Dano Existencial na Relação Laboral

A tutela de direitos sociais

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20/11/2014 às 16:35
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É cabível a condenação de dano existencial na Justiça Laboral? No que ela se difere dos danos morais? Em que medida sua aplicação é desdobramento da violação aos direitos da personalidade?

1 Introdução

O presente trabalho tem como escopo abordar os pressupostos para a caracterização do dano existencial na relação laboral através de pesquisa doutrinária e jurisprudencial acerca do seu aspecto histórico evolutivo culminando em sua aplicabilidade no direito laboral brasileiro e busca esclarecer o cerne da questão conceitual do que se entende por dano existencial.

Sob o viés constitucional o presente trabalho abordará o tema correlacionando-o ao princípio da dignidade da pessoa humana como norma que lastreia a fundamentação jurídica para o seu conhecimento.

Adiante, analisará os pressupostos necessários para a sua caracterização, considerando a diferenciação existente principalmente com os danos morais, a qual se verifica maior resistência nas decisões judiciais em reconhece-lo como espécie distinta.

Por fim, apresenta o cenário atual quanto à aplicação do instituto na jurisprudência oriunda da Justiça do Trabalho, abordando a relevância dos julgados que reconhecem a sua incidência, aplicando condenações reparatórias a fim de dissuadir tal prática.

O tema é de importantíssima relevância, ao passo que os reflexos dos danos existenciais acabam por irradiar em toda a sociedade, transformando o trabalhador em mero instrumento de trabalho deixando de se aperfeiçoar e de contribuir para toda a sociedade nos mais diversos níveis.

O presente trabalho foi desenvolvido segundo a hipótese de que, atualmente, no Brasil podemos identificar uma nova espécie de direito extrapatrimonial, que embora embrionária, se ajusta perfeitamente aos anseios sociais relativos a qualidade de vida e bem estar social, bem como é mais uma ferramenta afirmativa da condição de sujeito de direito alcançada ao trabalhador, que se vê anulado em face de extenuantes jornadas de trabalho as quais está atrelado cotidianamente, não havendo possibilidade de direcionar sua energia para outros projetos de interesse pessoal ou familiar.

Para atingir o fim almejado, o trabalho se divide em seis capítulos, sendo o primeiro de introdução e o último de conclusão. O primeiro capítulo de desenvolvimento procura trazer à tona o histórico do instituto, explanando sobre a sua criação no direito italiano, e finalizando com o conceito adotado pela doutrina e jurisprudência pátria.

O posterior salienta a base constitucional que alicerça a fundamentação dos danos existenciais, mormente ligados a infringência dos direitos próprios da personalidade, ou seja, normas de saúde, lazer ou privacidade, que quando violadas no contrato laboral acabam por anular o trabalhador, que deve ser reparado pelos danos oriundos da relação estabelecida entre as partes.

Por derradeiro, busca-se entender como se opera o dano existencial na justiça laboral desde a prática do fato, passado pelo conhecimento de sua incidência e por fim como se perfectibiliza a forma reparatória ao trabalhador vitimado, ocorrendo o fechamento com as considerações finais e conclusões acerca dos problemas apresentados, como tentativa de confirmar as hipóteses inicialmente propostas, quanto de que forma o direito do trabalho brasileiro tem adotado tal teoria, a fim de dissuadir tal prática, uma vez que a mesma vai de encontro com os princípios constitucionais que norteiam as relações de trabalho, acabando por infringir também a fruição de direitos estabelecidos na legislação trabalhista.


2. Dano Existencial e sua origem

Ao estudar o instituto, remonta-se a sua origem no direito civil Italiano, que estabeleceu uma nova espécie de danos extras patrimoniais contida na responsabilidade civil.

Dessa forma, no Codice Civile Italiano de 1942, os artigos 2.043 e 2.059 definiam as hipóteses de incidência da responsabilidade civil.

