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O problema da generalização das prisões cautelares

18/09/2015 às 09:15
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Esse artigo busca demonstrar a forma banalizada como as prisões cautelares tem sido utilizadas atualmente.

Um dos maiores problemas enfrentados pelos advogados criminalistas e seus clientes, nos dias atuais, é a generalização desmedida e desenfreada das prisões cautelares, utilizadas pura e simplesmente como antecipação de uma possível futura pena, atendendo aos clamores do “populismo penal midiático”[1], como se essa fosse a solução para um efetivo combate aos crescentes índices de violência em nosso país.

Importante ressaltar que as prisões provisórias (preventivas e temporárias) dependem exclusivamente de ordem escrita e fundamentada, emanada por um juiz competente e logicamente, dentro dos ditames legais definidos[2]. De outra parte, a prisão em flagrante, qualquer do povo pode realiza-la e as autoridades tem como dever, mas somente serão homologadas após análise também de um juiz competente, que deverá relaxá-lo quando ilegal o flagrante, decretar a prisão preventiva ou conceder a liberdade provisória, de acordo os peculiaridades do caso concreto.

Como podemos depreender do nosso conjunto legal, a função primeira do magistrado é a materialização dos princípios constitucionais para a vida real, além de guardião principal dos direito e garantias fundamentais, afinal, vivemos em um Estado Democrático de Direito e o processo penal além de ser uma forma de persecução da verdade material dos fatos, é também um limitador do poder punitivo estatal, com regras definidas e direitos a serem preservados[3]. Nessa mesma linha, estamos diante da pessoa responsável pelas decisões que irão determinar o destino do réu, principalmente dos mais desvalidos, dependentes em todos os aspectos do Estado, mas infelizmente continuam credor, pois nunca recebem o que necessitam, precisam e tem direito, sendo sua condenação criminal apenas mais uma violência, por ação ou omissão, em sua triste trajetória.

Nossa Carta Magna determina de forma expressa e clara, em seu art. 5, LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, ou seja, nosso ordenamento constitucional instituiu inequivocamente o princípio da presunção de inocência em material penal, de forma que qualquer tipo de sanção imposta anteriormente a tal condicionante terá como alvo uma pessoa “formalmente inocente”, fazendo importante ressalva das possibilidades previstas na legislação infraconstitucional, mais precisamente art. 312 e seguintes do Código de Processo Penal[4], que determina as condições e razões para o encarceramento cautelar.

Nesse mesmo sentido, trazemos a colação o mandamento do inciso LXVI, do mesmo art. 5º, onde dispões que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.

Podemos notar que a liberdade provisória é a regra no Direito Pátrio, e assim tem que ser, afinal não podemos admitir que se mantenha uma pessoa no cárcere, ainda mais nas abjetas masmorras que nosso sistema penitenciário disponibiliza, sem que ocorra um processo isento e regrado para apuração da responsabilidade penal, com um juiz imparcial, provas colhidas dentro das regras estabelecidas em lei e mediante contraditório pleno, com paridade das armas em acusação e defesa, defesa técnica com liberdade para atuar dentro dos ditames legais e com suas prerrogativas profissionais respeitadas, afinal, se levarmos em conta esses “requisitos” acima elencados, nunca teríamos a decretação da prisões cautelares no Brasil.

Com o advento da Lei 12.430/2013, o legislador disponibilizou ao magistrado uma série de medidas cautelares substitutivas a prisão processual, de forma que esse tipo de restrição à liberdade tornou-se a “ultima ratio” [5], devendo sua decretação ser a última alternativa possível, somente quando as cautelares não atenderem a necessidade do caso concreto, nunca olvidando dos requisitos legais indispensáveis da prisão preventiva[6].

Em que pese a novel legislação estabelecer o rol das medidas cautelares substitutivas a prisão preventiva e a obrigatoriedade da manifestação pretoriana, em 24 horas após a prisão em flagrante, relaxando o flagrante quando ilegal, decretando a prisão preventiva, quando presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal ou a concedendo a liberdade provisória, com ou sem fiança, a principal inovação consta do § 6º do art. 282[7].

Em uma análise detalhada desse § 6º, fica clara a necessidade de o magistrado demonstrar de forma fundamentada a razão da não utilização das medidas cautelares substitutivas, além é claro, de expor os motivos que o levaram a optar pela decretação da prisão preventiva naquele caso concreto.

