5 HISTORICISMO JURÍDICO
A escola histórica do direito foi desenvolvida pelos jusfilósofos alemães Gustav Hugo, Friedrich Carl Savigny (seu maior corifeu) e Georg Friedrich Puchta.[40]Os três defenderam, em seus estudos, a investigação do Direito sob o prisma histórico, utilizando-se na interpretação e aplicação do mesmo o método histórico.
Na concepção historicista, o Direito não emana do Estado, ou seja, não é representado pela lei ou jurisprudência, mas advém do povo, que o concebe espontaneamente, na forma de costume. Aqui, o costume é visto como a manifestação genuína do povo, para qual o direito é direcionado. Nesse viés, o Direito reduz-se ao direito consuetudinário.
O principal corifeu da escola historicista, Savigny, apregoava uma oposição a qualquer forma de codificação do direito, pois o direito é manifestação natural do espírito popular. Desse modo, o legislador não cria o direito, mas só traduz sob a forma de lei escrita um direito já latente na história do povo. O direito, pois, é fruto da consciência popular de um determinado espaço e tempo, na forma de costume, que é manifestação popular por excelência.[41]
Os historicistas chegam a comparar o direito à linguagem, pois ambos os fenômenos culturais são frutos da evolução histórica do povo. Do mesmo modo que a procedência da linguagem é o povo, cabendo ao gramático ou linguista apenas sistematizar o conhecimento já existente, com o direito também é assim, porquanto cabe ao legislador somente sistematizar os costumes já existentes no espírito do povo. Por isso se diz que, “como a língua nasce sem a intervenção do gramático, o Direito nasce sem a intervenção do legislador ou do jurisconsulto”.[42]Assim, “se o direito é semelhante ao idioma, não tem nenhum sentido sua codificação, é imprescindível a evolução histórica para o verdadeiro conhecimento do direito”.[43]
Nessa visão, o historicismo vai contra ao jusnaturalismo e ao juspositivismo. Opõe-se ao jusnaturalismo que exclui o direito da história, assim como se opõe ao juspositivismo por pugnar pela codificação do direito, petrificando-o, e não acompanhando a evolução e o progresso popular na história. Para o historicista, o direito não pode ser imutável como pensam os jusnaturalistas, tampouco codificado e positivado como defendem os juspositivistas, já que à medida que o povo evolui, suas necessidades também mudam, sendo que um direito conservador ou petrificado não é capaz de acompanhar essa constante mudança popular. Portanto, um direito flexível, sob a forma de costume formado pelo povo, é o único direito capaz de andar em pé de igualdade com as transformações histórico-espaciais ocorrentes no seio social.[44]
Concluindo, para o historicismo, a interpretação do direito deve partir das tradições populares e da história do povo, pois o fundamento do direito é o costume, reduzindo-se o Direito ao direito consuetudinário.
6 TRIDIMENSIONALIDADE DO DIREITO
Até agora, as teorias apresentadas partiam do reducionismo para explicar o direito, porquanto vislumbravam o direito dentro de uma perspectiva parcial. Como forma de suprimir esta falha das diversas correntes ora apresentadas, o jusfilósofo Miguel Reale elabora a Teoria Tridimensional do Direito, concebendo o direito de uma forma integral, sob três aspectos, a saber, fato/valor/norma.
Nesse sentido, o direito é visto como “a integração normativa de fatos e valores”.[45]Isso quer dizer que o Direito sempre incide sobre um fato, que em dado momento ganha alta valoração, devendo ser normatizado por uma necessidade social. Assim, tanto o aspecto histórico-sociológico (fato), o aspecto axiológico (valor, sobretudo o valor Justiça) e o aspecto formal (norma) formam a totalidade do Direito, onde fato e valor se interrelacionam dialeticamente, cuja integração sintética é a norma.
Reale assume, então:
Um tridimensionalismo concreto, dinâmico e dialético, pois fato, valor e norma, como elementos integrantes do direito, estão em permanente atração polar, já que o fato tende a realizar o valor, mediante norma. Os três pólos entram em conexão mediante uma peculiar dialética cultural, denominda, por Miguel Reale, dialética da implicação e da polarização. Deveras essa dialeticidade conduz à polaridade, visto que dá igual importância ao fato, ao valor e à norma na implicação das três dimensões.[46]
Nesse sentido, a Ciência Jurídica, para Reale, é uma ciência que tem como objeto de estudo a realidade histórico-cultural, assim como a realidade formal-normativa, haja vista que o direito tem três dimensões: a dimensão sociológica (fato), a dimensão moral (valor) e a dimensão abstrata (norma). Isso é tão patente em Reale que ele chega a definir a filosofia do direito como sendo “o estudo crítico-sistemático dos pressupostos lógicos, axiológicos e históricos da experiência jurídica”.[47]
Para Reale, o Direito é fruto da experiência humana e se situa na cultura. Em sua concepção o Direito é uma realidade fático-axiológico-normativa direcionada à realização ordenada do bem comum.[48]
Em conclusão, define, então, Reale o que é o Direito:
Direito é a realização ordenada e garantida do bem comum numa estrutura tridimensional bilateral atributiva, ou, de uma forma analítica: Direito é a ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos e valores.[49]
Por último, cabe destacar que a teoria tridimensional do direito se opõe ao radicalismo do juspositivismo (incluindo normativismo, sociologismo, e exegetismo), do jusnaturalismo e do historicismo. Não concorda com o juspositivismo por reduzir o direito à norma, e no caso do sociologismo por reduzir o direito a mero fato social. Diverge do jusnaturalismo, porque esta corrente só considera o aspecto axiológico do direito. Do mesmo modo, contraria o historicismo por esta corrente considerar o fenômeno histórico determinante na formação do direito. Para Reale, o Direito está na História, mas não somente nela, pois não se pode ignorar o fator moral da concepção de Direito.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Expôs-se neste trabalho a influência das principais correntes jurídicas na interpretação e concepção do Direito. Essas correntes, cada uma com seu fundamento ou pressuposto, entenderam o Direito de uma maneira, sob um prisma próprio.
