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Fundamentos jurídicos:

uma abordagem sobre as principais correntes jurídicas e suas influências na formação e interpretação do Direito

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08/12/2015 às 10:03
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5 HISTORICISMO JURÍDICO

A escola histórica do direito foi desenvolvida pelos jusfilósofos alemães Gustav Hugo, Friedrich Carl Savigny (seu maior corifeu) e Georg Friedrich Puchta.[40]Os três defenderam, em seus estudos, a investigação do Direito sob o prisma histórico, utilizando-se na interpretação e aplicação do mesmo o método histórico.

Na concepção historicista, o Direito não emana do Estado, ou seja, não é representado pela lei ou jurisprudência, mas advém do povo, que o concebe espontaneamente, na forma de costume. Aqui, o costume é visto como a manifestação genuína do povo, para qual o direito é direcionado. Nesse viés, o Direito reduz-se ao direito consuetudinário.

O principal corifeu da escola historicista, Savigny, apregoava uma oposição a qualquer forma de codificação do direito, pois o direito é manifestação natural do espírito popular. Desse modo, o legislador não cria o direito, mas só traduz sob a forma de lei escrita um direito já latente na história do povo. O direito, pois, é fruto da consciência popular de um determinado espaço e tempo, na forma de costume, que é manifestação popular por excelência.[41]

Os historicistas chegam a comparar o direito à linguagem, pois ambos os fenômenos culturais são frutos da evolução histórica do povo. Do mesmo modo que a procedência da linguagem é o povo, cabendo ao gramático ou linguista apenas sistematizar o conhecimento já existente, com o direito também é assim, porquanto cabe ao legislador somente sistematizar os costumes já existentes no espírito do povo. Por isso se diz que, “como a língua nasce sem a intervenção do gramático, o Direito nasce sem a intervenção do legislador ou do jurisconsulto”.[42]Assim, “se o direito é semelhante ao idioma, não tem nenhum sentido sua codificação, é imprescindível a evolução histórica para o verdadeiro conhecimento do direito”.[43]

Nessa visão, o historicismo vai contra ao jusnaturalismo e ao juspositivismo. Opõe-se ao jusnaturalismo que exclui o direito da história, assim como se opõe ao juspositivismo por pugnar pela codificação do direito, petrificando-o, e não acompanhando a evolução e o progresso popular na história. Para o historicista, o direito não pode ser imutável como pensam os jusnaturalistas, tampouco codificado e positivado como defendem os juspositivistas, já que à medida que o povo evolui, suas necessidades também mudam, sendo que um direito conservador ou petrificado não é capaz de acompanhar essa constante mudança popular. Portanto, um direito flexível, sob a forma de costume formado pelo povo, é o único direito capaz de andar em pé de igualdade com as transformações histórico-espaciais ocorrentes no seio social.[44]

Concluindo, para o historicismo, a interpretação do direito deve partir das tradições populares e da história do povo, pois o fundamento do direito é o costume, reduzindo-se o Direito ao direito consuetudinário.


6 TRIDIMENSIONALIDADE DO DIREITO

Até agora, as teorias apresentadas partiam do reducionismo para explicar o direito, porquanto vislumbravam o direito dentro de uma perspectiva parcial. Como forma de suprimir esta falha das diversas correntes ora apresentadas, o jusfilósofo Miguel Reale elabora a Teoria Tridimensional do Direito, concebendo o direito de uma forma integral, sob três aspectos, a saber, fato/valor/norma.

Nesse sentido, o direito é visto como “a integração normativa de fatos e valores”.[45]Isso quer dizer que o Direito sempre incide sobre um fato, que em dado momento ganha alta valoração, devendo ser normatizado por uma necessidade social. Assim, tanto o aspecto histórico-sociológico (fato), o aspecto axiológico (valor, sobretudo o valor Justiça) e o aspecto formal (norma) formam a totalidade do Direito, onde fato e valor se interrelacionam dialeticamente, cuja integração sintética é a norma.

