Para que as medidas elencadas no artigo 888 do Código de Processo Civil sejam concedidas, é importante que se atenha ao procedimento geral dos artigos 801 à 803 do mesmo diploma, da mesma forma que as demais regrais gerais do processo cautelar: comporta-se a concessão liminar, devem elas estarem vinculadas a processo principal definitivo, têm prazo de 30 trinta dias de caducidade para a propositura da ação principal, quando preventivas, dentre outras.
Alguns desses procedimentos não são cautelares, mas sim definitivos, de maneira que a lei atribuiu a forma cautelar tão somente para o fim de que pudesse ser então concedida liminar, impossível no procedimento ordinário.
Esse cenário levou ao equívoco de serem admitidas a existência de “cautelares satisfativas”, que não é nada menos do que a ação definitiva no procedimento cautelar, e apenas em alguns casos.
Para o Jurista Ovídio Batista da Silva, a doutrina processual usa regularmente o verbete provisional, no sentido de coisa provisória, relacionada a outra definitiva. A linguagem portuguesa, todavia, confere a esta expressão, além deste, o significado de algo que se faz por provisão que é ato ou efeito de prover.
No art. 888, o legislador se utilizou muito do conceito de provisionalidade, reunindo sob tal dispositivo pretensões heterogêneas, dentre as quais com dificuldade se descobre alguma medida realmente cautelar, além de serem várias delas de cunho visivelmente definitivo, sem qualquer vestígio de provisionalidade.
Elencam-se no referido art. 888 oito medidas provisionais, dentre estas se detalhará o conceito e as implicações das quatro que seguem, correspondente aos incisos V, VI, VII e VIII.
V - Depósito de menores e incapazes castigados imoderadamente
A norma desse inciso está relacionada à duas espécies de depósito de incapazes: uma que pode ter lugar quando estes sejam castigados imoderadamente pelos pais, tutores e curadores; e a outra motivada pela indução à prática de atos contrários à lei a à mora. Nesta hipótese, o legislador optou por definir a medida como depósito do menor e não como uma nova espécie de “posse provisória” dos filhos, como é prevista nas ações matrimoniais, segundo o inciso III deste artigo. A distinção óbvia é que a retirada do menor do poder dos pais, que lá só acontece em raras exceções, aqui é pressuposto indeclinável da medida que tem sentido provisional, relacionada como está a alguma demanda onde se deva decidir definitivamente sobre o direito de guarda do menor.
A incidência típica do depósito provisional de menores é o das ações onde se debate o abuso do pátrio poder como razão para a suspensão ou perda deste direito-dever, mas pode abranger igualmente os casos em que se controverta sobre a remoção de tuto, ou curado, pelos mesmos fundamentos inscritos no dispositivo de que ora se cogita.
O Ministério Público e os parentes do menor ou do incapaz são legitimados ativos para o pedido provisional que pode ter natureza de medida preparatória.
Deve a decisão que decreta o afastamento prover sobre as condições em que o mesmo se dará, o juiz deverá indicar o lugar onde o menor ou o incapaz hão de ser depositados.
Pontes de Miranda relaciona 5 (cinco) regras que devem presidir o depósito do artigo 888, V:
a) a medida provisional cabe sempre que a sentença de procedência de alguma ação afastaria o risco que se teme;
b) sempre que se receie algum dano físico ou moral ao menor;
c) se há oposição dos pais ou de algum deles, ao casamento da filha, ou risco resultante dessa oposição;
d) se há perigo para o menor em continuar com os pais, ou com o pai, ou com a mãe;
e) quando houve induzimento do menor à prática de atos contrários à lei ou à moral.
Sendo a provisional de depósito de menores ou incapazes medida antecipatória da sentença final e, portanto, porção da mesma lide, é perfeitamente legítima a cumulação do pedido preventivo com a ação onde se irá controverter o direito de guarda do menor ou incapaz.
O dispositivo do art. 888, V, está sujeito ao prazo do art. 806 quando proposto preparatoriamente.
VI - Separação de corpos
O inciso VI trata da medida provisional de separação de corpos pelo Código denominada afastamento de um dos cônjuges da morada do casal, designação que não nos parece tão expressiva e correta quanto a outra.
O estado de separação jurídica dos cônjuges é o que se busca efetivamente com a medida, que nada tem a ver com sua provável, mas não necessária, separação física que a ideia de afastamento da morada do casal poderia sugerir. Na realidade, a provisional de separação de corpos não importa necessariamente afastamento de um dos cônjuges do domicílio conjugal, havendo neste sentido decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais proferida ao tempo do Código de 1939, segundo informa Theodoro Júnior.
