosas buenas y mala gente haciendo cosas malas. Pero para que la buena gente haga cosas malas hace falta la religión.»
E uma vez que nada do que se sustente em sentido contrário parece suficiente para mover nem um milímetro a opinião da cúpula da Igreja católica sobre este tema (para dizer o mínimo), esperemos ao menos que o Espírito Santo intervenha junto aos sacerdotes (não, evidentemente, com a mesma intenção e objetivo com que apareceu à Virgem; não sei se me explico) para que comecem a ver com alguma virtuosidade as boas intenções do bom Francisco (nota bene: a eventual «boa vontade» ou as «melhores intenções» não bastam por si sós para garantir o acerto moral de algumas posturas; depende também, e sobretudo, de seus atos e suas consequências, porque a ação é a única prova fiável e fidedigna para valorar a intenção: se a ação nunca aparece ou é inapropriada, é muito provável que a intenção ou a boa vontade seja uma farsa. Como disse Winston Churchill em uma ocasião: «No basta con hacer nuestro mejor intento; en ocasiones tenemos que hacer lo que se necesita»).