Reale assume, então:

Um tridimensionalismo concreto, dinâmico e dialético, pois fato, valor e norma, como elementos integrantes do direito, estão em permanente atração polar, já que o fato tende a realizar o valor, mediante norma. Os três pólos entram em conexão mediante uma peculiar dialética cultural, denominda, por Miguel Reale, dialética da implicação e da polarização. Deveras essa dialeticidade conduz à polaridade, visto que dá igual importância ao fato, ao valor e à norma na implicação das três dimensões.[46]

Nesse sentido, a Ciência Jurídica, para Reale, é uma ciência que tem como objeto de estudo a realidade histórico-cultural, assim como a realidade formal-normativa, haja vista que o direito tem três dimensões: a dimensão sociológica (fato), a dimensão moral (valor) e a dimensão abstrata (norma). Isso é tão patente em Reale que ele chega a definir a filosofia do direito como sendo “o estudo crítico-sistemático dos pressupostos lógicos, axiológicos e históricos da experiência jurídica”.[47]

Para Reale, o Direito é fruto da experiência humana e se situa na cultura. Em sua concepção o Direito é uma realidade fático-axiológico-normativa direcionada à realização ordenada do bem comum.[48]

Em conclusão, define, então, Reale o que é o Direito:

Direito é a realização ordenada e garantida do bem comum numa estrutura tridimensional bilateral atributiva, ou, de uma forma analítica: Direito é a ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos e valores.[49]                                  

Por último, cabe destacar que a teoria tridimensional do direito se opõe ao radicalismo do juspositivismo (incluindo normativismo, sociologismo, e exegetismo), do jusnaturalismo e do historicismo. Não concorda com o juspositivismo por reduzir o direito à norma, e no caso do sociologismo por reduzir o direito a mero fato social. Diverge do jusnaturalismo, porque esta corrente só considera o aspecto axiológico do direito. Do mesmo modo, contraria o historicismo por esta corrente considerar o fenômeno histórico determinante na formação do direito. Para Reale, o Direito está na História, mas não somente nela, pois não se pode ignorar o fator moral da concepção de Direito.


7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Expôs-se neste trabalho a influência das principais correntes jurídicas na interpretação e concepção do Direito. Essas correntes, cada uma com seu fundamento ou pressuposto, entenderam o Direito de uma maneira, sob um prisma próprio.

O jusnaturalismo teológico enxerga o Direito como sendo um conjunto de normas imutáveis provenientes da vontade divina. Por outro lado o jusracionalismo concebe o Direito como o conjunto de normas que nascem com a Razão. Em ambas as concepções, o Direito é interpretado a partir de princípios naturais, que nascem com o homem.

Já na corrente juspositivista, o Direito é um conjunto de normas emanadas do Estado por um poder competente, sobretudo o Legislativo, na forma escrita. Resultante dessa concepção são a escola exegética, o normativismo e o sociologismo. A primeira corrente defendendo a máxima eficácia dos códigos e da vontade do legislador, concluindo-se que a interpretação do Direito se reduz à mera interpretação gramatical do texto legislativo. A segunda, tendo como precursor Hans Kelsen reduz o Direito à norma, devendo o hermeneuta partir da norma jurídica positivada no ato de interpretação. A terceira, não adstrita à lei ou norma como as outras duas, entende o Direito como fenômeno social positivo, arraigado na realidade social. Todavia, o sociologismo é a corrente positivista que mais se aproxima do historicismo, pois não concebe o Direito como aquele advindo do Estado, mas da sociedade.

Por outro lado, a escola histórica, cujo grande representante foi Savigny,critica o juspositivismo e o jusnaturalismo, porque os historicistas interpretam o direito a partir do direito costumeiro, que, para eles, é a manifestação jurídica genuína, pois emana do povo; diferente é o pensamento do juspositivista e do jusnaturalista, porquanto este interpreta o Direito a partir de princípios naturais e imutáveis, e aquele interpreta o Direito a partir da norma estatal ou empírica.

Por último, à maneira de contraposição aos extremismos das correntes supracitadas, surge, com Miguel Reale, a Teoria Tridimensional do Direito, que visa conceber o fenômeno jurídico em sua totalidade, na forma tridimensional de fato, valor e normas, todos interrelacionados dinamicamente.