O requerente da medida provisional é autorizado pelo juízo geral a afastar-se do domicílio conjugal, isentando-o do dever de coabitação, inerente ao matrimônio e, dessa forma, legitima o estado de separação de corpos. Além desses casos em que o juiz concede o alvará de separação de corpos, autorizando o cônjuge requerente a afastar-se do lar conjugal, pode igualmente ocorrer que o cônjuge que pretenda promover alguma ação matrimonial, tais como a ação de separação judicial, nulidade ou anulação de casamento, sinta-se com direito de permanecer no domicílio do casal, pretendendo que o alvará de separação de corpos lhe seja concedido com a ordem simultânea para que o outro cônjuge se afaste do domicilio comum.
Portanto, a provisional de separação de corpos não é cautelar, é simples medida antecipatória da provável sentença favorável a ser proferida na ação matrimonial. Entendimento contrário tem prevalecido no Direito brasileiro, sob a influencia das doutrinas de Chiovenda, Calamandrei e Carnelutti, a que dão adesão mais recente Sapienza e Calvosa.
A provisional de separação de corpos diferencia-se das cautelares por outra especialidade marcante: a duração do decreto que concede a separação de corpos, ou, na nomenclatura do Código, determina ou autoriza o afastamento de um dos cônjuges da morada do casal, deve estender-se até o trânsito em julgado da sentença que venha a ser proferida na causa matrimonial, tornando-se assim imune às prescrições referentes aos provimentos cautelares, que podem ser revogados pelo magistrado que os concedeu, por ocasião da sentença de mérito; e ser a revogação da medida cautelar ‘executada’ desde cedo, por força do art. 520, IV, desde que o ato revogatório conste da sentença proferida no processo cautelar. A decisão que disciplinar o dever de coabitação entre os cônjuges, durante a ação matrimonial, haja ou não tido procedimento autônomo o pedido, deve ter sua eficácia prolongada até a decisão final da lide não sendo possível, ou sendo inoperante, o provimento do juiz ou tribunal que a revogue no curso da causa. Mas, uma vez concedido o alvará de separação de corpos, terá a parte que o obteve o prazo do art. 806 para a propositura da ação, sob pena de perda da eficácia da medida.
A conjuntura de encontrarem-se os cônjuges já separados de fato não é empecilho à concessão do alvará de separação, que nada tem a ver com a separação física do casal. E, mesmo que houvesse separação de fato anterior, não caberia ao juiz, no momento de apreciação do pedido de separação de corpos, investigar sobre a possível culpa do requerente da medida provisional, na separação do casal.
Pode ocorrer de o réu da ação matrimonial requerer a separação de corpos, se o autor não a pedira, caracterizando seu interesse em virtude das disposições contidas nos arts. 8º e 25 da Lei do Divórcio, que indicam a data da concessão do alvará de separação de corpos como o die a quo do prazo exigido para o pedido de divórcio, subsecutivo à separação judicial.
Admite-se da mesma forma que o juiz ordene ao marido afastar-se da morada do casal, em pedido de separação de corpos feitos pela mulher, se a saída desta do domicilio comum resultaria na simultânea retirada de vários filhos menores que a devessem acompanhar. Outra hipótese aceitável de separação de corpos decretada para que o outro cônjuge se afaste da morada do casal é a de tratar-se de casamento com separação de bens, sendo o cônjuge requerente da separação o proprietário exclusivo do prédio que constituía o domicilio conjugal.
A sentença que decreta a separação de corpos é constitutiva, não nos parecendo, todavia, aceitável afirmação do jurista de que esta demanda não teria eficácia mandamental preponderante. Não vemos como se poderia realizar o enunciado sentencial do decreto de separação de corpos que ordenasse o afastamento do outro cônjuge da morada do casal, senão concebendo-se a sentença como mandamental, sem, naturalmente, retirar-lhe a simultânea eficácia constitutiva decorrente da nova situação jurídica dos cônjuges, a que dá lugar a autorização para a dispensa da coabitação conjugal.
VII - Guarda e educação dos filhos e direito de visitas
O direito de ter consigo os filhos inclui-se no feixe de relações jurídicas entre pais e filhos tratado como pátrio poder. Os problemas inerentes aos direitos de guarda, portanto, envolvem em geral litígios sobre o pátrio poder; todavia, pode dar-se ocasião para o cabimento da provisional do art. 888, VII, quando esteja em causa a guarda de menores sob tutela, ou incapazes sob curatela.
