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Cessão fiduciária de direitos creditórios no direito recuperacional

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25/12/2015 às 17:10

Resumo:


  • A cessão fiduciária de direitos sobre bens móveis e títulos de crédito é um instrumento de garantia relevante no mercado financeiro brasileiro, regulado pela Lei 4.728/65, e sua aplicação gera debates, especialmente em relação à sua submissão aos efeitos da recuperação judicial de empresas.

  • A discussão central gira em torno do artigo 49, §3º, da Lei 11.101/2005 (Lei de Falências e Recuperação de Empresas), que estabelece exceções à sujeição de certos créditos aos efeitos da recuperação judicial, como aqueles garantidos por propriedade fiduciária.

  • Há duas correntes principais: uma majoritária, que defende a não sujeição desses créditos à recuperação judicial, argumentando a existência de um patrimônio de afetação e a importância da garantia para a confiabilidade das operações financeiras; e uma minoritária, que preconiza a sujeição ao regime recuperacional, baseando-se na interpretação restritiva da lei e na função social da empresa.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

 3. A CESSÃO FIDUCIÁRIA NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

3.1. Conceitos Gerais da Recuperação Judicial de Empresas

A recuperação de empresas pode ser entendida como uma pretensão postulada em juízo com o escopo de alcançar a extinção de obrigações e o contorno da crise financeira de determinada sociedade, sendo que nela é atribuído ao Estado a prestação jurisdicional. Neste sentido, na procedência do pedido, a sociedade adentra ao estado de recuperação e na improcedência da pretensão, ao estabelecimento restará a falência. 

Em complemento, Sidnei Agostinho Beneti entende que a recuperação “possui objetivo social, fundado na própria utilidade da empresa e de seus bens, inclusive os bens imateriais componentes dela própria e de seu estabelecimento comercial”.

Em exercício comparativo com o antigo instituto da concordata, Ecio Perin Junior, ensina:

“(...) se na vetusta legislação a concordata era concedida ao comerciante infeliz, que, muito embora honesto, não conseguia conduzir minimamente a gestão de seus próprios negócios, e portanto o Estado, magnânimo e onipresente, acabava por tutelar os interesses privados desse comerciante em detrimentos dos interesses sociais dos demais credores que estavam sujeitos ao procedimento, na recuperação notamos o contrário, pois via à aproximação dos credores por meio da apresentação de um plano de recuperação, judicializado (recuperação judicial) ou não (extrajudicial) e, ainda, a discussão levada ao crivo democrático assemblear da AGC”.

Como observamos, a recuperação de empresas busca a manutenção de uma situação estável para a sociedade, oferecendo a esta oportunidade adicional para a continuidade de seus negócios. Observa-se, para tanto, que o princípio da preservação da empresa foi basilar para a criação do instituto recuperacional.

3.2. Princípio da Preservação da Empresa

Rubens Requião, em estudo sobre o princípio da preservação da empresa, entendia que “sendo a sociedade e sua empresa um repositório de interesses privados e gerais, com alta e relevante função social, sua extinção constitui fato grave, que somente em casos extremos deve ser consentida” .

Sobre o princípio, Nelson Abrão expõe que este norteia as relações recuperacionais, no sentido de que:

“Modelou o Projeto de Lei nº 4.376/93 e particularmente o substitutivo oferecido maneiras singulares que disciplinam a empresa na fórmula desenvolvida visando preservá-la dos efeitos danosos que se irradiam a partir do momento em que se configura o estado de crise. Aproxima-se remédio de largo espectro que tem o condão de separar o joio do trigo, numa radical mudança d’água para o vinho, na exata quantificação dos aspectos negativos e nos vetores que levarão a empresa ao encontro do seu objeto social”.

A própria Lei de Falências e Recuperação de Empresas, em seu artigo 47, positivou tal princípio, conforme redação abaixo:

“Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”

Depreende-se da leitura que liquidação da empresa deve ser tratada como ultima ratio, devendo os maiores esforços serem envidados para a recuperação da empresa. Mario Ghidini ressalva:

“a empresa é um organismo produtivo de fundamental importância social; essa deve ser salvaguardada e defendida, enquanto: constitui o único instrumento de produção de (efetiva) riqueza; constitui o instrumento fundamental de ocupação e de distribuição de riqueza; constitui um centro de propulsão do progresso, também cultural, da sociedade.”

