O art. 150, IV, da CRFB/1988, estabelece que é vedado às pessoas políticas dotadas de poder tributário “utilizar tributo com efeito de confisco”. A adoção expressa no texto constitucional do “princípio do não confisco” buscou consolidar a vedação de tributação exacerbada, a fim de que, em conjunto com os demais vetores constitucionais da proporcionalidade, da igualdade e da capacidade econômica, a justiça tributária distributiva fosse devidamente alcançada.
Nesta toada, verifica-se um caráter subjetivo do não confisco, posto que intimamente relacionado ao conceito de capacidade contributiva, vale dizer, quem pode mais paga mais, enquanto quem pode menos paga menos. Trata-se de uma forma de aplicação da justiça tributária.
Segundo leciona Onofre Alves Batista Junior, o critério do não confisco é fluido, o que acarreta a sua variância histórica e cultural, limitada pela razoabilidade imposta pela conjugação dos princípios tributários com os outros demais valores informativos do estado nacional, tais como o da livre iniciativa, da não participação estatal na economia e, sobretudo, o da proteção da propriedade privada.[1]
Da análise do dispositivo constitucional em referência, verifica-se que o Princípio do Não Confisco, a princípio, não se aplicava às multas, mas tão somente aos tributos, já que as multas, diferentemente dos tributos, nada mais são que sanções com finalidade punitiva/indenizatória/pedagógica decorrente do poder de polícia próprio do Estado Administrativo Tributário, que visam punir/indenizar ou inibir a prática de conduta ofensiva.
Para as multas, o vetor limitador da punição estatal seria o Princípio da Proporcionalidade, que, por sua vez, consiste na proibição de excessos, adequação e vantajosidade de uma conduta/proporcionalidade em sentido estrito, levando-se em consideração o fim almejado.
Ou seja, o Princípio da Proporcionalidade visa proibir a aplicação de multas desarrazoadas. Logo, ela deve ser proporcional à conduta, levando-se em consideração que sua aplicação visa punir uma conduta indesejada e evitar que seja reiteradamente praticada, razão pela qual não deve ser fixada em valor irrisório que estimule o contribuinte que “arrisca” a prática de um comportamento proibido, mas também não pode ser exagerada, ou seja, deve ser proporcional.
Na concretização do princípio da proporcionalidade será utilizado como parâmetro a conduta prevista na norma tida como proibida, sendo que o valor da multa, previamente fixado, deve ser capaz de inibir que a conduta seja praticada.
Assim, parte-se do pressuposto que as multas possuem caráter objetivo, ao contrário dos tributos, em que apenas no caso concreto, após analisar a capacidade contributiva do contribuinte, é possível ponderar a aplicação do princípio da proibição do não confisco. Dessa forma, considerando que o Estado não pode utilizar o tributo para socializar a propriedade privada, não se pode reduzir o capital por meio do tributo.
Em que pese as distinções acima expostas, o Supremo Tribunal Federal, nos autos da ação direta de inconstitucionalidade nº 551, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, entendeu que o conceito de confisco não pode ser definido aprioristicamente. Definiu, ainda que o princípio do não confisco permeia todo o ordenamento jurídico, em razão de sua fundamentação e axiologia pretendida, não havendo sentido em restringi-lo apenas às exações tributárias.
Em diversas outras oportunidades, o STF manifestou o seu entendimento de que questões como proteção da propriedade privada e a capacidade contributiva próprias dos tributos devem ser aplicadas às multas, consagrando a aplicação do princípio do não confisco às multas, senão vejamos:
Conforme orientação fixada pelo STF, o princípio da vedação ao efeito de confisco aplica-se às multas. Esta Corte já teve a oportunidade de considerar multas de 20% a 30% do valor do débito como adequadas à luz do princípio da vedação do confisco. Caso em que o Tribunal de origem reduziu a multa de 60% para 30%. A mera alusão à mora, pontual e isoladamente considerada, é insuficiente para estabelecer a relação de calibração e ponderação necessárias entre a gravidade da conduta e o peso da punição. É ônus da parte interessada apontar peculiaridades e idiossincrasias do quadro que permitiriam sustentar a proporcionalidade da pena almejada.” (RE 523.471-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 6-4-2010, Segunda Turma, DJE de 23-4-2010.)
