RESUMO: O presente artigo tem por foco o nepotismo no âmbito das terceirizações de serviço publico estadual e municipal. Busca-se mostrar que a Súmula Vinculante n. 13 encontra amparo direto no Art. 37 da Constituição Federal, sendo que dali também se extrai a vedação ao nepotismo no âmbito das terceirizações.
Palavras-chave: Nepotismo; Súmula Vinculante n. 13. terceirização. Juridicidade.
Como é de conhecimento da comunidade jurídica, após repetidos julgados sobre o tema, em meados de 2008 o Supremo Tribunal Federal editou súmula vinculante no sentido de proibir a nomeação em comissão de parentes até terceiro grau da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento no âmbito da Administração Pública, coibindo inclusive o chamado nepotismo cruzado, consistente no ajuste por designações recíprocas, prática comumente utilizada para dissimular o nepotismo direto.
A referida súmula vinculante, de n. 13, leva a seguinte redação:
“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal[1]”.
Ao cristalizar o entendimento jurisprudencial na referida SV, nota-se que a Suprema Corte partiu da aplicação direta e imediata da principiologia inserta no Art. 37 da Constituição Federal, dispositivo este regente da Administração Pública, notadamente no que diz respeito à moralidade, impessoalidade e isonomia.
Agindo assim, ao passo em que respondeu a um forte anseio social pelo fim dessa prática que remonta aos primórdios do Brasil Imperial, quando prevalecente uma administração pública de cunho patrimonialista tão criticada na atualidade - embora ainda se padeça dos seus refluxos -, teve a súmula o proeminente mérito de fomentar a nova concepção de baliza da conduta administrativa, já não mais cerrada na legalidade senão na juridicidade[2].
Com efeito, se antes o principio da legalidade – ou da reserva legal, se assim se preferir – guiava a Administração Pública de modo exclusivo, sob a máxima de que “só é dado ao agente público agir de acordo com e nos limites da lei”, hoje, sob o império do que se convencionou chamar neoconstitucionalismo, a baliza se estende ao Direito como um todo, sobretudo aos princípios constitucionais[3].
Pois bem; o próprio fato de ter o STF, com base apenas na força normativa da Constituição, ou seja, independentemente de intermediação legislativa, proibido a prática do nepotismo, constitui forte elemento argumentativo no sentido de não ter a sumula vinculante esgotado os casos de nomeações entre parentes que resultam incompatíveis com os referidos postulados constitucionais. É que a súmula não é lei, e nem a lei é mais, como visto, o único parâmetro de juridicidade.
Seguindo essa linha de raciocínio, cumpre atentar - como bem cuidou de mostrar a praxe administrativa – para o fato de que o nepotismo não se cinge, na prática, às nomeações para os ditos cargos comissionados, estendendo-se também às terceirizações no serviço público.
Com efeito, se não é de hoje que o permissivo de terceirização têm servido muitas vezes de pretexto para burla à regra constitucional do concurso público (Art. 37, II da Constituição Federal)[4], também não é novidade que o velho fantasma do nepotismo encontra aqui uma versão mais modesta e, por assim dizer, mais discreta: ao invés de se selecionar, por meio de certame licitatório, empresa intermediária de serviço terceirizado em razão da vantajosidade e economicidade da contratação, busca-se em verdade oferecer um posto de trabalho a determinado parente de servidor ocupante de cargo de direção, chefia ou assessoramento.
Pode-se inferir, no entanto, que também no âmbito das terceirizações, a prática do nepotismo esbarra na proibição constitucional, sob pena de se anuir com um verdadeiro subterfugio à vedação forte em uma interpretação cerrada e açodada da súmula vinculante. Com efeito, é inegável que a contratação de parente por meio da terceirização constitui, da mesma forma, um direcionamento odioso, impessoal e antiisonômico, devendo-se aplicar o brocardo segundo o qual onde existe a mesma razão fundamental deve prevalecer a mesma regra de direito.
