A evolução da participação no Estado Moderno

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18/11/2014 às 14:43
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PARTICIPAÇÃO NO DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO

1.  Titularidade do Poder na Atual Constituição. 

  Tal é a importância da participação no Estado Democrático de Direito, que inúmeros países fizeram constar esta posição em suas Constituições, entre eles o Brasil, em nossa lei maior promulgada em 1988. Chega-se a esta conclusão pela simples observância do artigo 1º de nossa Constituição, que expressamente tabula como fundamentos de nosso Estado a cidadania, que em conjunto com a livre iniciativa e o pluralismo político, aponta elevado grau de possibilidade de participação da comunidade  nos destinos da nação, senão vejamos: 

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em “Estado Democrático de Direito” e tem como fundamentos:

I   a soberania;

II   a cidadania;

III   a dignidade da pessoa humana;

IV   os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V   o pluralismo político

O preâmbulo de nossa Constituição é também claro, ao se referir que estamos em um “Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida na ordem interna e internacional, com a solução pacífica de controvérsias(...)”

Esta enorme preocupação com tais princípios faz com que o Estado não mais esteja apenas compromissado com a lei, mas com todos esses fundamentos basilares consagrados. Qualquer lei ou norma que eventualmente diga contra qualquer um destes valores, por exemplo, será automaticamente inconstitucional. 

E a participação não é favor do governante escolhido, sendo espancada qualquer dúvida pelo parágrafo primeiro do artigo que inaugura a Constituição, atribuindo que todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido, por representantes ou diretamente.                 

Assim, o atual Estado brasileiro não se trata de uma plutocracia, posto que o poder político não esta obrigatoriamente situado no poder da riqueza, ou preponderantemente na classe dos mais abastados, não sendo deste único grupo que o poder emana.

Também não é o Estado brasileiro uma teocracia, visto que a classe sacerdotal brasileira não administra o poder, aliás não sendo despiciendo lembrar que pela nova constituição, a religião católica não é mais a religião oficial do pais, como ainda ditam alguns, pois cuidou nossa magna lei de assegurar a inviolabilidade da liberdade de consciência e crença, sendo assegurado o libre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias .  

Por final, não existe entre nós a prática da aristocracia, sistema político em que o governo é exercido por pessoas da nobreza ou classe social superior . 

É sem sombra de dúvida o Brasil um Estado Democrático de Direito, como assentado no artigo inaugural da Constituição. 

2.    Direito de expressão e formação da opinião pública

Importante notar que nesta linha, a comunicação, para a participação democrática, deve ser utilizada como ferramenta fundamental para o trabalho e a articulação entre entidades do movimento social e a sociedade. É com esta perspectiva que o direito à informação ganha, no Estado Democrático, maior vulto, pois sem esta base, não poderá haver formatação da opinião pública, instrumental primeiro para a participação.  

Nossa constituição não descurou do direito de informação e liberdade de expressão, quando em seu artigo 5º, IX, disciplinou que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

Na mesma senda, o texto constitucional, em seu artigo 220, dispõe que “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veiculo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição."; e arremata com seus parágrafos que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço para a plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no Art. 5º IV, V, X, XII e XIV", e  que “ é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. 

Assim, a liberdade de expressão, em todas as suas formas e manifestações, deve ser reconhecida como essencial para a efetivação de uma sociedade democrática e participativa, sendo um direito fundamental e intransferível, inerente a todas as pessoas. 

Não há como não reconhecer que a todos os membros da comunidade seja lícito buscar, receber e difundir informações e opiniões livremente, sob pena de vulneração do princípio de que toda pessoa tem direito a oportunidades iguais, sem qualquer tipo de discriminação por raça, cor, religião, sexo, opiniões políticas, origem social, posição econômica  etc. 

Dentro ainda desta matiz do direito à informação, não se pode olvidar que toda pessoa tem direito a ter acesso, de forma rápida e atualizada, às informações a seu respeito, contidas em bancos de dados, registros públicos ou privados, e de atualizá-las ou modificá-las caso seja necessário, nos moldes do garantido pelo direito de Habeas Data reconhecido em nossa constituição no pétreo artigo 5º, LXXII ,  

O acesso às informações em poder do Estado é um direito fundamental dos indivíduos. Os Estados são obrigados a garantir o exercício desse direito e eventuais limitações devem ser estabelecidas previamente por leis. 

Entre nós, nossa constituição cuidou de, além de prever o instituto do Habeas Data, de garantir sua efetividade pela via do estatuído no artigo 5º, LXXVII, in verbis: 

“São gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos  necessários ao exercício da cidadania.”  

