Natureza da responsabilidade patrimonial do sócio por dívida social

27/10/2014 às 14:48
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A regra geral é que os bens dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade. Contudo, havendo desvio de finalidade, descumprimento do contrato social, ato ilícito ou simplesmente dano a consumidores, empregados, terceiros ou fisco, poderá haver a desconsideração episódica da personalidade jurídica para que os bens dos sócios sejam atingidos.

1. INTRODUÇÃO

Com o presente trabalho pretende-se investigar a natureza da responsabilidade patrimonial do sócio por dívida social, ou seja, se o patrimônio deste responde solidaria ou subsidiariamente por passivos da sociedade.

A regra geral no ordenamento jurídico brasileiro é que os bens dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade. Adotou-se, portanto, a teoria da irresponsabilidade patrimonial dos sócios pelas dívidas da sociedade ou teoria da personalização da sociedade, manifestada, basicamente, nos artigos 1.024 do Código Civil e 596 do Código de Processo Civil, abaixo transcritos:

Artigo 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.

Artigo 596 - Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade.

A adoção de tal regime é imprescindível para o funcionamento das sociedades em um regime de capitalista, pois o risco inerente a toda atividade econômica não pode expor o patrimônio dos sócios além daquilo que foi destinado à integralização do capital da empresa.

Tal regra decorre do fato de a sociedade, por ser ente que não se confunde com a pessoa dos sócios, deter autonomia patrimonial, personalidade jurídica e capacidade postulatória.

Contudo, excepcionalmente, admite-se que o patrimônio dos sócios seja atingido por dívidas sociais. Trata-se da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, manifestada, essencialmente, em três normas previstas, respectivamente, no art. 50 Código Civil, no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e no art. 135 do Código Tributário Nacional. Confiram-se:

Artigo 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Artigo 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Artigo 135.  São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior[1];

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Assim, esse é o marco civil da desconsideração da personalidade jurídica.

Tal responsabilização, por ser excepcional, deve obedecer ao benefício de ordem estabelecido nos artigos 1.024 do Código Civil e 596 do Código de Processo Civil, ou seja,  somente após o esgotamento dos bens da sociedade é que responderão os bens dos sócios e administradores.

Por fim, há que ser ressalvado que a desconsideração da personalidade jurídica não tem o condão de dissolver a sociedade. Conforme ensina Fábio Ulhôa Coelho, trata-se de medida episódica que apenas desconsidera a regra geral da irresponsabilidade patrimonial dos sócios pelas dívidas da sociedade para um fim específico.


3. CONCLUSÃO

Assim, a regra geral no ordenamento jurídico brasileiro é que os bens dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade. Contudo, havendo desvio de finalidade, descumprimento do contrato social, ato ilícito ou simplesmente dano para consumidores, empregados, terceiros e o fisco, poderá haver a desconsideração episódica da personalidade jurídica para que os bens dos sócios sejam atingidos, desde que esgotados os bens da sociedade (benefício de ordem).

Desse modo, conclui-se que, em razão da regra prevista nos artigos 1.024 do Código Civil e 596 do Código de Processo Civil, a responsabilidade dos sócios pelas dívidas da sociedade será subsidiária, mesmo nos casos em que houver desconsideração da personalidade jurídica.


4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RAMOS, André Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial. 4a ed., Rev., amp. e atualizada. Salvador: Jus podivium, 2010.

COELHO, Fabio Ulhôa, Curso de direito comercial, 15a.ed., São Paulo, Editora Saraiva, 2011.


Nota

[1] Art. 134. (...)

VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

        

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