Ecio Perin Junior, de forma definitiva, enaltece a importância do princípio para o direito comercial, econômico e financeiro brasileiro:

“Sem dúvida, o princípio da preservação da empresa encontra apreciação de fundamental importância no campo do direito falimentar, possibilitando ao seu operador proteger os interesses sociais em benefício da comunidade, inclusive garantidos constitucionalmente. É inegável que a sorte da empresa não pode ficar jungida à simples conduta do empresário, como se entre eles houvesse uma relação dominial; a preservação da empresa de fato deve ser um centro autônomo de interesses, cuja intangibilidade deve ser incessantemente perquirida, sem prejuízo da punição e do afastamento do empresário. Como paradigma da questão central objeto da polêmica instalada com a cessão fiduciária em garantia, como dissemos, o princípio da proporcionalidade te destaque na interpretação da norma falitária. Houve, sem dúvida, notória interferência do mercado financeiro na elaboração da lei, que se mostrou determinante para uma mudança de rumo destinada a preservar os créditos de origem financeira dos efeitos da recuperação judicial, conforme se pode verificar da simples leitura do art. 49, §§ 3º e 4º da LFRE”.

Nas palavras de Luis Felipe Salomão e Paulo Penalva Santos, “a regra, portanto, é buscar salvar a empresa, desde que economicamente viável. O legislador colocou, à disposição dos atores principais, no cenário da empresa em crise, as soluções da recuperação extrajudicial e judicial”.

3.3. Divergências Doutrinárias e Jurisprudenciais

A discussão cerne deste trabalho consiste na interpretação do §3º, do artigo 49, da Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Estabelece o artigo:

“Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

(...)§ 3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”.

O dilema recai no entendimento de que o crédito garantido por cessão da propriedade fiduciária deve ou não encontrar-se em submissão aos efeitos da recuperação de empresas, prevalecendo ou não os direitos de propriedade dos cessionários fiduciários.

3.4. Corrente Majoritária

Os principais argumentos da doutrina e jurisprudência majoritária, em linha com a posição de que os créditos garantidos pela cessão fiduciária não devem sofrer com os impactos da recuperação de empresas, baseiam-se nos seguintes pontos: (a) a cessão fiduciária constitui patrimônio de afetação, divergindo-se do patrimônio geral da empresa em recuperação, não incluindo-se, portanto, ao patrimônio sujeito ao processo recuperacional; (b) a expressão “bens móveis e imóveis”, trazida como exceção à sujeição aos efeitos da recuperação de empresas, deve compreender bens corpóreos e incorpóreos; e (c) a submissão de tais créditos à recuperação de empresas ensejaria o enfraquecimento da cessão fiduciária como garantia de relevantes operações para o mercado de capitais e financeiro nacional, sendo que para a consecução de tais operações, principalmente de financiamento, as instituições financeiras veriam-se obrigadas a aumentar suas taxas de juros, o que inviabilizaria negócios para diversas empresas em atividade.

Diversos doutrinadores defendem tais argumentos, dentre os quais observamos primeiramente os ensinamentos de Melhim Namem Chalhub:

“Há pelo menos quatro fundamentos legais a confirmar que os créditos objeto de cessão fiduciária estão compreendidos na norma do parágrafo 3º do artigo 49 da nova Lei de Falências e, portanto, estão excluídos dos efeitos da recuperação. O primeiro deles é o inciso III do artigo 83 do Código Civil, que classifica os "direitos pessoais patrimoniais" (aí estão os créditos) como bens móveis para os efeitos legais, e, na medida em que integram essa classe, os créditos objeto de propriedade (titularidade) fiduciária estão compreendidos na norma de exclusão do parágrafo 3º do artigo 49. Mais incisiva ainda é a exigência de que seja "observada a legislação respectiva" - o parágrafo 3º do artigo 49 da nova Lei de Falências. Pois bem. Em relação à cessão fiduciária, a "legislação respectiva" dispõe que 1) "o contrato de cessão fiduciária opera a transferência ao credor da titularidade dos créditos cedidos, até a liquidação da dívida garantida"; 2) as quantias recebidas são apropriadas pelo credor fiduciário, e não pelo devedor fiduciante; e (3) é assegurado ao credor continuar recebendo os créditos mesmo em caso de falência da empresa cedente fiduciante, até a liquidação da dívida garantida - conforme o artigo 66B e parágrafos da Lei nº 4.728, de 1965, e os artigos 18 a 20 da Lei nº 9.514, de 1997.Está claro, assim, que os créditos objeto de cessão fiduciária permanecem no patrimônio do credor, sob afetação, até que cumpram sua destinação, imunes aos efeitos de uma eventual falência ou recuperação judicial da empresa devedora fiduciante. Além disso, a tipificação da titularidade fiduciária afasta qualquer possibilidade de sua equiparação ao penhor. São garantias estruturalmente distintas e, por isso, dotadas de regimes jurídicos próprios, inconfundíveis. Ora, pelo penhor o devedor empenha os créditos, mas conserva-os em seu patrimônio, e essa é a razão pela qual se sujeitam aos efeitos da recuperação - conforme o parágrafo 5º do artigo 49 da nova Lei de Falências. Já pela cessão fiduciária, o devedor fiduciante demite-se da propriedade e a transmite ao credor fiduciário, e porque estão fora do patrimônio do devedor é que os créditos cedidos não são alcançados pelos efeitos da recuperação, como prevê o parágrafo 3º do artigo 49 da nova Lei de Falências.Por fim, o parágrafo 1º do artigo 49 da nova Lei de Falências ratifica a exclusão dos créditos fiduciários ao impedir seus titulares de participarem das assembleias de credores, e isso porque essas assembleias deliberam apenas sobre a liquidação dos créditos vinculados ao patrimônio da recuperanda, o que evidentemente não é o caso dos créditos fiduciários, cuja liquidação é feita com os bens atribuídos fiduciariamente ao próprio credor fiduciário.A par dessa fundamentação legal, é preciso ter presente que a desvinculação dos bens objeto de propriedade fiduciária dos efeitos da recuperação judicial confere segurança jurídica inigualável a essa garantia, tornando-a um elemento catalisador do desenvolvimento econômico e social, por conta do efeito do aumento da oferta de crédito e da redução do custo do dinheiro”.

Fábio Ulhoa Coelho, no mesmo sentido, defende a não sujeição dos créditos garantidos em cessão fiduciária no âmbito da recuperação empresarial:

“As exclusões dos credores dos efeitos da recuperação judicial (...) visam, na moderna economia brasileira, proporcionar meios para o barateamento do crédito e criação das condições para o desenvolvimento econômico, valores de maior envergadura que os anteriormente prestigiados.(...) Os objetivos da exclusão, como dito, ligam-se aos da lei de 2005; ou seja, destinam-se a criar, no marco institucional, as condições para o desenvolvimento econômico. Ao retirar dos efeitos da recuperação judicial determinados credores, a lei teve em mira possibilitar o barateamento dos negócios em que eles se envolvem, atendendo ao interesse de toda a sociedade brasileira.O titular de propriedade fiduciária, como dito, tem seu crédito excluído dos efeitos da recuperação judicial. Isso significa que nenhuma consequência advém para o crédito garantido por alienação fiduciária da impetração, pelo devedor fiduciante, da recuperação judicial. Também não produz nenhuma implicação relativamente aos direitos do titular da propriedade fiduciária o despacho de processamento da recuperação judicial. Finalmente, a obrigação do devedor fiduciante não pode ser objeto de nenhuma cláusula do plano de reorganização. Qualquer menção a ela no plano é por tudo e em tudo inválido (porque contraria o art. 49, § 3º, da LF) e ineficaz.O cessionário fiduciário, na cessão fiduciária de títulos de crédito ou direitos creditórios, é titular da propriedade resolúvel do crédito cedido. Como acentuado acima, esse crédito integra o patrimônio da instituição financeira cessionária. Como integra na condição de resolubilidade, o adimplemento da obrigação garantida pelo cedente fiduciante importa seu retorno ao patrimônio deste. Mas apenas o cumprimento da obrigação tem essa consequência. Quando ela é inadimplida, o direito cedido fiduciariamente se consolida no patrimônio do cessionário fiduciário.A cessão fiduciária de títulos de crédito ou de direitos creditórios, note-se, gera sobre o objeto cedido um direito real (um direito real em garantia), e não pessoal. A instituição financeira cessionária torna-se proprietária desses títulos ou direitos, e não apenas credora. É esta a larga implicação do instituto da cessão fiduciária em garantia cujo objeto são títulos de crédito ou direitos creditórios do cedente 22.Há, portanto, uma diferença fundamental entre, de um lado, a cessão fiduciária de títulos de crédito ou direitos creditórios, e, de outro, as operações de penhor ou caução de títulos (também de crédito, valores mobiliários, aplicações financeiras etc.). Enquanto na cessão fiduciária de títulos de crédito ou direitos creditórios, tais títulos ou direitos passam ao patrimônio da instituição financeira cessionária e nele permanecem enquanto não cumprida a obrigação garantida, nas operações de penhor ou caução de títulos, estes são apenas transferidos à posse da credora, mas os direitos creditórios neles incorporados não passam nunca a compor o patrimônio dela.Essa diferença reflete, inclusive, no tratamento dispensado a cada hipótese pela LF, quando disciplina a recuperação judicial. Para os títulos de crédito e direitos creditórios cedidos fiduciariamente vige a regra, já transcrita acima, da exclusão dos efeitos da recuperação judicial (LF, art. 49, § 3º). A seu turno, para as operações de penhor ou caução de títulos vigora norma diversa, que as submete aos efeitos da recuperação judicial 23.O depósito em conta vinculada tem pertinência porque o crédito relacionado ao título empenhado ou caucionado é ainda da propriedade do devedor impetrante da recuperação judicial. Encontra-se o instrumento de dívida na posse do credor pignoratício, mas a efetivação dessa garantia fica suspensa porque pode ser afetada pelo plano de reorganização.Não cabe, porém, falar-se no mesmo depósito para os títulos de crédito ou direitos creditórios cedidos fiduciariamente porque não pertencem mais ao patrimônio do devedor impetrante da recuperação judicial. Eles pertencem ao patrimônio da instituição financeira cessionária e não há porque mantê-los, quando vencidos e satisfeitos, em conta vinculada ao juízo da recuperação judicial. Aliás, se a LF eventualmente pretendesse estender aos títulos de crédito e direitos creditórios fiduciariamente cedidos a sistemática do art. 49, § 5º, reservada às operações de penhor ou caução de títulos, ela seria, nessa extensão, inconstitucional. Estaria desrespeitando o direito de propriedade do cessionário fiduciário constitucionalmente assegurado”.

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Ivo Waisberg e Gilbeto Gornati defendem também a garantia da cessão fiduciária:

“Do mesmo modo que o bem alienado fiduciariamente deixa de integrar o patrimônio do fiduciante, os direito creditórios, objeto de cessão fiduciária, também são descriminados como patrimônio de afetação e, como tal, de acordo com o § 3º, art. 49, e inciso IX, do art. 119, da Lei de Falências e Recuperações de Empresas nº 11.101/2005, devem estar separados do patrimônio da massa falida, bem como também não se submeterão aos efeitos da recuperação judicial”.

A jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiçã , inclusive, manifestou-se sobre o tema discutido:

“RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONTRATO DE CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DUPLICATAS. INCIDÊNCIA DA EXCEÇÃO DO ART. 49, § 3º DA LEI 11.101/2005. ART. 66-B, § 3º DA LEI 4.728/1965. 1. Em face da regra do art. 49, § 3º da Lei nº 11.101/2005, não se submetem aos efeitos da recuperação judicial os créditos garantidos por cessão fiduciária. 2. Recurso especial provido” .