Ainda assim, na prática, temos visto um desvirtuamento dessa manifestação, transformando-a em um simples despacho legitimador do flagrante e repetindo o texto legal para “fundamentar” a manutenção no cárcere, passando por cima dos mandamentos constitucionais da presunção de inocência, da motivação das decisões judiciais, sem contar a jurisprudência[8] e doutrina[9] majoritárias e críticas contra as tais decisões repetidoras do texto legal e que não determinam de forma clara e objetiva, quais as razões levaram o magistrado e determinar que tal pessoa fique privada de sua liberdade de forma antecipada, obedecendo os requisitos constitucionais e legais.

Importante ressaltar que nossa Lei de Execução Penal é datada de 1984, editada conjuntamente com a alteração da Parte Geral do Código Penal. Isso quer dizer que desde sua promulgação nada ou muito pouco foi feito para possibilitar que os condenados em regime semiaberto ou os que adquiriram o direito a progressão para tal regime pudessem cumprir sua pena na exata medida em que foram condenados. Para termos uma ideia, o Estado de São Paulo não possui até hoje prisão albergue domiciliar.

Nesse cenário traçado, recentes dados atualizados pelo CNJ[10] sobre a população carcerária brasileira nos causam enorme perplexidade. Somos agora a terceira maior população carcerária, ultrapassamos a Rússia, temos no total mais de 715 mil detentos, desse montante mais de 228 mil são presos provisórios e ainda mais de 373 mil mandados de prisão a cumprir, sendo que já existe um déficit de 358 mil vagas, ou seja, temos o dobro de presos do que a capacidade do nosso Sistema Carcerário suporta e uma quantidade superior ao nosso déficit de mandados a cumprir.

O mais chocante é que toda conta desses anos de descaso e sucateamento é colocado nas costas do elo mais fraco dessa corrente, do encarcerado, que na prática recebe uma punição extremamente mais gravosa que a prevista na legislação e na sua condenação, afinal o Estado não fornece vagas para cumprir sua pena no regime determinado, o local onde cumpre sua pena não existe conforme determinado e descrito no texto legal, sofre as mais diversas violências possíveis e imagináveis, tanto físicas quanto psicológicas, fica a mercê das organizações criminosas nascidas na lacuna deixada pelo Estado, e assim estamos diante do circulo vicioso que deságua nos absurdos 75% de reincidentes registrados oficialmente.

Em toda história do mundo moderno, nunca tivemos resultados positivos no encarceramento como forma de combate ao crime e politica de segurança pública. Todos os países que diminuíram as taxas de violência foram com investimento em educação e igualdade social, de forma que após anos de políticas voltadas para esse fim maior, começaram a desativar suas prisões, pois não mais necessárias[11].

Violência e Criminalidade se combatem com igualdade social, precisamos realmente é de investimento pesado, mas direcionado para a educação, lazer e oportunidades reais aos menos favorecidos, somente dessa forma teremos algum avanço. Trago as palavras imortalizadas por Ruy Barbosa, um dos maiores Juristas do Brasil em todos os tempos, quando definiu o princípio da igualdade (ou isonomia) em "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades."


Notas

[1] http://www.conjur.com.br/2013-jan-28/luiz-flavio-gomes-estamos-sendo-enganados-populismo-penal

[2] “Toda prisão cautelar deve ser fundamentada, escorando-se em motivação suficiente a demonstrar sua indispensabilidade. Não se trata de conveniência e nem de discricionariedade, mas de necessidade, a ser aferida do ponto de vista do verdadeiro perigo da demora.” (Oliveira, Eugênio Pacelli de. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 6. ed. rev.  e atual. – São Paulo: Atlas, 2014. p. 654)

[3] “Como se o processo penal não fosse, ele sim, um instrumento de garantia do cidadão contra os abusos do Estado. O verdadeiro escudo contra os atos abusivos do Estado à liberdade de locomoção do indivíduo e o seu status dignitatis”. Rangel, Paulo. A coisa julgada no processo penal brasileiro como instrumento de garantia – São Paulo: Atlas, 2012. p. 2

[4] Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

[5] “De lembrar que a prisão preventiva é a “ultima ratio”, o que exige do magistrado avaliação singular de cada situação que lhe é trazida, porquanto a liberdade é a regra. A verificação da concessão da liberdade provisória mediante a imposição de cautelares diversas da prisão tornou-se um poder-dever.” (Silva, Marco Antonio Marques da. Código de Processo Penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 481).