Embora existindo a previsão legal para a responsabilização civil, tais normas, em verdade, se mostraram insuficientes para responder aos novos fenômenos jurídicos que emergiam na sociedade, pois esbarravam na limitação do primeiro artigo ser voltado para a indenização dos danos materiais enquanto o segundo, mal comparando com o direito brasileiro, limitava-se a reparação por danos morais decorrentes de ilícitos penais, sem abarcar em sua aplicação os danos oriundos das relações civis.

Segundo leciona Flaviana Rampozzo Soares, citando a obra de Giuseppe Cassano, na década de 1970, iniciou-se uma reformulação quanto ao entendimento jurisprudencial acerca da matéria:

A partir da década de 1970, começaram a ser emitidos mais pronunciamentos judiciais, determinando a necessidade de proteger a pessoa contra atos que, em maior ou menor grau, atingissem o terreno de sua atividade realizadora.

Simultaneamente, a justiça italiana entendeu o direito à saúde como norma de direito fundamental, emergindo o direito à reparação independente da constatação de um ilícito penal, uma vez que tal regra verificava-se também nas relações civis.

A partir desse ponto, o dano à saúde também entendido como dano à vida ou dano biológico, desenvolveu-se rapidamente, desdobrando-se em outras espécies de direitos imateriais que necessitavam de proteção através da tutela jurisdicional do Estado, contudo não se enquadravam nos preceitos preexistentes.

Tal celeuma descortinou-se no posicionamento jurisprudencial que entendeu, na ocasião, que o direito à saúde deve ser tido como direito fundamental, sendo, portanto, qualquer infringência a esse direito suficiente para a responsabilização do agente causador.

Contudo, carecia de precisão técnica atribuir a nomenclatura de dano biológico a todos os demais danos extrapatrimoniais que não coadunava com os preceitos do dano moral oriundo do direito penal, tampouco com o dano biológico, mas que da mesma forma se evidenciava a infringência de direitos fundamentais.

Diante do quadro apresentado, os professores Paolo Cendon e Patrizia Ziviz, promoveram encontros acadêmicos a fim de discutir o tema, publicaram artigos e aos poucos foram moldando uma nova espécie de dano, considerando os aspectos das atividades desempenhadas pelas pessoas e sua afetação por um ato ilícito da vida civil, dessa forma surgia uma nova espécie de dano extrapatrimonial, atribuindo lhe a nomenclatura de dano existencial.

Ao passo que se difundiu a ideia nas cortes italianas de que a atividade que acaba por inundar a vida do indivíduo, sejam elas remuneradas ou não, e que seus efeitos reversos sobrestavam seus interesses íntimos, tal situação deveria ser considerada como um ato ilícito, passível de reparação, por causar a anulabilidade da pessoa e de suas relações.

No ano de 2003, a justiça italiana através da corte Constitucional, no julgamento da decisão número 233 de 11.07.2003, consolidou entendimento jurisprudencial quanto a distinção de três espécies de danos extrapatrimoniais, conforme faz citação do Professor Doutor Eugênio Gacchini Neto:

Dano moral subjetivo seria a transitória perturbação do estado de ânimo da vítima; dano biológico em sentido estrito seria a lesão do interesse, constitucionalmente garantido, à integridade psíquica e física da pessoa, medicamente comprovada; ao passo que o dano existencial seria o dano derivado da lesão de outros interesses de natureza constitucional inerentes à pessoa.

Emergia o novo instituto, consolidado na jurisprudência e cada vez mais difundido no direito Italiano, que aos poucos acabou por transpassar suas fronteiras, chegando ao Brasil, conforme estudaremos no ponto seguinte.

2.2 Dano existencial no Direito Brasileiro

Firmado o conceito no berço Italiano, no Brasil o novo instituto caminhava para o seu conhecimento, sendo ainda na década de 1970, através de Pontes de Miranda, uma das primeiras definições sobre o tema:

“Dano à normalidade da vida de relação, é dano não patrimonial, sendo plenamente admissível a indenização fixada a tal título. ”

Adiante - em 1998 - a Corte Interamericana de Direitos Humanos, reconhece o dano existencial como uma novo instituto jurídico, sendo reconhecida por tratar-se de uma lesão a direito fundamental à pessoa a qual se vê preterida de desenvolver em plenitude suas potencialidades:

“considerando su vocación, aptitudes, circunstancias, potencialidades y aspiraciones, que le permiten fijarse razonablemente determinadas expectativas y acceder a ellas.”