 3. Direito de Associação 

Como corolário da participação, também nossa constituição cuidou de garantir o livre direito de ir e vir , outorgando expressamente à comunidade o direito de reunião em locais públicos .

Porém acreditamos que somente estes direitos não seriam suficientes para a garantia da participação, se não houvesse o constituinte garantido a plena liberdade de associação e a criação de cooperativas e associações independentemente de autorização, nos temos do já citado artigo 5º, XVII e XVIII da C.F., in literris: 

“ XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar.

XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento” 

Sem possibilidade de associação, os benefícios disponíveis para um indivíduo, através de qualquer instituição social não poderiam ser realizados. O homem tem o direito de não ser excluído de participar dessas instituições, pugnando pelo aperfeiçoamento e satisfação das necessidades da pessoa humana. 

Este princípio se aplica de um modo especial às condições associadas ao trabalho. Importante o ensinamento de Siqueira Neto , quando discorre sobre a liberdade sindical, onde preleciona que “ conforme sensível constatação, a liberdade sindical se concilia com a tradição dos direitos fundamentais dos homens. A liberdade sindical, é, na verdade, um dos direitos fundamentais do homem, integrante dos direitos sociais, componente essencial das sociedades democrático-pluralista.”

Entendemos que é no Trabalho que o homem encontra o modo de viver e é uma forma de participação contínua no aprimoramento da sociedade. Se a dignidade do trabalho é protegida e os direitos básicos dos trabalhadores são respeitados e fiscalizados através de uma pronta participação da comunidade, mais próximos estaremos da efetividade do bem comum. 

4. Direito de Greve

Neste ponto também devemos colacionar que nosso legislador constituinte garantiu um grande poder de pressão para o trabalhador, adquirindo vulto as associações de classe e sindicatos, no tocando ao direito de greve. 

A Constituição Federal, em seu artigo 9º assegura o direito de greve a todo trabalhador , competindo-lhe a oportunidade de exercê-lo sobre os interesses que devam por meio dele defender. 

Considera-se legítimo o exercício de greve, com a suspensão coletiva temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação de serviços, quando o empregador, ou a entidade patronal correspondente, tiverem sido anteriormente avisadas, com lapso temporal de setenta e duas horas nas atividades essenciais e quarenta e oito horas para as demais, sendo assegurado ao grevistas: 

 - o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem a greve;

- a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.

Outrossim, apesar de parecer irrestrito o direito de greve, este sofre alguns óbices, sendo que os meios adotados por empregados e empregadores, em nenhuma hipótese, poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais, não podendo a manifestação e atos de persuasão utilizados pelos grevistas impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa. 

Fica também vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout). É assegurado, neste caso, aos trabalhadores o direito à percepção dos salários durante o período de paralisação. 

Não há dúvida pois que o Direito de Greve é uma ferramenta de grande impacto social, muito utilizada pelas entidades de classe e sindicatos.

Sua evolução está atrelada com a Revolução Industrial surgida do liberalismo econômico. Historicamente, a paralisação de atividades ou serviços é um dos recursos mais eficazes, à disposição dos trabalhadores ou do povo em geral, como meio de pressão para se obter determinada reivindicação.

Sendo assim, ela se desencadeia e se desenvolve sob a égide do poder de representação quase sempre através dos sindicatos, pois é um instrumento dos trabalhadores coletivamente organizados para a realização de melhores condições de trabalho.

A força da greve é inegável. No Brasil, em menos de cem anos a greve que era considerada crime, converteu-se em direito esculpido na Lei Fundamental.

Os regimes totalitários proíbem as greves, pois não admitem este tipo de participação oposicionista. Todo o direito provém do Estado. Os opositores são considerados traidores.  Já as democracias liberais consideram a greve um direito e inclusive a constitucionalizaram. 

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Entre nós, no século passado, em 1858, os tipógrafos do Rio de Janeiro entraram em greve, por motivo de melhoria salarial. A partir daí, surgiram outras greves como: a dos ferroviários da Central do Brasil em 1891 e a greve dos Colonifícios Crespi de São Paulo que abrange várias cidades do interior do Estado, envolvendo cerca de 75.000 operários. 

Na época as greves representavam uma ameaça aos governos totalitários que insistiam em exercer seu poder através de sanções. Porém, a partir de 1900, quando o sistema político caracterizou-se pela idéia liberal que defendia a confiança no indivíduo e não no Estado, a greve exerceu-se com uma liberdade dos trabalhadores, sem leis que a restringissem ou a disciplinassem.

