No início do Século XIX, surgiu a Escola da Exegese em meio ao caos político e social da França revolucionária.[1]
Naquele período, após várias trocas de governo no Estado Francês, provocou grande desordem jurídica no país, o que causou grandes prejuízos aos negócios da classe social mais favorecida pela Revolução, justamente a burguesia.[2]
Entretanto, com a ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder, a burguesia favoreceu a criação de um Código Civil que consolida-se suas conquistas, e que trouxesse ordem e segurança ao ordenamento jurídico francês. Nasceu assim, em 1804, o Código Napoleônico.[3] Sobre o Codex, Norberto Bobbio afirma que:
Este projeto nasce da convicção de que possa existir um legislador universal (isto é, um legislador que dita leis válidas para todos os tempos e para todos os lugares) e da exigência de realizar um direito simples e unitário. A simplicidade e a unidade do direito é o Leitmotiv, a idéia de fundo, que guia os juristas, que nesse período se batem pela codificação.[4]
Esse dispositivo de lei foi o mais sistematizado e já produzido naquela época, e influenciou a criação de outros Códigos similares em outros países.[5]
As correntes hermenêuticas surgidas a partir do Código Napoleônico foram tão importantes que influenciaram fortemente o direito da primeira metade do Século XIX, apenas vindo a enfraquecer-se em popularidade entre os jurisconsultos ao final daquele Século. A principal escola criada foi a Escola da Exegese.[6]
Fases:
Diversos jurisconsultos renomados, como exemplo Chaïm Perelman e Bonnecase, decompõem a Escola da Exegese em três fases distintas.[7]
A primeira adveio desde a outorga do Código Napoleônico até meados da década de trinta do Século XIX. Durante esse período, existiu a instauração da Escola e a definição das suas características principais.[8]
Já a segunda fase teve início logo após a primeira e durou até os anos oitenta do Século XIX. Nesse lapso temporal, ocorreu o seu período áureo, sendo publicadas as principais obras dessa corrente hermenêutica.[9]
A terceira e última fase, foi de 1880 até os últimos anos do Século XIX, quando ocorreu o declínio da Escola da Exegese e a ascensão de um novo jusnaturalismo.[10] Liana Holanda de Melo sintetiza essas fases, “ipsis litteris”:
Os principais representantes da Escola da Exegese são “Proudhon, Melville, Blondeau, Delvincourt, Huc, Aubry e Rau, Laurent, Marcadé, Demolombe, Troplong, Pothier, Baudry-Lacantinerie, Duraton, etc.”. Os três principais períodos da Escola da Exegese são de 1804 a 1830 – Formação; de 1830 a 1880 – Apogeu, e 1880 em diante – Declínio (primeiras alterações no Código Civil francês).[11]
Características:
Naquela época, o racionalismo era muito aplicado devido à influência do iluminismo na França pós-revolução, assim, os integrantes da Escola da Exegese afirmavam que o Código Civil francês seria fruto da razão, e por esse motivo, esse dispositivo tinha as mesmas características, isto é, seria universal, rígido e atemporal.[12] Iara Menezes Lima expõe essa característica, “in verbis”:
As razões históricas da teoria da plenitude lógica do direito, nos termos em que foi adotada pela Escola da Exegese, remontam às concepções iluministas ainda muito presentes no pensamento ocidental, àquele tempo, em especial na França, por motivos óbvios. A nova ordem fundada nos ideais da classe burguesa depositou no sistema rígido dos códigos toda a sua necessidade de certeza e segurança jurídica. Os códigos eram, então, considerados a transcrição humana das leis que se encontram na natureza – o repositório do direito natural –, sendo, por isso mesmo, tidos como perfeitos e a única fonte do direito. Tudo, acreditava-se, havia sido colocado nos códigos. Não era, portanto, necessário, e muito menos permitido, que se buscasse as soluções em outra fonte que não fosse a lei escrita.[13]
Dessa forma, os defensores dessa Escola não aceitavam a existência de lacunas na lei, pois por decorrer da razão, ela abrangeria todo o ordenamento jurídico. Assim sendo, um dos seus pilares foi a Teoria da Plenitude da Lei.[14] Lima nos ensina, “ipsis litteris”:
Dessa forma, o intérprete desenvolve a sua atividade totalmente circunscrito ao texto da lei, não lhe sendo dado ir além dele. Realiza apenas um trabalho de exegese, a partir do pressuposto de que a lei escrita contém todo o direito. É um sistema hermético, que pressupõe a plenitude e perfeição da lei escrita, considerada esta como uma revelação completa e acabada do direito.[15]