3.5. Corrente Minoritária

Com menos expressão, a corrente minoritária milita pela submissão de tais créditos à recuperação de empresas, abordando os seguintes pontos: (a) os créditos não são abrangidos pelo §3º do artigo 49 da Lei de Falências e Recuperação Judicial, em um exercício de interpretação restritiva; (b) a função social da empresa; e (c) “enquanto objeto de garantia, os créditos fiduciários deveriam ter o mesmo tratamento legal dos créditos pignoratícios, para os quais a lei prevê que ‘o valor eventualmente recebido em pagamento das garantias permanecerá em conta vinculada’ durante o prazo de suspensão de 180 dias”.

Ainda que em menor número, a doutrina também se posiciona neste sentido, conforme estabelece Lincoln Fernando Pelizzon Estevam:

“Não é preciso grande esforço para reconhecer que, se não fossem espécies distintas, bastaria ao legislador tratar ambas simplesmente como alienação fiduciária. Não as igualou e nem poderia, pois a distinção decorre do fato de que apenas na alienação fiduciária o credor assume a condição de proprietário fiduciário da coisa, pois a propriedade fiduciária somente pode ser constituída sobre a coisa, e não sobre o direito/crédito. É assim que o Código Civil define, como fiduciária, a propriedade resolúvel sobre a coisa – no caso, móvel e infungível – que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor. Portanto, não resta dúvida de que a alienação fiduciária e cessão fiduciária são institutos distintos: somente na alienação o credor passa à condição de proprietário fiduciário da coisa (bem móvel ou imóvel), enquanto na cessão fiduciária ele figura apenas como cessionário do crédito (direito pessoal). Então, se a legislação prevê a existência dessas duas modalidades distintas de negócio fiduciário (alienação fiduciária e cessão fiduciária), pela mesma razão a exceção prevista pela Lei de Recuperação de Empresas deveria contemplar ambas as espécies.(...) Mas o legislador não desejou assim. Excluiu da recuperação judicial apenas e tão somente o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens moveis ou imóveis. Não se pode, portanto, interpretar essa regra, seja por analogia ou por extensão, para abranger, também, a figura do credor cessionário dos títulos de crédito, pois a interpretação restritiva das exceções é regra elementar de compreensão e aplicação das normas jurídicas. Quem não conhece a velha máxima pela qual não é permitido ao interprete restringir naquilo que o legislador não o fez? Ora, a trava bancária já era prevista desde o advento da Lei n. 10.931. Então, a Lei de Recuperação de Empresas, que é posterior – de 2005 – deveria elencar expressamente também essa figura jurídica como umas das hipóteses de exceção ao regime legal da recuperação judicial”.

Luiz Guerra posiciona-se da seguinte maneira:

“A cessão fiduciária sobre créditos tem gerado discussão na doutrina e nos tribunais. É saber se tais operações firmadas com o devedor recuperando estariam ou não sujeitas aos efeitos das recuperação judicial e, portanto, alcançadas pelo caput, do art. 49, da LRF, ou das exceções previstas nos §§ 3º e 5º, do referido artigo? Diante do calor das discussões o assunto já mereceu até apresentação do Projeto de Lei nº 4.589/2009, para incluir na redação do caput, do art. 49, os créditos de cessão fiduciária.A regra geral prevista no caput, do art. 49, alcança todos os credores, salvo as exceções apontadas expressamente na Lei de Recuperações. Em assim sendo, se as exceções por princípio, devem ser expressas e se elas constam apenas dos inciso I e II, do artigo 5ª e parágrafo 7º, do artigo 6º; dos parágrafos 3º e 4º (art. 86, II), do art. 49; e dos parágrafos 1º ao 3º, do artigo 199, da Lei nº 11.101/05, então, somente essas hipóteses estão fora do alcance da lei de recuperação. Assim, as exceções apontadas estão postas, obrigatoriamente, em numerus clausus, por segurança jurídica, e, assim, não se admite e admitirá interpretação extensiva para incluir no rol das exceções também a cessão fiduciária de títulos de crédito”.