Em 1937, com a implantação do Estado Novo, a greve voltou a ser encarada como um delito e considerada como um recurso anti-social e prejudicial à economia.

Na década de 80, os movimentos sindicalistas recrudesceram, com a chamada abertura política e recomeçaram as paralisações com destaque para o chamado centro industrial paulista. Os metalúrgicos paralisaram o trabalho durante 30 dias. Seguiram-se muitos conflitos de caráter violento, manifestações de rua e confrontos com tropas policiais. Esse período foi um marco para as conquistas trabalhistas. A forte influência sindical dos anos 80, culminou inclusive, na criação de um partido político que mais tarde se tornaria um dos mais importantes partidos, o atual  partido dos trabalhadores (PT).

Sob o ponto de vista Constitucional, nossas Cartas Políticas de 1824, 1891 e 1934 se omitiram acerca do direito de greve; a Constituição de 1937, porém declarou a greve e o “locaute” como recursos anti-sociais.

A Constituição de 1946 reconheceu como direito dos trabalhadores, mas com amplas restrições aos chamados serviços essenciais e industriais básicos.

As Constituições de 1967 e 1969 reproduziram tais restrições, especificadas na legislação ordinária.

A atual Constituição assegurou amplo exercício do direito de greve, estabelecendo que a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, sendo que os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei, como já sobredito. 

Tem-se assim, por final, que a greve não é um simples direito fundamental dos trabalhadores, mas um direito fundamental de natureza instrumental e desse modo se insere no conceito de garantia constitucional. A greve é um recurso legítimo a que se pode recorrer, sempre que houver impasse nas negociações coletivas. Porém, mesmo que legal, não poderá ser indefinida, mas temporária, posto que não é um fim em si mesma, mas uma forma de pressão.

5. Justicialização do Processo Político e Ação Popular

Compreendida como um instrumento posto a serviço de cada membro da coletividade no sentido do controle e da revisão da legitimidade dos atos administrativos, a ação popular foi introduzida em nosso ordenamento jurídico através do inciso 38 do art. 113 da Constituição Federal de 1934, o qual assim dispunha,verbis:

"Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou a anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios".

Consagrou-se o instituto dentre os direitos públicos subjetivos do indivíduo, dando eficaz instrumento para a participação popular no rumo do Estado, podendo o cidadão,  com este instrumental jurídico, além do poder de escolher seus governantes, fiscalizar-lhes os atos.

Com o advento do regime do Estado Novo, terminou a ação popular suprimida da Carta de 1937, sendo posteriormente introduzida na Carta de 1946 (Art. 141, §38) - passando também a abranger a administração indireta (autarquia e sociedade de economia mista ) - e mantida na Constituição Federal de 1967 (art. 150, §31), a qual empobreceu o seu espectro subjetivo, no uso da rubrica "entidades públicas".

A Lei nº 4.717, de 20 de junho de 1965, veio regular o procedimento da ação, e finalmente a Constituição de 1988 emprestou maior abrangência ao seu objeto e alcance, como se vê no art. 5º, LXXIII: 

"Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio-ambiente, e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência."

Encarregou-se a vigente Constituição em dilatar o campo de atuação da ação popular, de modo a contemplar a proteção da moralidade administrativa, bem como a guarida dos interesses difusos, não sendo despiciendo dizer que Alexandre de Moraes  apresenta a definição deste instituto citando Hely Lopes Meirelles, colacionando que a Ação Popular “é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos - ou a estes equiparados - ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos." 

Importante ainda apontar que se encontra superada a discussão sobre poder ou não o Ministério Público ajuizar ação popular. A doutrina era unânime em dizer que não, salvo na hipótese de o membro da Instituição propô-la na qualidade de cidadão comum, sem estar investido em suas funções institucionais. 

Hoje em dia, essa questão tem apenas valor histórico. É certo que o Ministério Público não é ente legitimado à propositura de ação popular; para chegar a esta conclusão basta a simples leitura do inciso LXXIII do art. 5º da Constituição da República e do art. 1º da Lei nº 4.717/65. Entretanto, poderá o Parquet propor ação civil pública com o mesmo objeto da ação popular. Isso se dá por expressa autorização legal, consubstanciada no artigo 25, inciso IV, alínea "b" da Lei nº 8.625/93, verbis:

"Art. 25 - Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem."

Por final e por todo o que foi exposto é forçoso reconhecer que a ação popular é um grande instrumento de participação da comunidade nos destinos do Estado, sendo que a sua utilização provoca, sem sombra de dúvida a judicialização do processo político, dando azo para a participação judicial na decisão estatal. 

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