No mesmo sentido: ADI-MC 1075, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 24.11.2006, 14.11.2000, ARE 730.128, Relator Ministro Celso de Mello, DJe 26.3.2013, Segunda Turma, AI 769.089, Relatora Ministra Rosa Weber, DJe 14.3.2013, Primeira Turma, RE 565.341 AgR, Relator Ministro Joaquim Barbosa, DJe 25.6.2012, Segunda Turma, RE 582.461, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno.
Celso de Barros Correia Neto, ao analisar diversos julgados em que o STF reconheceu o caráter confiscatório das multas, assim dispôs:
Existem diferentes espécies de multa em matéria tributária, com funções e hipóteses de incidência diversas. Nem todas sancionam apenas o atraso ou não pagamento do tributo. Há também multas isoladas pelo descumprimento de obrigação acessória, multas qualificadas pela prática de sonegação, fraude ou conluio, multas agravadas por reincidência, entre outras. Decerto não é este o espaço para discutir a tipologia das multas, em matéria tributária. Mas cabe ressalvar: não se pode, obviamente, dar a todas elas idêntico tratamento. É de se esperar que as condutas mais graves sejam sancionadas com multas mais severas, ou seja, em patamares mais elevados.[2]
O que se extrai dos julgamentos da Suprema Corte é que a mera proporcionalidade não é suficiente para analisar o caráter abusivo de uma multa, enquanto o princípio do não confisco possui peculiaridades próprias que devem ser observadas no caso concreto, já que a generalidade apriorística do Princípio da Proporcionalidade não é hábil a arbitrar questões tão diversas.
À luz do entendimento do STF, portanto, o comando contido no art. 150, IV, da Constituição Federal não se aplica tão somente ao tributo propriamente dito. Há que se dar uma interpretação histórica e teleológica ao dispositivo, para que seja alcançada a real intenção do constituinte, qual seja, evitar que o patrimônio particular seja anulado com a tributação, situação que pode ocorrer se a multa não estiver sujeita a tal limitação subjetiva.
Dessa forma, é preciso analisar o caso concreto tanto para a aplicação das multas quanto dos tributos, vez que a situação de cada contribuinte é única. Assim, mesmo no que concerne as multas, pelo que se depreende da orientação jurisprudencial dada pelo STF, o princípio do não-confisco também merece ser observado, em conjunto com o princípio da proporcionalidade, possibilitando uma maior garantia da preservação dos direitos individuais do devedor aos atos estatais.
REFERÊNCIAS:
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 14 ed. rev. – São Paulo: Saraiva, 2008.
BATISTA JUNIOR, Onofre Alves. Tópicos de Direitos Tributário. Material de Apoio do Curso de Pós Graduação em Advocacia Pública oferecido pela IDDE – Instituto para o Desenvolvimento Democrático. 2014.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. DOU 05.10.1988.
FREITAS, Leonardo e Silva de Almeida. Da Estendabilidade do Princípio do Não-Confisco às Multas Tributárias Pecuniárias. In: Revista Tributária e das Finanças Públicas, São Paulo, ano 12, n. 54.
NETO, Celso de Barros Correia. Como o Supremo define uma multa confiscatória? Disponível em <http://www.conjur.com.br/2013-set-14/observatorio-constitucional-supremo-define-multa-confiscatoria>. Acesso em 06 nov. 2014
PEREIRA, Frederico Valdez. Pereira. Limites À Imposição De Sanções Administrativas. Multas Pecuniárias Tributária. Disponível em <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao017/Frederico_Pereira.htm>. Acesso em 06 nov. 2014.
SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito Tributário Sancionador. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, disponível em www.stf.jus.br, acesso em 04/11/2014.
Notas
[1] BATISTA JUNIOR, Onofre Alves. Tópicos de Direitos Tributário. Material de Apoio do Curso de Pós Graduação em Advocacia Pública oferecido pela IDDE – Instituto para o Desenvolvimento Democrático. 2014. p.39
[2] NETO, Celso de Barros Correia. Como o Supremo define uma multa confiscatória?. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2013-set-14/observatorio-constitucional-supremo-define-multa-confiscatoria>. Acesso em 06 nov. 2014.