Nesse ponto, esclarecem Gilberto Schäfer e Carlos Eduardo Martins Machado quanto a submissão do estado brasileiro à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, principalmente quanto a matéria que envolve as premissas básicas de direitos universais mormente ligadas a responsabilidade civil e sua internalização no direito pátrio, logo tal reconhecimento acaba por nortear também as diretrizes internas quanto a observância do instituto:

A noção de responsabilidade civil da tutela dos danos extrapatrimoniais, conta hoje, no direito brasileiro, com a cláusula geral do artigo 186 do CCB, combinado com o ambiente político de redemocratização da sociedade brasileira e consequente preocupação com os direitos humanos (a aceitação da jurisdição da Corte IDH, bem como o fato de que a Constituição brasileira possui cláusulas constitucionais abertas, também, ao tratar de direitos humanos nos parágrafos 1º e 2º do art. 5º), possibilita a integração entre o direito nacional e direito internacional permitindo um maior desenvolvimento da proteção aos direitos humanos.

No Brasil, diante do influxo do novo instituto jurídico, e o término do regime militar posteriormente, retomando um Estado democrático de direito, fez surgir um movimento de tutela aos direitos fundamentais, dentre eles os da personalidade, aConstituição Federal de 1988 recepcionou tal anseio popular (em especial no disposto no artigo 5º), e posteriormente na Lei Civil de 2002.

Dessa forma, o direito brasileiro, acabou por abarcar tal hipótese como tutelável, aplicando-o com fundamento na escassa doutrina e jurisprudência, considerando a não previsão legal específica, contudo, elevando o dano existencial como norma de direito fundamental à dignidade da pessoa humana, a qual se reveste, ou deveria revestir-se, de especial proteção.


3. Dano existencial e os Direitos da Personalidade

Considerando a pessoa o ponto de convergência do ordenamento jurídico, que por essas razões merece a proteção integral quanto às agressões da vida social, tem-se na pessoa o centro de atenção para que possa fruir seus direitos mínimos como indivíduo ou em coletividade.

Na lição de Ingo Wolfgang, temos a seguinte definição:

Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venha a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

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Destaca-se que o conceito de dignidade da pessoa humana está permanentemente em evolução, sendo reconhecido como uma das prerrogativas jurídicas do ser humano. É um imperativo a proteção à vida humana quanto a sua integridade, têm-se como um valor interior e próprio ao mesmo tempo em que une e iguala as pessoas, apesar de todos terem um núcleo comum que se distinguem umas das outras e tais igualdades e diferenças devem receber a mesma proteção jurídica.

Na Constituição de 1988, a dignidade da pessoa humana vem abrigada no artigo 1º, inciso III, instituída como um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito.

Como bem assinala Anderson Schreiber, há enorme dificuldade em delimitar tal princípio, embora a ideia central dos conceitos formulados permaneça a mesma de que: a dignidade humana não é um aspecto específico da condição humana, contudo reflete uma qualidade pertencente a todo e qualquer ser humano.

Além da conceituação formal se faz mister a compreensão do referido princípio sendo como contrário a dignidade humana tudo aquilo que puder reduzir a pessoa à condição de objeto.

Tal entendimento não se mostra inquestionável, não sendo, portanto um conceito fechado, a percepção do que está abarcado na essencialidade do ser humano encontra variantes culturais, históricas, bem como a própria percepção do indivíduo.

Não obstante, na busca de segurança e previsibilidade em sua aplicação nas relações privadas, ressurge os direitos da personalidade como diretrizes norteadoras do direito contemporâneo que na lei infraconstitucional ganhou relevância no capítulo 2ª do Código Civil, o qual traz o rol de direitos mínimos do indivíduo.