No âmbito da Administração Pública Federal, há norma proibindo de modo expresso o nepotismo nas terceirizações, de modo a vedar a contratação de terceirizado cônjuge, companheiro ou parente até terceiro grau de ocupante de cargo de provimento em comissão:
DECRETO Nº 6.906, DE 21 DE JULHO DE 2009.
Art. 1o É obrigatória a apresentação de declaração acerca da existência de vínculo matrimonial, de companheirismo ou de parentesco consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, conforme disposto no Anexo I, com ocupantes de cargos em comissão ou funções de confiança no âmbito do Poder Executivo federal, pelos agentes públicos a seguir indicados, que se encontrem em exercício na data de publicação deste Decreto:
I - Ministro de Estado;
II - ocupante de cargo de natureza especial; e
III - ocupante de cargo do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores.
Parágrafo único. A declaração referida no caput deverá incluir também informação sobre a existência de vínculo matrimonial, de companheirismo ou de parentesco consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, com estagiário, TERCEIRIZADO ou consultor contratado por organismo internacional que prestem serviços para o órgão ou entidade da administração pública direta, autárquica ou fundacional onde o agente exerce atividade.
DECRETO Nº 7.203, DE 4 DE JUNHO DE 2010.
Art. 7° Os editais de licitação para a contratação de empresa prestadora de serviço terceirizado, assim como os convênios e instrumentos equivalentes para contratação de entidade que desenvolva projeto no âmbito de órgão ou entidade da administração pública federal, deverão estabelecer vedação de que familiar de agente público preste serviços no órgão ou entidade em que este exerça cargo em comissão ou função de confiança."
Fica então a pergunta: e quanto aos demais entes federados, estados e municípios?
Como se observa, a regra ora alvitrada não encontra amparo expresso quer em lei ordinária, quer na Súmula Vinculante de n. 13. No entanto, retira seu substrato de validade – leia-se de normatividade – na própria Constituição da Republica, de modo que a inexistência de norma infralegal vigorante nos estados e municípios, tal qual existe em âmbito federal, não obsta a conclusão pela ilegalidade – leia-se injuridicidade – da prática.
REFERENCIAS.
BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n. 13. DJe nº 162 de 29/8/2008, p. 1. DOU de 29/8/2008, p. 1. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/Enunciados_Sumula_Vinculante_STF_1_a_29_e_31_a_33.pdf. Acesso em 15.10.2014.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: método, 2014
[1]BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n. 13. DJe nº 162 de 29/8/2008, p. 1.
DOU de 29/8/2008, p. 1. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/Enunciados_Sumula_Vinculante_STF_1_a_29_e_31_a_33.pdf. Acesso em 15.10.2014.
[2]Nesse sentido, afirma Rafael Carvalho de Oliveira que “(...) com a crise da concepção liberal do principio da legalidade e o advento do Pós-positivismo, a atuação administrativa deve ser pautada não apenas pelo cumprimento da lei, mas também pelo respeito aos princípios constitucionais, com o objetivo de efetivar os direitos fundamentais. (...) a legalidade não é o único parâmetro da ação estatal que deve se conformar às demais normas consagradas no ordenamento jurídico. A legalidade encontra-se inserida no denominado princípio da juridicidade que exige a submissão da atuação administrativa à lei e ao Direito. (OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: método, 2014, p.27)
[3]A doutrina sobre o tema é vasta, sendo que esta breve exposição não comporta sua investigação. Apenas para contextualizar, cumpre mencionar que o constitucionalismo moderno – ou neoconstitucionalismo – tem como marco teórico a preponderância normativa da Constituição como documento jurídico, muito além de político, implicando no reconhecimento da superior força normativa dos princípios e, por conseguinte, na consagração do seu papel de destaque dentro do ordenamento jurídico constitucional. Sobre o tema, conferir BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.
[4]Na conformidade do enunciado sumular n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho, a terceirização no serviço publico, à semelhança do regime empregatício em geral, apenas é permitida em caso de conservação e limpeza, bem como no de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. Entretanto, é prática comum a contratação de terceirizados para o exercício de atividade fim de órgãos ou entidades publicas, em burla à regra do concurso público.