Esse “encantamento” pelo poder das palavras, a que ficaram sujeitos os doutrinadores da Escola da Exegese, foi muito bem assinalado por MÔNICA SETTE LOPES:
Os doutrinadores da Escola da Exegese incorporaram a ideologia de que a palavra tinha sentido pleno, de que tudo seria reduzido a ela. Omundo e seus conflitos seriam demarcados pelos limites da palavra. A afirmação tautológica de que a lei é a lei (Gesetz ist Gesetz, para lembrar os conceitualistas alemães, ou dura lex, sed lex – a lei é dura, mas é lei -, como um slogan dos exegetas) reproduzia a vocação a um novo regime que imprimiria ordem e previsibilidade, esgotando as irrupções do reino insondável das necessidades e dos interesses.[16]17
Outro importante pilar dessa escola era o destaque dado à vontade do legislador. O Princípio da Autoridade possui estreitas relações com essa característica da Escola da Exegese.[17]
Se a interpretação da lei continuasse confusa, o jurista deveria continuar pesquisando a vontade do Legislador, que deveria ser feita por meio da leitura das exposições de motivos da lei, da análise das discussões parlamentares e, até mesmo, do estudo dos costumes e das tradições existentes na época da criação da norma.[18] Segundo Bobbio:
O argumento fundamental que guia os operadores do direito no seu raciocínio jurídico é o princípio da autoridade, isto é, a vontade do legislador que pôs a norma jurídica; pois bem, com a codificação, a vontade do legislador é expressa de modo seguro e completo e aos operadores do direito basta ater-se ao ditado pela autoridade soberana.[19]
Outra ênfase dada era ao Princípio da Separação de Poderes, para os defensores da Escola da Exegese, o intérprete da lei só poderia usar a interpretação lógico-gramatical, caso utilizasse outro sistema interpretativo, este estaria legislando indiretamente, e dessa forma, adentrando a um domínio que pertenceria exclusivamente ao poder legislativo.[20] Sônia Maria S. Seganfreddo esse posicionamento:
Os juristas do século XVIII já negavam aos juízes o poder de interpretarem a lei, a fim de evitar o arbítrio dos magistrados, devido à organização política, estruturada sob o absolutismo monárquico, sem a divisão de poderes. Com a Revolução Francesa, o princípio da divisão dos poderes foi consagrado. O Poder Legislativo passou a ser o único constitucionalmente capacitado a fazer leis. Desse modo, para os adeptos da Escola da Exegese, a lei só poderia ser interpretada através de seus textos, segundo a vontade do legislador. Se o Poder Judiciário modificasse a vontade do legislador estaria exorbitando seu poder e entrando na área de competência do Legislativo.[21]
Essa Escola ainda pregava que o Estado era a única fonte do direito, pois toda a esfera jurídica seria originada da norma, e esta, por ser derivada do legislador, teria sua origem no Estado.[22]
Aplicação do direito:
Sobre a aplicação do direito, a Escola da Exegese defendia a concepção silogística. Tal entendimento tinha influência de Montesquieu, que entendia o direito como possuidor de três elementos básicos: a) fato; b) norma e; c) sentença.[23]
Esse é um dos tipos de silogismo criados por Aristóteles, em que uma premissa maior relaciona-se com uma premissa menor, resultando em uma conclusão.[24]
Neste entendimento, a norma supera o fato, sendo esta a premissa menor (fato) e aquela a premissa maior (norma). E a sentença seria vista como a conclusão desse silogismo.[25]
Declínio:
O declínio da Escola da Exegese ocorreu por conta de seu processo interpretativo, apenas a letra da lei, já não era mais suficiente, e havia forte necessidade de se recorrer a outras fontes.[26]
Essa Escola foi criticada por diversos estudiosos, entre eles: François Gény; Rudolf Von Ihering; Eugen Ehrlich; entre outros. Em geral, as críticas embasavam-se em torno do fetichismo da lei e da maneira literal como se interpretava o Direito.[27]
A deficiência vinha do sistema fechado e restrito apenas ao Código Civil francês, o que tornava o sistema engessado e estático. Por essa razão, a escola da Exegese não acompanhou a dinâmica da sociedade.[28]
Tanto o julgador quanto o legislador reconhecem a existência de lacunas no ordenamento jurídico, utilizando para isso o Princípio de Freios e Contrapesos, que busca harmonizar os “Três Poderes” e a interpretação principiológica.[29]
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos dias de hoje, a interpretação gramatical não tem a mesma relevância da época em que vigeu a Escola da Exegese, justamente por este tipo de hermenêutica não considerar fatores essenciais em uma sociedade naturalmente dinâmica.