A guarda dos filhos pode ser medida definitiva ou provisional, decretada, nesta última hipótese, com o mesmo sentido com que se decreta as outras provisionais cabíveis com a execução antecipada de alguma eficácia das ações matrimoniais. Pontes de Miranda afirma que o art. 888, VII, refere-se apenas à guarda e à educação dos filhos que se exercem cautelarmente, admitindo, embora, que essa mesma pretensão possa ser objeto de um provimento definitivo não provisional. Não obstante a manifesta intenção do legislador, posta no caput do art. 888, de tratar neste dispositivo apenas de medidas provisionais, não se pode excluir dele as ações definitivas de guarda de menores, em que tal provimento não seja pleiteado como medida liminar, mas com a eficácia de sentença definitiva de mérito, nos casos, por exemplo, em que o direito de guarda se exerça contra algum estranho, em cujo poder se encontre o menor sem controverter-se sobre o direito de pátrio poder. Não cremos que essas demandas devam obedecer ao procedimento comum, como ações ordinárias. Nos litígios sobre guarda e educação dos filhos travados entre os pais, todavia, a medida será sempre provisional, pois não se pode decidir sobre o direito de guarda sem ferir o direito de pátrio poder, de tal sorte que,, exercendo ambos os cônjuges as prerrogativas e os ônus que lhe são pertinentes, nenhum deles poderá ser privado do direito de guarda senão como decorrência de alguma ação em que se controverta sobre perda, suspensão ou, no mínimo, sobre quiescência do pátrio poder, em que a incidência do art. 394 do Código Civil se dê sob forma de restrições ao exercício desse direito-dever que não cheguem a importar na suspensão ou perda.
Qual a natureza da sentença que decide sobre a guarda e educação dos filhos, segundo o art. 888, VII? A busca e apreensão de pessoas, a qual jamais poderá ser autônoma, tem grande semelhança com a ação de guarda de filhos do art. 888, VII, Ambas são ações preponderantemente mandamentais.
A ação de guara e educação de filhos compreende, todavia, além da atribuição da guarda propriamente do menor, a regulamenta das questões atinente a sua educação, bem como a disciplina do direito de visitas reconhecido ao progenitor de quem se haja retirada a guarda do filho. De um modo geral, a modificação do direito de guarda implica a necessidade de simultânea regulação do direito de visita.
VIII - Interdição ou demolição de prédios
A estranha inclusão dentre as medidas provisionais do art. 888 das ações de interdição e demolição de prédios, quando haja risco para a saúde, a segurança ou outro interesse público, deve-se a proscrição das ações cominatórias como demandas condenatórias especiais, determinada pelo legislador do Código de 1973. Nos Códigos anteriores, tais pretensões estavam reguladas como ações cominatórias.
Não se pode, por certo, negar a possibilidade de que venha a ocorrer, no curso de uma ação para reparação ou modificação de prédio ruinoso, ou antes de seu ajuizamento, uma medida provisional de interdição de uso do prédio, caso em que o sentido cautelar da providencia pode emergir. Essa eventualidade, porem, não afasta a procedência do fato de que a interdição do art. 888, VIII, é a mesma interdição satisfativa e final de que tratava o art. 302, XI, do Código anterior que, pode até mesmo ser decretada pela administração publica, ex próprio marte, sem o beneplácito do Poder Judiciaria, cabendo ao particular socorrer-se da tutela jurisdicional contra os eventuais abusos e ilegalidade, como expressão legítima do poder de polícia conferido à Administração Publica.
Enganam-se os que supõem cautelar tudo o que seja preventivo. A ordem jurídica pode perfeitamente dar tratamento definitivo e satisfativo ao estado perigoso, seja interditando o prédio ou a atividade humana que nele se exerce, seja cominando pena a determinada conduta, apenas perigoso, como se dá com o crime de perigo do art. 132 do Código Penal que, certamente, não se há de ter como mais uma medida cautelar. Tudo afinal se resume numa questão de comedida e paciente tarefa de classificação de sentenças, por suas cargas de eficácias, sabendo-se que uma sentença cominatória (condenatória) jamais poderá ser apenas cautelar.
É importante ressaltar que o art. 888, VIII, ao referir-se à ação de interdição, indica como pressuposto da medida a necessidade de resguardar-se a saúde, a segurança ou outro interesse público, com evidente sentido preventivo, sugerindo que ainda não se esteja a declarar em sentença a nocividade do prédio a ser interditado, ou da atividade que nele se exerce, como prescrevia o art. 302, XI, do estatuto revogado, esclarecendo que a interdição, aqui, se fazia para que cessasse o uso nocivo da propriedade, condição esta que então se integrava na rei deductai da ação de interdição de prédio, e que o legislador de 1973 parece ter excluído da provisional homóloga do art. 888, VIII. Esta exegese, porém, não serio decisiva ainda para restauras o argumento da cautelaridade da interdição. De modo que, tanto nos crimes de perigo quanto na interdição do art. 888, VIII, apenas se resguarda ou a vida, ou a saúde, ou a segurança, ou afinal qualquer outro interesse público, sem que o tratamento, aqui do estado perigoso, seja só cautelar.
Pontes de Miranda tem como legitimados ativos para estas demanda, além do Poder Público interessado, igualmente o vizinho e inclusive o transeunte obrigado a transitar constantemente pelo local perigoso. Tanto o particular quanto o Poder Publico, porém, não ficam vinculados à declaração de improcedência possivelmente emanada da sentença de rejeição da demanda que o primeiro ajuizar; mas a procedência da primeira ação faz coisa julgada para evitar a proposição da mesma demanda por outrem. É o notável efeito constitutivo erga omnes que toda sentença de interdição possui.