SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Princípios para interpretação constitucional; 2.1 Princípio da maior efetividade possível; 2.2 Princípio da interpretação de acordo com a Constituição; 2.3 Princípio da harmonização; 2.4 Princípio da unidade da Constituição; 2.5 Princípio da conformidade funcional ou da justeza; 3 Princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade; 4 O princípio da proporcionalidade em sentido estrito e a colisão dos direitos fundamentais; 5 Considerações finais; Referências bibliográficas
1 INTRODUÇÃO:
O fenômeno da interpretação[1] não é prerrogativa do mundo jurídico, porquanto todos os aspectos da vida social exigem certa dose de interpretação para a compreensão da mensagem que se quer passar. É o que se vê, por exemplo, na música Garota de Ipanema, inúmeras vezes regravada por artistas do mundo afora, cada qual a sua maneira, respeitada a composição original.[2]
Com o direito não é diferente, até porque a clareza da lei é sempre algo relativo e está intimamente ligada aos olhos do interprete, que traz consigo uma gama de variáveis subjetivas, experiências intrínsecas somadas a formação moral e à época em que vive.
No campo da Constituição, a interpretação depende do prévio conhecimento do sistema constitucional, da realidade social e de uma leitura metódica do texto contextualizado com o ordenamento jurídico.
Por isso, é possível afirmar que a interpretação constitucional é realizada através da hermenêutica constitucional, pela utilização de elementos e processos interpretativos, com o intuito de verificar, compreender e metodizar de forma sistemática os princípios cientificos e leis decorrentes que orientam a apuração do conteúdo, do espírito e da finalidade das normas jurídicas, para sua aplicação.[3]
Neste sentir, a hermenêutica é a responsavel pela sistematização de regras e princípios destinados a obtenção do real sentido e alcance das normas constitucionais, e isso, se materializa através do uso de ferramentas que alcancem a intenção do legislador na elaboração da norma constitucional.
Mas, a par de todas as dificuldades, é certo que em tempos passados o intérprete caminhava em terreno seguro, no qual bastava a mera subsunção dos fatos a norma, culminando em conclusão invariavelmente bem próxima da unanimidade. Esses tempos se foram, e atualmente o que se vê é um novo modelo interpretativo, baseado em uma postura construtiva e não mais meramente subjuntiva, no qual a Constituição é uma edificação engenhosa que garante os direitos fundamentais do homem contra o Estado, ao mesmo passo em que é a Lei maior desse mesmo Estado.[4]
Atualmente, a complexidade dos conflitos subjetivos é enorme, e não raras vezes envolvem direitos fundamentais com a necessária sobreposição de direitos, diante da busca incessante da interpretação mais razoável para a solução do caso concreto. Logo, não há como aceitar intérpretes que margeiam a verdade dos fatos para encontrar uma falsa legitimação jurídica que atenda seus interesses.
Com efeito, é preciso comprometimento com a cientificidade da interpretação constitucional em níveis dogmaticamente possíveis, para com criatividade, superar o legalismo estrito para encontrar no próprio sistema a resposta mais justa para as questões que afligem a sociedade atual.[5]
2 PRINCÍPIOS PARA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
O inicio de toda atividade jurídica está umbilicalmente ligada aos direcionamentos constantes nos princípios, de modo que para se obter o real sentido de uma norma e extrair seu conteúdo, sob a ótica da Constituição Federal, necessário se faz a observância dos princípios que norteiam a atividade constitucional.
“Os princípios são conceitos fundamentais de um sistema, que dão caráter coesivo, harmonioso, lógico, admitindo a compreensão de sua forma de organizar-se, sendo indispensável sua identificação pelo jurista, pois senão este corre o risco de não poder nunca trabalhar com o direito”.[6] Em sede constitucional, os princípios têm o papel de legitimar o ordenamento jurídico-positivo, pois possuem os valores soberanos presente nos direitos, nas garantias e nas competências de uma coletividade constitucional. De outro lado, como se fosse face da mesma moeda, os princípios constitucionais possuem a função hermenêutica, servindo de vetor para compreensão e aplicação das regras constitucionais.
Daí a imprescindibilidade da interpretação das normas constitucionais através dos princípios, sem a qual, Constituição Federal não atingiria nenhum dos fins propostos, ensejando um dano incomensurável a sociedade.