Nesse contexto, cumpre esclarecer que os direitos da personalidade estampados noCódigo Civil se perfazem em um rol aberto, como leciona Anderson Schreiber:

“A codificação limitou-se a tratar de cinco direitos da personalidade: direito ao corpo, direito ao nome, direito à honra, direito à imagem e direito à privacidade. (...) por força da cláusula geral de tutela da dignidade humana, consagrada no art. 1º,III, da Constituição. (...) Em outras palavras: embora o Código Civil brasileiro tenha tratado apenas de alguns direitos da personalidade e não tenha tido cuidado em ressalvar a existência de outros tantos além daqueles que contemplam em seus arts. [11] a [21], essa omissão não impede que outras manifestações da personalidade humana sejam consideradas merecedoras de tutela, por força de aplicação direta do art. 1º, III, da Constituição. ”

Ao alcançar o direito de reparação ao indivíduo que sofre as agruras do dano existencial estar-se, ao fim e ao cabo, garantindo-lhe a entrega da prestação jurisdicional lastreada sobre os trilhos dos direitos próprios da personalidade, que por sua vez, se mostram intimamente ligados ao conceito de dignidade da pessoa humana insculpido na carta política de 1988.

Nessa linha, traz-se ao lume a lição de Hidemberg Alves da Frota:

“Intui-se que a existência humana digna (em conformidade com o princípio da dignidade da pessoa humana) se vincula não apenas à incolumidade física, à sobrevivência biológica, à automanutenção financeira e ao exercício dos direitos sociais, econômicos e culturais como também à integridade psíquica e ao bem-estar psicológico da pessoa natural, bem assim ao direito do indivíduo de escolher e realizar atividades (inclusive de concretizar metas) que dão sentido à sua vida e, ao mesmo tempo, não atentam contra o ordenamento jurídico.”

Percebe-se pelos conceitos trazidos que o respaldo norteador dos danos existenciais está intimamente ligado a infringência do aludido princípio, uma vez que a transformação do trabalhador em mero instrumento produtivo, cerceando-o de guiar o destino da própria vida, bem como cerceando-o da convivência social junto a seus pares, reduz o trabalhador, ao fim, à condição de objeto, o que, por via de consequência, afeta a sua dignidade como sujeito de direitos.

Em face disso, imperioso destacar antes de adentrarmos no conceito propriamente dito de dano existencial, saber onde está alicerçada à espécie de dano estudada, tanto sob o viés constitucional quanto na legislação extravagante, considerando que não há dispositivo legal específico para a sua aplicabilidade, decorrendo, desta forma, através da construção jurídica.

Sobre esse aspecto, se faz importante a lição de Regina Beatriz que esclarece a diferença entre direitos fundamentais e direitos da personalidade:

Se falamos de relações de Direito Público, com vistas à proteção da pessoa em face do Estado, denominamos esses direitos essenciais de direitos fundamentais. Se tratamos de relações de Direito Privado, com vistas à proteção da pessoa em face de outros indivíduos, então chamamos esses direitos essenciais de direitos da personalidade. Assim, a tutela constitucional oferecida principalmente pelo art. 5.º da Lei Maior compreende os direitos fundamentais e os direitos da personalidade, alcançando as relações de direito público e de direito privado.

Ainda ressalta Anderson Schreiber,

“A violação à honra no ambiente de trabalho é apenas uma das variadíssimas maneiras de se atingir a dignidade humana. O uso indevido da imagem, a discriminação genética, a invasão de privacidade”.

Embora tais hipóteses não estejam em nenhum dispositivo legal específico, não necessariamente estão indiferentes à proteção jurídica, pois seu reconhecimento como conduta contrária ao que se entende por dignidade da pessoa humana se dará da análise do caso concreto.

Conforme veremos no próximo capítulo, o dano existencial invariavelmente deverá ser identificado como conduta antijurídica quando evidenciada a sua caracterização, ainda que nenhum dispositivo específico conceitue sua espécie, todavia o grau de afetação ao sujeito vitimado extrapola os limites da individualidade a ponto de afetar um direito fundamental inerente ao ser humano.

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Sobre o autor
Rafael Silveira de Souza

Bacharel em direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis, Advogado com atuação na justiça especializada do Trabalho, sócio proprietário do escritório Silveira & Tamagno advogados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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