Assim, espera-se que, apresentando em linhas gerais as principais correntes jurídicas, tenha ficado claro quais são os fundamentos usados na interpretação do Direito no decorrer da história, bem como no tempo atual.


REFERÊNCIAS

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FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. A ciência do direito. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1980.

GAMA, Ricardo Rodrigues. Curso de introdução ao direito. Curitiba: Juruá, 2005.

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KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1985.

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2000.

NUNES, Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

PERILLO, Emmanoel Augusto. Curso de introdução ao direito. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975.

REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18ª ed. São Paulo: Saraiva,1998.

REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986.

REALE, Miguel.Horizontes do direito e da história. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

TELLA, Maria José Falcón Y. Conceito e fundamento da validade do direito. Tradução de Stefani Borba de Rose Triunfo. 2 ª ed. Terra de Areia – RS: Triângulo, 2000.

BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao direito: lições de propedêutica jurídica tridimensional. 9ª ed. São Paulo: Letras & Letras, 2004.


Notas

[3] GAMA, Ricardo Rodrigues. Curso de introdução ao direito. Curitiba: Juruá, 2005. p. 335.

[4] GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 373.

[5] GAMA, op. cit., p. 335-336.

[6]GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 374.

[7]NUNES, Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 39.

[8]DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução ao estudo do direito. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 37.

[9]GAMA, Ricardo Rodrigues. Curso de introdução ao direito. Curitiba: Juruá, 2005. p. 341.

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[10]GAMA, Ricardo Rodrigues. Curso de introdução ao direito. Curitiba: Juruá, 2005. p. 341.

[11]NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 362.

[12]NUNES, Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 39.

[13]GAMA,op. cit., p. 342.

[14]NADER, loc. cit., p. 362.

[15]MONREAL, apud, NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 362-363.

[16]NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 370.

[17]GAMA, Ricardo Rodrigues. Curso de introdução ao direito. Curitiba: Juruá, 2005. p. 346.

[18]PERILLO, Emmanoel, Augusto. Curso de introdução ao direito. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975. p. 81.

[19]NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 371.

[20]NADER, op.cit., p. 372.

[21]NUNES, Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 40.

[22]REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18ª ed. São Paulo: Saraiva,1998. p. 416.

[23]NUNES, op. cit., p. 41.

[24]DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução ao estudo do direito. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 50.

[25]REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18ª ed. São Paulo: Saraiva,1998. p. 415.

[26]NUNES, Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 42.

[27]NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 373.

[28]GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 402.

[29]KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1985.p. 1.

[30]GAMA, Ricardo Rodrigues. Curso de introdução ao direito. Curitiba: Juruá, 2005. p. 347.

[31]NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 373

[32]GUSMÃO, Paulo Dourado.Filosofia do direito. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 166.

[33]NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 375.

[34]REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18ª ed. São Paulo: Saraiva,1998. p. 434.

[35]DURKHEIM, Émile. O suicídio. Tradução: Monica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 5.

[36]GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 397.

[37]DUGUIT apud GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 400.

[38]REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18ª ed. São Paulo: Saraiva,1998. p. 434.

[39]GAMA, Ricardo Rodrigues. Curso de introdução ao direito. Curitiba: Juruá, 2005. p. 345.

[40]DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução ao estudo do direito. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 97.

[41]DINIZ, op. cit., p. 98.

[42]NUNES, Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 44.

[43]DINIZ, op. cit., p. 99.

[44]GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 384.

[45]DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução ao estudo do direito. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 141.

[46]DINIZ, op. cit., p. 142.

[47]REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18ª ed. São Paulo: Saraiva,1998. p. 290.

[48]NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 379.

[49]REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 67.

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Sobre o autor
Luan Lincoln Almeida Paulino

Acadêmico de Direito pela Faculdade do Norte Novo de Apucarana - FACNOPAR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULINO, Luan Lincoln Almeida. Fundamentos jurídicos:: uma abordagem sobre as principais correntes jurídicas e suas influências na formação e interpretação do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4542, 8 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33633. Acesso em: 28 mar. 2024.

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