[6] “No que tange às prisões processuais, a funcionalidade de “extrema ratio” dirige-se, substancialmente, ao afastamento de sua utilização como sanção material criminal antecipada, a sua destinação espúria, ou seja, com finalidades de prevenção especial ou geral, a sua decretação com base nos requisitos da cautelaridade do processo cível (“fumus boni juris” e “periculum in mora”) na verossimilhança, bem como em seu caráter de acessoriedade ao processo principal. A funcionalidade da prisão processual é assecuratória, acautelatória e não antecipatória parcial ou total do provimento final, motivo por que se desvincula do resultado final do processo. Por não haver uma vinculação da prisão processual ao resultado final, inaceitável a concepção explícita ou implícita da antecipação da tutela penal. Nessa perspectiva, inadmissível é o poder cautelar do juiz, como existe na esfera cível, o qual autoriza a decretação “ex offico” de medidas cautelares típicas ou atípicas. Admissível, contudo, com aplicação da proporcionalidade, a admissibilidade de medidas cautelares menos gravosas das previstas em lei, a determinado caso concreto, mediante postulação defensiva.” (Giacomolli, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014. p. 360)

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[7] Art. 282.  As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a.

(...)§ 6o  A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).

[8] (...) 18. Tal fundamentação, repise-se, deve ser deduzida em relação necessária com as questões de direito e de fato postas na pretensão e na sua resistência, dentro dos limites do pedido, não se confundindo, de modo algum, com a simples reprodução de expressões ou termos legais, postos em relação não raramente com fatos e juízos abstratos, inidôneos à incidência da norma invocada.

19. E em se tratando de prisão preventiva, a regra com incidência é a do artigo 312 do Código de Processo Penal, em cujo texto são elencados, além de seus pressupostos, os motivos que a autorizam (...) (AgRg na MC 12493 / SP AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAUTELAR - 2007/0027695-8 - Ministro HAMILTON CARVALHIDO (1112) - SEXTA TURMA - DJ 25/06/2007 p. 298)

HC 92751 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator:  Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 09/08/2011 - Segunda Turma. – PRECEDENTES - PRISÃO CAUTELAR - CARÁTER EXCEPCIONAL. - A privação cautelar da liberdade individual - cuja decretação resulta possível em virtude de expressa cláusula inscrita no próprio texto da Constituição da República (CF, art. 5º, LXI), não conflitando, por isso mesmo, com a presunção constitucional de inocência (CF, art. 5º, LVII) - reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser ordenada, por tal razão, em situações de absoluta e real necessidade. A prisão processual, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e indício suficiente de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu. Doutrina.

PRECEDENTES – A PRISÃO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU. - A prisão cautelar não pode - nem deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão cautelar - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.

PRECEDENTES – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE DECRETAR-SE A PRISÃO PREVENTIVA DOS PACIENTES. - Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão cautelar.

PRECEDENTES – A PRISÃO CAUTELAR NÃO PODE APOIAR-SE EM JUÍZOS MERAMENTE CONJECTURAIS. - A mera suposição, fundada em simples conjecturas, não pode autorizar a decretação da prisão cautelar de qualquer pessoa. - A decisão que ordena a privação cautelar da liberdade não se legitima quando desacompanhada de fatos concretos que lhe justifiquem a necessidade, não podendo apoiar-se, por isso mesmo, na avaliação puramente subjetiva do magistrado de que a pessoa investigada ou processada, se em liberdade, poderá delinqüir, ou interferir na instrução probatória, ou evadir-se do distrito da culpa, ou, então, prevalecer-se de sua particular condição social, funcional ou econômico-financeira para obstruir, indevidamente, a regular tramitação do processo penal de conhecimento. - Presunções arbitrárias, construídas a partir de juízos meramente conjecturais, porque formuladas à margem do sistema jurídico, não podem prevalecer sobre o princípio da liberdade, cuja precedência constitucional lhe confere posição eminente no domínio do processo penal. 

[9] Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 627. Greco Filho, Vicente. Manual de processo penal. São Paulo : Saraiva, 2010. p. 263. Lopes Junior, Aury. Direito processual penal. São Paulo : Saraiva, 2013. p. 839. Prado, Geraldo. Excepcionalidade da Prisão Provisória – Comentários aos artigos 311-318 do CPP, na redação da Lei 12.430/2011. (In)Medidas cautelares no processo penal: prisões e suas alternativas: Comentários à Lei 12.403/2011: Coordenação Og Fernandes. p. 113.

[10] http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/pessoas_presas_no_brasil_final.pdf

[11]http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2013/11/19/suecia-e-holanda-fecham-prisoes-brasil-fecha-escolas e-abre-presidios/

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Sobre o autor
Vitor Raatz Bottura

Advogado Criminalista;<br><br>Graduado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo;<br><br>Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela PUC-SP;<br><br>Membro da Associação dos Advogados de São Paulo - AASP;<br><br>Membro do Instituto Brasileiro de Ciência Criminais – IBCCRIM.<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOTTURA, Vitor Raatz. O problema da generalização das prisões cautelares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4461, 18 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33572. Acesso em: 22 nov. 2024.

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