2.1 Princípio da maior efetividade possível
A interpretação das normas constitucionais deve-se voltar sempre para o sentido que impute maior efetividade possível ao texto, observando os “(...) limites de razoabilidade no regramento das relações de que cuida, para não comprometer o seu caráter de instrumento normativo da realidade social.”[7]
O art. 5.º, caput, da Constituição Federal de 1988, ao tratar da inviolabilidade do direito à vida garantida aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país é uma boa lembrança da aplicação do princípio da maior efetividade possível, pois é de clareza solar que o direito a inviolabilidade do direito à vida deve ser atribuído também aos estrangeiros não residentes, em que pese a omissão do texto.
Daí a necessidade do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, justamente para buscar maior efetividade nos casos em que há omissão do legislador, suscitando a denominada inconstitucionalidade por omissão.
Esse princípio merece aplicação também nos casos de contradição das normas constitucionais, conquanto deve a problemática ser resolvida de modo que dê maior efetividade possível a estas normas e, caso este conflito envolva direito fundamental deve haver interpretação de modo que a este direito fundamental seja concedida maior efetividade possível. [8]
2.2 Princípio da interpretação de acordo com a Constituição
A idéia expressa nesse princípio é que a linha de entendimentos tenha harmonia com a Constituição, afastando-se da interpretação proveniente de uma leitura mais óbvia e simplista do dispositivo.
Assim, merece exclusão as interpretações que contrariem a Magna Carta, transparecendo o controle de constitucionalidade que implica em determinar a ilegitimidade de determinada lei legal que contradiga o texto constitucional.
Neste sentir, “o princípio da interpretação conforme à Constituição ("Verfassungskonforme Auslegung") é princípio que se situa no âmbito do controle da constitucionalidade, e não apenas simples regra de interpretação. A aplicação desse princípio sofre, porém, restrições, uma vez que, ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei em tese, o STF, em sua função de Corte Constitucional, atua como legislador negativo, mas não tem o poder de agir como legislador positivo, para criar norma jurídica diversa da instituída pelo Poder Legislativo. Por isso, se a única interpretação possível para compatibilizar a norma com a Constituição contrariar o sentido inequívoco que o Poder Legislativo lhe pretendeu dar, não se pode aplicar o princípio da interpretação conforme à Constituição, que implicaria, em verdade, criação de norma jurídica, o que é privativo do legislador positivo.”[9]
E sua aplicação é muito comum e para efeito de exemplo é de se lembrar da ADI 1946 MC, na qual o Supremo Tribunal Federal negou a incidência da regra constitucional expressa na Emenda Constitucional 20/98, que restringia todos os benefícios previdenciários ao teto da previdência. O caso versava sobre a licença-gestante, e o argumento utilizado foi embasado na idéia de que caso a empresa fosse obrigada com a diferença dos valores, ocorreria um fechamento do mercado de trabalho para a mulher, fulminando assim com o princípio da isonomia.
Não se pode perder de vista que a atividade legislativa ordinária é direcionada pela Constituição de modo que quando o Poder Judiciário prestigia a interpretação selecionada pelo legislador, está apoiando a interpretação da Constituição segundo a lei, o que somente não procede se transigir com a pretensão do texto constitucional.[10]
2.3 Princípio da harmonização
A interpretação das normas constitucionais deve ser realizada de modo harmonioso, na qual, a interpretação de uma norma auxilie na interpretação de outra, evitando a visão fragmentada, partida.
O princípio da harmonização recomenda ao intérprete a tarefa de localizar um ponto comum que permita a coexistência pacífica de duas leis constitucionais conflituosas, cabendo da extração de cada lei incompatível uma função útil no interior do sistema, sem que o aproveitamento de uma implique no desaparecimento da outra.[11] Em atenção a este princípio, a interpretação deve se dar de maneira que impeça incoerências entre normas, mas, se existirem, em um caso peculiar, deve se conciliar as suas diferenças para alcançar a conclusão que mais atenda à coerência constitucional[12].
2.4 Princípio da unidade da Constituição
A essência da Constituição Federal positivada repousa em princípios que lhe conferem harmonia e coerência, logo, sua interpretação não pode ser pontual. [13]
Neste sentir, o princípio da unidade da Constituição ganha importância porque considera a Constituição em sua globalidade e intenta harmonizar os espaços de tensão, a fim de interpretar o Direito Constitucional no sentido de evitar contradições (antinomias, antagonismos), entre suas normas.[14]
O ilustre jurista EROS GRAU já ensinava que “não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços”.[15] A Constituição é fruto da vontade unitária do Poder Constituinte, não podendo desse modo estar em conflito e, a interdependência havida entre as normas constitucionais deve fazer com que o intérprete sempre analise a norma dentro de um conjunto de normas e jamais de modo isolado. Esse é o espírito deste princípio.
