6. Subsistema normativo
Por ser o subsistema normativo, o núcleo básico dessa análise, torna-se necessário examiná-lo mais profundamente, cabendo detalhar as funções exercidas por cada uma dessas instituições.
O CMN é órgão do Poder Executivo, enquanto que o BACEN e a CVM são autarquias, com a obrigação de operacionalizar as diretrizes políticas do Governo Federal, conferindo agilidade e dinamismo à sua atuação em matéria econômico-financeira. [20]
Criado pela Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964, o CMN é, segundo o art. 16, VII da Lei n. 9.649/98, órgão máximo do Sistema Financeiro Nacional (SFN), integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, presidido, por disposição legal dada pela Lei n. 9.069/95, em seu art. 8º, pelo Ministro dessa pasta. Os objetivos e a competência de sua política são ditados nos arts. 2º e 3º da Lei de ‘64, em conjunto com o art. 3º, I e II, da Lei n. 6.385/76.
Tem como finalidade, a formulação de políticas de crédito, monetária e cambial, objetivando o progresso econômico e social do país, além de disciplinar as demais instituições do sistema, exercida segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República, embora alguns dos seus atos dependam da autorização ou homologação pelo Poder Legislativo. [21]
O BACEN, também criado pela Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964 é, na letra do art. 8º, uma autarquia federal, com competência, definida nos arts. 9º e 10 e em normas expedidas pelo CMN, que tem atribuição, pelo art. 14, de escolher sua diretoria e designar seu diretor. Nos termos do art. 1º do Dec. n. 91.961 de 19 de dezembro de 1985, todos os membros da diretoria serão nomeados pelo Presidente da República, sendo possível sua demissão a qualquer tempo. [22]
"Compete ao BACEN cumprir e fazer cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e as normas expedidas pelo CMN, através de resoluções, circulares e instruções. É órgão executor da política monetária, além de exercer a regulamentação e fiscalização de todas as atividades de intermediação financeira do país". (MOREIRA: 2000, p. 95-7)
Por fim, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), instituída pela Lei n. 6.385 de 07 de dezembro de 1976 é, segundo os arts. 5º e 6º, § 1º de sua lei instituidora, uma autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, cuja diretoria e presidente são nomeados pelo Chefe do Executivo, podendo ser demissíveis, a exemplo do BACEN, a qualquer tempo.
Esta instituição destina-se, pelos arts. 1º e 3º, a disciplinar e fiscalizar atividades relativas ao mercado de capitais, segundo política e regulação definidas pelo CMN, muitas delas em coordenação com o BACEN. [23]
"Suas principais atribuições, segundo o art. 8º são a de regulamentar, as matérias expressamente previstas nesta Lei e na Lei de Sociedades Por Ações, e fiscalizar as bolsas de valores e a emissão de valores mobiliários negociados nessas instituições, como ações, debêntures, partes beneficiárias, os cupões desses títulos, os bônus de subscrição e os certificados de depósito de valores mobiliários". (VASCONCELOS; GARCIA: 2000, p. 157)
A CVM, também exerce funções de regulação, fiscalização e supervisão dos mercados de títulos e contratos de investimentos coletivos. [24]
7. Características dos órgãos normativos do sistema financeiro nacional
Tanto o Conselho Monetário Nacional (CMN), quanto o Banco Central do Brasil (BACEN), ou ainda a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), são partes integrantes de um mesmo todo, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade, portanto, nada mais natural que possuam muitas características comuns, relativas ao controle hierárquico, à estabilidade no cargo de diretor, a competência regulamentar e de fiscalização. [25]
Quanto ao controle hierárquico, são diretamente subordinadas ao Presidente da República e ao Ministro da Fazenda, cumprindo determinações da administração direta de maneira imediata, acatando as diretrizes da presidência, ou mediata, com o CMN definindo políticas e regulando atividades, tanto do BACEN, quanto da CVM.
Não há mandato, nem estabilidade nos cargos diretivos, assim, a qualquer tempo e sem motivação, seus membros podem ser afastados pelo Chefe do Executivo.
Todos são dotados de competência regulamentar, diferenciando-se, apenas, o grau e o conteúdo de tais outorgas, o mesmo em relação à fiscalização, controlando as áreas de sua atribuição, podendo apurar irregularidades e impor sanções. [26]
8. Reforma regulatória e sistema financeiro nacional
A propalada pretensão governamental em reestruturar o Sistema Financeiro Nacional, atribuindo autonomia institucional a seus órgãos normativos, nos moldes das agências reguladoras implantadas para regular e fiscalizar determinados setores de infra-estrutura e serviços, apesar de discutível, seria uma atitude no mínimo coerente, tendo-se em vista a atual política de Estado adotada desde 1990.
