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Cirurgia para mudança de sexo, o novo Código Civil proíbe?

01/11/2002 às 00:00
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A lei 10.406/02 que instituiu o novo Código Civil Brasileiro, a ser vigente a partir de 11.01.2003, em seu artigo 13, estatui: "Salvo por exigência médica, é defeso (proibido) o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.". Será que o legislador ordinário quis proibir a cirurgia transgenital? Afinal, é possível ou não, realizar uma cirurgia de reversão de sexo legalmente em nosso País? Sem a pretensão de esgotar o assunto, teceremos aqui algumas considerações a este respeito.

A psiquiatria trata o transexualismo como uma doença (CID-10) denominada de transtornos de personalidade da identidade sexual, definindo-o como "um desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto. Este desejo se acompanha, em geral, de um sentimento de mal-estar ou de inadaptação por referência a seu próprio sexo anatômico e do desejo de submeter-se a uma intervenção cirúrgica ou a um tratamento hormonal a fim de tornar seu corpo tão conforme quanto possível ao sexo desejado".

Hodiernamente, a ciência prefere tratar o transexualismo como uma questão neurológica e não mais, psicológica. Nominando-o de neurodiscordância de gênero, pois o transexualismo sempre envolve um transforno na identidade de gênero. Não basta que a pessoa queira pertencer ao outro sexo para usufruir de vantangens culturais ou que goste de atividades típicas do outro sexo. Também não é transexual um homem afeminado que, ainda assim, sente-se homem, ou uma mulher masculina que, mesmo assim, não tem dúvida de que é mulher, mesmo que diferente da norma. Cuida a psicologia de fazer um diagnóstico correto do quadro clínico de transexualimo, bem como atuar com terapia pré e pós-cirurgia.

Historicamente, temos como primeiro paciente a ser submetido a uma cirurgia de mudança de sexo o soldado norte-americano George Jorgensen, transexual homem para mulher, que, em 1952 adotou o nome de Christine Jorgensen, tendo sido operado em Copenhague, pelo cirurgião plástico Paul Fogh-Andersen. No Brasil, a primeira cirurgia de redesignação sexual ocorreu em 1971, quando o transexual homem para mulher, Waldir Nogueira, foi operado, o que foi motivo para que o cirurgião Roberto Farina fosse processado criminalmente e, também, pelo Conselho Federal de Medicina. Perdendo em primeira instância, foi preso, tendo cassado o direito de exercício da medicina.

Entre nós, o caso mais famoso de transexualismo ocorreu na década de 1980, quando Luís Roberto Gambine Moreira, mais conhecido por Roberta Close, modelo de sucesso, submeteu-se à cirurgia transgenital no exterior, casou-se e luta, até hoje, na justiça brasileira, sem grandes sucessos, pela mudança do nome e sexo em seus documentos.

Em 10.09.1997, o Conselho Federal de Medicina emanou a resolução nº 1.482/97, liberando eticamente os médicos para a realização da cirurgia de transgenitalização no Brasil, considerando a mesma legal, unicamente quando realizada a título de pesquisa em hospital universitário ou público. Tal cirurgia, em nosso país, torna-se possível com esta resolução do CFM, salvo restrição necessária de ser o indivíduo maior de 21 anos de idade (18 a partir de 11.01.2003), ter-se submetido à terapia por, no mínimo, dois anos, ser diagnosticado e tratado por uma equipe multidisciplinar, e ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia. Quanto ao transexualismo feminino, vislumbra-se que esta técnica cirúrgica é mais complexa, sendo recomendado, no atual alcance da ciência, somente terapia hormonal forte para desenvolver o clitóris original.

Na esfera jurídica, entendemos que o artigo 5º da Constituição Federal não veda a orientação sexual dos brasileiros, sendo esta livre. Em seu artigo 199, mencionada que: "...A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento,...". Já foram criadas as leis ordinárias: 9.434/97 e 10.205/01, disciplinando estes assuntos. Entendo que mesmo com o advento do art. 13 do novo Código Civil, o legislador brasileiro continua a permitir tacitamente a prática da cirurgia transgenital no Brasil, bem como ser perfeitamente possível a busca da tutela jurisdicional para a retificação do nome e do sexo do interessado.

Evidente que extirpar o pênis e os testítulos de alguém e, artificialmente, criar uma vagina forjada na região apropriada, não passa apenas pelo simples ato cirúrgico. Este paciente deve estar preparado da irreversibilidade do ato, por isso o acompanhamento multidiciplinar, previsto no resolução do Conselho Federal de Medicina, ser muito importante. Não podemos deixar de observar que estas operações são gratuitas na Grã-Bretanha e realizadas normalmente na França. O Brasil é um País preconceituoso e extremamente falso moralista, mas não podemos negar o direito à saúde dos brasileiros, como estatui a definição da Organização Mundial de Saúde: "a saúde é um completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade".

Assim, deve-se observar que indivíduos com transtorno de identidade de gênero merecem serem tratados condignamente. A frustração, a dor e o sofrimento, que podem levar à depressão e outros desdobramentos, são constantes neste quadro clínico. Cabe ao profissional de saúde atuar de modo a possibilitar que este indivíduo venha a se aceitar como um todo coerente, resgatando a saúde, o bem-estar e a felicidade. Afinal, somos todos seres humanos!

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Sobre o autor
Antônio Carlos de Lima

delegado de polícia em Goiânia (GO)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Antônio Carlos. Cirurgia para mudança de sexo, o novo Código Civil proíbe?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3375. Acesso em: 23 nov. 2024.

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