O jusnaturalismo teológico enxerga o Direito como sendo um conjunto de normas imutáveis provenientes da vontade divina. Por outro lado o jusracionalismo concebe o Direito como o conjunto de normas que nascem com a Razão. Em ambas as concepções, o Direito é interpretado a partir de princípios naturais, que nascem com o homem.
Já na corrente juspositivista, o Direito é um conjunto de normas emanadas do Estado por um poder competente, sobretudo o Legislativo, na forma escrita. Resultante dessa concepção são a escola exegética, o normativismo e o sociologismo. A primeira corrente defendendo a máxima eficácia dos códigos e da vontade do legislador, concluindo-se que a interpretação do Direito se reduz à mera interpretação gramatical do texto legislativo. A segunda, tendo como precursor Hans Kelsen reduz o Direito à norma, devendo o hermeneuta partir da norma jurídica positivada no ato de interpretação. A terceira, não adstrita à lei ou norma como as outras duas, entende o Direito como fenômeno social positivo, arraigado na realidade social. Todavia, o sociologismo é a corrente positivista que mais se aproxima do historicismo, pois não concebe o Direito como aquele advindo do Estado, mas da sociedade.
Por outro lado, a escola histórica, cujo grande representante foi Savigny,critica o juspositivismo e o jusnaturalismo, porque os historicistas interpretam o direito a partir do direito costumeiro, que, para eles, é a manifestação jurídica genuína, pois emana do povo; diferente é o pensamento do juspositivista e do jusnaturalista, porquanto este interpreta o Direito a partir de princípios naturais e imutáveis, e aquele interpreta o Direito a partir da norma estatal ou empírica.
Por último, à maneira de contraposição aos extremismos das correntes supracitadas, surge, com Miguel Reale, a Teoria Tridimensional do Direito, que visa conceber o fenômeno jurídico em sua totalidade, na forma tridimensional de fato, valor e normas, todos interrelacionados dinamicamente.
Assim, espera-se que, apresentando em linhas gerais as principais correntes jurídicas, tenha ficado claro quais são os fundamentos usados na interpretação do Direito no decorrer da história, bem como no tempo atual.
REFERÊNCIAS
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BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao direito: lições de propedêutica jurídica tridimensional. 9ª ed. São Paulo: Letras & Letras, 2004.
Notas
[3] GAMA, Ricardo Rodrigues. Curso de introdução ao direito. Curitiba: Juruá, 2005. p. 335.
[4] GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 373.
[5] GAMA, op. cit., p. 335-336.
[6]GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 374.
[7]NUNES, Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 39.
[8]DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução ao estudo do direito. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 37.
[9]GAMA, Ricardo Rodrigues. Curso de introdução ao direito. Curitiba: Juruá, 2005. p. 341.
[10]GAMA, Ricardo Rodrigues. Curso de introdução ao direito. Curitiba: Juruá, 2005. p. 341.
[11]NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 362.
[12]NUNES, Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 39.
[13]GAMA,op. cit., p. 342.
[14]NADER, loc. cit., p. 362.
[15]MONREAL, apud, NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 362-363.
[16]NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 370.
[17]GAMA, Ricardo Rodrigues. Curso de introdução ao direito. Curitiba: Juruá, 2005. p. 346.
[18]PERILLO, Emmanoel, Augusto. Curso de introdução ao direito. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975. p. 81.
[19]NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 371.
[20]NADER, op.cit., p. 372.
[21]NUNES, Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 40.
[22]REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18ª ed. São Paulo: Saraiva,1998. p. 416.
[23]NUNES, op. cit., p. 41.
[24]DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução ao estudo do direito. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 50.
[25]REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18ª ed. São Paulo: Saraiva,1998. p. 415.
[26]NUNES, Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 42.
[27]NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 373.
[28]GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 402.
[29]KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1985.p. 1.
[30]GAMA, Ricardo Rodrigues. Curso de introdução ao direito. Curitiba: Juruá, 2005. p. 347.
[31]NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 373
[32]GUSMÃO, Paulo Dourado.Filosofia do direito. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 166.
[33]NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 375.
[34]REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18ª ed. São Paulo: Saraiva,1998. p. 434.
[35]DURKHEIM, Émile. O suicídio. Tradução: Monica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 5.
[36]GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 397.
[37]DUGUIT apud GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 400.
[38]REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18ª ed. São Paulo: Saraiva,1998. p. 434.
[39]GAMA, Ricardo Rodrigues. Curso de introdução ao direito. Curitiba: Juruá, 2005. p. 345.
[40]DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução ao estudo do direito. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 97.
[41]DINIZ, op. cit., p. 98.
[42]NUNES, Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 44.
[43]DINIZ, op. cit., p. 99.
[44]GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 384.
[45]DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução ao estudo do direito. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 141.
[46]DINIZ, op. cit., p. 142.
[47]REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18ª ed. São Paulo: Saraiva,1998. p. 290.
[48]NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 379.
[49]REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 67.