A vinculação dos créditos garantidos fiduciariamente à recuperação, também ganha tratamento da doutrina de Paulo Sérgio Restiffe:

“a cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis é direito real de garantia sobre o respectivo objeto; isto é, não só posse, e sim também direito real, no entanto, sobre res alínea (direitos creditórios alheios), e não sobre coisa próprio; isto é, diferente da garantia dominial que deriva da alienação fiduciária indicada noutra espécie, denominada “cessão fiduciária” (art. 28 da Lei 9.514/1997). E esse art. 28 conceitua cessão de crédito que seja objeto da alienação fiduciária, que gera propriedade fiduciária em garantia do credor, em imóvel (em coisa própria), tal como ocorre na garantia fiduciária da Lei de Mercado de Capitais (Lei 4.728/1965, art. 66-B, e Decreto-lei 911/1969) e do Código Civil (arts. 1.361 – 1.368). A cessão fiduciária de título de crédito (art. 66-B, §3º, da Lei 4.728/1965) é instituto de garantia sobre direito alheio, isto é, sobre direito do credor de título de crédito resultante de qualquer negócio jurídico, inclusive o decorrente de contratos de alienação de imóvel (art. 17, II e §1º, da Lei 9.514/1997), e não de alienação fiduciária. É um direito real, mas sobre objeto de terceiros. Já, a cessão de crédito objeto da alienação fiduciária geradora da propriedade fiduciária em garantia (art. 28 da Lei 9.514/1997) esta, sim, implica transferência ao cessionária de todos os direitos e obrigações inerentes à propriedade fiduciária em garantia, vale dizer, direito real dominial, em própria, porque alienada fiduciariamente em garantia do credor. Se se tratasse não de cessão fiduciária de direitos creditórios, dos arts. 17, II, e §1º, 18, 19 e 20 da Lei 9.514/1997, ou de títulos de crédito do art. 66-B, §3º, da Lei 4.728/1965 (direito real em coisa alheia), mas de cessão de crédito objeto da alienação , do art. 28 da Lei 9.514/1997, ou de bens móveis infungíveis da Lei 4.728/1965 ou do art. 1.361 do CC de 2002 (direito real em coisa própria – propriedade fiduciário por transferência resolúvel), aí, sim, teria cabimento a inclusão do crédito privilegiado na exceção do §3º do art. 49 da Lei 11.101/2005, por se tratar de cessionário dos direitos e obrigações inerentes à propriedade fiduciária em garantia que lhe foram transferidos, sendo ocupante da posição de proprietário fiduciário”.

Por fim, Ecio Perin Junior sacramenta:

“Finalmente, concluímos, dentro do assunto de grande polêmica, que em nossa opinião a intenção do legislador no que se refere aos créditos garantidos por cessão fiduciária de títulos não foi exclui-los dos efeitos da recuperação judicial, pois se assim fosse expressamente teria indicado no art. 49, § 3º da LFRE.A superação da crise econômico-financeira das empresas, concedida com o deferimento do processo de recuperação judicial, depende da disponibilização dos meios necessários.Para realização desse mister, em um exercício de superação da crise inclusive sob o viés da dignidade da pessoa humana, a lei deve ser aplicada para reconhecer a sujeição dos créditos garantidos por cessão fiduciária ao regime de recuperação e, por consequência, a liberação das chamadas “travas bancárias” em benefício das empresas em crise, como medidas de fundamental importância para a superação.E, sem dúvida, viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira da empresa, nos extados termos do art. 47, da LFRE, é permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores. Pensar em sentido contrário, é retornarmos ao vetusto DEC.-Lei n. 7.661/45”.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIMÕES, Pedro Vilas-Boas. Cessão fiduciária de direitos creditórios no direito recuperacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4559, 25 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33838. Acesso em: 23 dez. 2024.

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