O intérprete atual necessita avaliar os valores sociais compreendendo que a lei e os códigos não são um fim em si mesmo, mas sim um meio para materializar o Estado Democrático de Direito no qual estamos inseridos.
Embora tenham existido críticas à Escola da Exegese, não há como negar que ela possuiu grande importância para o estudo da hermenêutica jurídica, pois, esta corrente científica tem características que permanecem até hoje, inclusive em nosso sistema jurídico brasileiro.
Salienta-se ainda, a sua importância para o contexto histórico, sendo bem sucedida na empreitada à qual se propôs, qual seja, anunciar as ideias do Código Napoleônico para manter a ordem e dar segurança jurídica ao ordenamento judiciário francês.
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995.
________. O positivismo jurídico. São Paulo: Ícone, 1999.
CHAVES, Daniel Rodrigues. A Escola da Exegese: origem, características e contribuições. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23137>. Acesso em: 10 de abr. de 2014.
LIMA, Iara Menezes. Escola da Exegese. Disponível em: <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&cad=rja&uact=8&ved=0CDgQFjAB&url=http%3A%2F%2Fwww.pos.direito.ufmg.br%2Frbep%2Findex.php%2Frbep%2Farticle%2Fdownload%2F55%2F53&ei=m8tIU6bYDMqa0AGug4CQDQ&usg=AFQjCNEGPG6v-2tLCT4zdM4Mz494mFeLMQ&bvm=bv.645425
18,d.dmQ>. Acesso em: 11 de abr. de 2014.
MELO, Liana Holanda de. Hermenêutica jurídica: a escola da exegese e o mito da neutralidade. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9031>. Acesso em: 10 de abr. de 2014.
PES, Mônica Sette. Uma metáfora: música & direito. São Paulo: LTR, 2006.
SEGANFREDDO, Sônia Maria S. Como interpretar a lei: a interpretação do direito positivo. Rio de Janeiro: Rio, 1981.
[1] CHAVES, Daniel Rodrigues. A Escola da Exegese: origem, características e contribuições. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23137>. Acesso em: 10 de abr. de 2014.
[2] CHAVES, Daniel Rodrigues. Idem.
[3] MELO, Liana Holanda de. Hermenêutica jurídica: a escola da exegese e o mito da neutralidade. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9031>. Acesso em: 10 de abr. de 2014.
[4] BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995, p. 65.
[5] MELO, Liana Holanda de. Idem.
[6] MELO, Liana Holanda de. Ibidem.
[7] CHAVES, Daniel Rodrigues. Op. Cit.
[8] CHAVES, Daniel Rodrigues. Op. Cit.
[9] CHAVES, Daniel Rodrigues. Op. Cit.
[10] CHAVES, Daniel Rodrigues. Op. Cit.
[11] MELO, Liana Holanda de. Op. Cit.
[12] CHAVES, Daniel Rodrigues. Op. Cit.
[13] LIMA, Iara Menezes. Escola da Exegese. Disponível em: <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&cad=rja&uact=8&ved=0CDgQFjAB&url=http%3A%2F%2Fwww.pos.direito.ufmg.br%2Frbep%2Findex.php%2Frbep%2Farticle%2Fdownload%2F55%2F53&ei=m8tIU6bYDMqa0AGug4CQDQ&usg=AFQjCNEGPG6v-2tLCT4zdM4Mz494mFeLMQ&bvm=bv.64542518,d.dmQ>. Acesso em: 11 de abr. de 2014.
[14] CHAVES, Daniel Rodrigues. Op. Cit.
[15] LIMA, Iara Menezes. Idem.
[16] PES, Mônica Sette. Uma metáfora: música & direito. São Paulo: LTR, 2006, p. 89.
[17] MELO, Liana Holanda de. Op. Cit.
[18] CHAVES, Daniel Rodrigues. Op. Cit.
[19] BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. São Paulo: Ícone, 1999, p. 78-79.
[20] CHAVES, Daniel Rodrigues. Op. Cit.
[21] SEGANFREDDO, Sônia Maria S. Como interpretar a lei: a interpretação do direito positivo. Rio de Janeiro: Rio, 1981, p. 55-56.
[22] CHAVES, Daniel Rodrigues. Op. Cit.
[23] CHAVES, Daniel Rodrigues. Op. Cit.
[24] CHAVES, Daniel Rodrigues. Op. Cit.
[25] CHAVES, Daniel Rodrigues. Op. Cit.
[26] MELO, Liana Holanda de. Op. Cit.
[27] MELO, Liana Holanda de. Op. Cit.
[28] MELO, Liana Holanda de. Op. Cit.
[29] MELO, Liana Holanda de. Op. Cit.