Há quem diga que a reestruturação é, na verdade, uma política de governo e não de Estado.
Desde Fernando Collor de Melo (1990-91), passando por Itamar Franco (1992-94), até o atual presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), todos promoveram o processo de reestruturação, em maior ou menor grau, refletindo ser essa a postura do novo Estado.
Os entes do Sistema Financeiro Nacional devem atuar de forma coordenada, para enfrentar as turbulências do mercado, tendo a responsabilidade coletiva de manter a estabilidade, procurando criar, assim, um ambiente propício a investimentos estrangeiros. As bruscas mudanças de direção do mercado, que ameaçam a saúde econômica do país são inevitáveis, sendo necessário uma ação coordenada e apropriada desses órgãos em momento oportuno.
Um dos fatos mais importantes dos últimos anos, ocorridos no Brasil, foi a passagem de um ambiente de expectativas inflacionárias a um de baixa inflação, sendo importante que este progresso seja mantido.
Comparando-se as características desses entes às das agências reguladoras, percebe-se o contraste existente entre esses e aqueles. Há de comum, ainda que substancialmente diversos, o poder normativo e o fiscalizador, todavia, no que tange à autonomia, nota-se a diversidade entre eles, já que, ao contrário da independência funcional das agências, esses órgãos possuem vínculo funcional e gerencial com a administração direta.
A ausência de vínculo hierárquico formal com a administração, compreendendo mandato fixo e impossibilidade de exoneração, independência institucional, prerrogativa de emanar normas regulamentares exclusivas, e possibilidade de decidir questões controversas, acarretariam o inevitável fortalecimento institucional desses órgãos, fato que tende a contribuir para o tão desejado cenário de estabilidade.
O atual desenho institucional do SFN possui força, porém, em se tratando de um setor de essencial importância, não basta a esses órgãos serem fortes, é preciso que eles pareçam fortes, impressão que não é transmitida aos investidores, haja vista os ataques especulativos que atingem o país, fruto de uma possível mudança nos rumos políticos pós-eleição presidencial.
Nesse momento, há que se cogitar se o tormentoso cenário esperado para os próximos meses seria o mesmo se esses órgãos fossem autônomos e institucionalmente independentes em relação ao Poder Executivo coordenados por uma diretoria com mandato fixo, e estabilidade no cargo, imunes, assim, às mudanças de rumo políticas.
Ideologias à parte, o modelo de reorganização do Estado adotado no Brasil, favorece a abertura de discussões públicas, que não devem ficar limitados à política partidária, sendo este, um fator importante na concretização de um Estado Democrático de Direito.
Conclusão
Evidentemente, a reforma regulatória e o sistema financeiro nacional, apresentam outras facetas que não foi possível estudar aqui.
Ao reunir a opinião de vários autores renomados e estudiosos da matéria, tencionou-se contribuir para o desenvolvimento dos debates em torno do assunto, não havendo, em hipótese alguma, a preocupação em se esgotar a matéria, cingindo-se a buscar certa sistematização sem eliminar eventuais divergências de opiniões sobre problemas específicos.
Nesse sentido, procurou-se analisar dogmática e criticamente o instituto jurídico da agência administrativa, bem como o Sistema Financeiro Nacional, sob a luz do ordenamento jurídico brasileiro e comparado.
Para o desenvolvimento do presente trabalho, partiu-se do objetivo inicial de se enquadrar o tema dentro da reforma estrutural estatal, causa de todas as inovações no âmbito da administração pública.
Posteriormente, passou-se a tecer considerações a respeito da origem das agências administrativas dentro do direito norte-americano, modelo para o Brasil e para vários outros ordenamentos, embasados, anteriormente, numa maior presença do Estado intervindo na economia, apontando-se, ainda, para as suas principais características.
Em outro momento, traçou-se detidamente a estrutura funcional do Sistema Financeiro Nacional, dividindo-o em dois subsistemas: o da intermediação financeira, composta pelos bancos comerciais, de fomento e de investimento, e o normativo, formado pelo Conselho Monetário Nacional, Banco Central do Brasil e Comissão Valores Mobiliários, cada um com sua função e agindo de forma coordenada, todavia dependentes, intimamente, das políticas governamentais.
Em derradeiro, analisou-se a proposta governamental de transforma-los em agências reguladoras, com autonomia e independência institucional, apresentando-se as vantagens e desvantagens desse projeto, concluindo-se que, não se trata de um assunto que se esgote em desentendimentos político-partidários mais preocupados com interesses individuais do que com o fim primordial do Estado, qual seja, o bem comum.
Referências bibliográficas
ADEODATO, João Maurício. Bases para uma metodologia da pesquisa em direito. Revista do Instituto dos Advogados de Pernambuco, Recife, v. 01, n. 02, 1998, p. 13-39.
ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras independentes e o Estado democrático de direito. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 148, out/dez 2000, p. 275-299.
ATALIBA, Geraldo. Poder regulamentar do executivo. Revista de Direito Público, n. 57-58, p. 184-208.
________. Delegação normativa: limites às competências do Conselho Monetário Nacional (CMN) e Banco Central do Brasil (BACEN). Revista de Direito Público, n. 98, p. 50-69.
AZEVEDO, Eurico de Andrade. Agências reguladoras. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 213, jul/set de 1998, p. 141-148.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 11ª ed., 1999.
BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito administrativo, vol. 01. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 1979.
BARROSO, Luís Roberto. Dez anos da Constituição de 1988. Revista Trimestral de Direito Público, n. 20, p. 29-49.
BENJÓ, Isaac. A urgência do aparato regulatório no Estado brasileiro. Revista do Instituto Brasileiro das Relações de Concorrência e de Consumo: doutrina, jurisprudência e legislação, São Paulo, abril, 1997.
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma do Estado para a Cidadania. Brasília: ENAP Editora 34, 1998.
CANO, Wilson. Introdução à economia: uma abordagem crítica. São Paulo: Editora Unesp, 1998, p. 175-77.
CARBONEL PORRAS, Eloísa; MUGA MUÑOZ, José Luiz. Agencias y procedimiento administrativo en Estados Unidos de América. Madri: Marcial Pons, 1996.
CARDOSO, Fernando Henrique. Notas sobre a reforma do Estado. Revista Novos Estudos do CEBRAP, São Paulo, n. 50, 1998.
CARRAZZA, Roque Antônio. O regulamento no direito tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981.
CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra. A independência da função reguladora e os entes reguladores independentes. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 219, jan/mar de 2000, p. 253 – 270.
FARIA, Luiz Eduardo. Direito e economia na democratização brasileira. São Paulo: Malheiros, 1993.
DUPAS, Gilberto. Economia global e exclusão social. Pobreza, emprego, estado e futuro do capitalismo. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
DUTRA, Pedro. Órgãos reguladores: futuro e passado. Revista de Direito Econômico, Brasília, n. 24, jul/dez de 1996, p. 59 – 64.
________. Regulação na forma da lei. Revista do Instituto Brasileiro das Relações de Concorrência e de Consumo: doutrina, jurisprudência e legislação, 1998.
________. Regulação: o desafio de uma nova era. Revista do Instituto Brasileiro das Relações de Concorrência e de Consumo: Doutrina, jurisprudência e legislação, 1998.
_______. Regulação: segurança jurídica e investimento privado. Revista do Instituto Brasileiro das Relações de Concorrência e de Consumo: doutrina, jurisprudência e legislação, abril, 1998.
FERREIRA FILHO, Manoel. A reforma do Estado. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 205, jul/set, 1995, p. 01-10.
GASPARINI, Diógenes. Poder regulamentar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª ed., 1982.
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 1996.
HABERMAS, John. Direito e Democracia - entre facticidade e validade. Vol. 02. São Paulo: Tempo Brasileiro, 1997.
HENTZ, Luis Antonio Soares. Direito administrativo e judiciário. São Paulo: Ed. Leud, 1998.
JUSTEN FILHO, Marçal. Competência normativa do Conselho Monetário Nacional (CVM). Condições gerais dos contratos bancários e a ordem econômica. Curitiba: Juruá, 1988.
MATTOS, Mauro Gomes. Agências reguladoras e suas características. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 218, out/dez de 1999, p. 93-112.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 20ª ed.,1995.
MORAES, Reginaldo. Neoliberalismo: de onde vem, para onde vai? São Paulo: Editora Senac, 1999.
MOREIRA, Egon Bockmann. Agências administrativas, poder regulamentar e o sistema financeiro nacional. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 218, out/dez de 1999, p. 93-112.
OLIVEIRA, Fernando A. Albino de. CVM – Comissão de Valores Mobiliários e Mercado de Capitais. Revista de Direito Público, n. 89, p. 256-62.
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Agências reguladoras. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 216, abr/jun de 1999, p. 125-162.
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.
TÁCITO, Caio. Comissão de Valores Mobiliários. Poder Regulamentar. Temas de Direito Público, vol. 02, Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
VASCONCELOS, Marco Antonio S.; GARCIA, Manuel E. Fundamentos de economia. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 157.
WALD, Arnoldo. Dos princípios constitucionais e da limitação do poder regulamentar na área bancária. Revista de Direito Mercantil, n. 88, p. 05-09.
________; MORAES, Luiza Rangel. Agências Reguladoras. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 141, jan/mar, 1999, p. 143-171.