2.5 Princípio da conformidade funcional ou da justeza
O cerne deste princípio é a coesão do sistema constitucional, não admitindo interpretação da Constituição Federal que resulte na destruição ou na confusão do sistema organizatório-funcional de distribuição de funções expresso pelo legislador constituinte originário.[16] Aqui, não se aceita interpretação que desrespeite a separação de funções e atribuições realizadas pela Constituição.
3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE OU DA RAZOABILIDADE
O princípio da proporcionalidade (denominação alemã) ou da razoabilidade (denominação norte americana) tem por finalidade precípua impedir limitações desproporcionais aos direitos fundamentais por atos administrativos ou por atos legislativos.
É dotado de duas vertentes. De um lado, busca a proteção dos direitos fundamentais expressos e implícitos na Constituição Federal, inibindo a arbitrariedade e a discricionariedade dos juízes. De outro, funciona como parâmetro na resolução de conflitos havidos entre princípios constitucionais.
No Brasil, o principio da proporcionalidade não tem previsão expressa, “mas existe como norma esparsa no texto constitucional”.[17] E a concreção do princípio da proporcionalidade pode ser visualizada na dicção do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal, que ressalva a existência de outros direitos fundamentais, ainda que não expressos na Constituição cidadã, derivada do estado de direito e dos princípios que tornam inviolável a unidade da Constituição.[18] Nesta toada, é possível se afirmar que o princípio da proporcionalidade completa o princípio da reserva legal e se converte no denominado princípio da reserva legal proporcional e no princípio do devido processo legal substancial.[19] Foi utilizado pela primeira vez no Supremo Tribunal Federal no ano de 1993, em sede de controle de constitucionalidade (medida liminar de suspensão dos efeitos da Lei Paranaense n.º 10.248, de 14.01.93) e é caracterizado pela presença de três elementos ou subprincípios, a saber: adequação, necessidade e proporcionalidade “stricto sensu”, que devem ser utilizados como etapas.
No caso o intérprete somente está autorizado a passar de um elemento para outro quando houver necessidade para a solução de determinado conflito. Em rigor, a solução de conflitos de direitos fundamentais inicia-se pela adequação do meio, passando ao critério necessidade e somente ao final, usa-se a ponderação.[20] A utilização da “adequação do meio” para a solução de conflitos de direitos implica na utilização de um meio capaz de alcançar o fim desejado, sem violar outros princípios ou outros meios.[21]
A toda evidência, o subprincípio da adequação deixa transparecer a exigência de compatibilidade entre fins e meios, e “(...) ordena que se verifique, no caso concreto, se a decisão normativa restritiva (o meio) do direito fundamental oportuniza o alcance da finalidade perseguida”. De outra volta, o aspecto da necessidade pode ser entendido como a ausência de outro meio menos restritivo com um custo menor, ou seja, que haja “(...) necessidade da decisão normativa restritiva de direito fundamental para atingir o fim constitucionalmente justificado”.[22] De uma forma simplória, o meio utilizado não pode ultrapassar os limites indispensáveis para obtenção do resultado pretendido, optando-se, sempre, pela medida menos danosa à coletividade.
E a verificação da necessidade de determinada medida se dá no sopesamento dos bens e valores em questão, à luz da Constituição Federal, com nítida preferência àquela medida que resguarde, ao máximo, a finalidade pretendida pela regra.[23] Por último, mas não menos importante, tem-se o subprincipio da proporcionalidade em sentido estrito, cujo foco cuida da idéia de um sistema, que ao garantir um direito, por vezes, limita outro. Donde se conclui que o direito resguardado por determinada norma apresenta teor de valor superior ou diminuído.[24]
Neste diapasão, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito impõe uma avaliação global da hipótese fática, com a devida correspondência jurídica entre fins e meios, no intuito de se verificar as vantagens e desvantagens da utilização dos meios, à vista de outros fins abrangidos no litígio. Cuida, portanto, de um processo de harmonização dos princípios em conflito, evitando a exclusão total de um em razão do outro.[25]
Diante disso, é possível afirmar que o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito é a última etapa a ser vencida e somente deverá ser apreciado quando se verificar que o ato é adequado e necessário.
Ao cuidar de colisões envolvendo direitos fundamentais, Alexy formulou a denominada “Lei da Ponderação”, que outros autores, como Steinmetz, pensam se tratar do próprio princípio da proporcionalidade em sentido estrito.
O método de ponderação de princípios denominado de “Lei do Sopesamento” consiste em três fases gradativas: inicia com a definição do alcance da restrição a um princípio; ao depois, verifica-se a importância de se cumprir o outro princípio e, por fim, pondera se a realização do segundo princípio justifica a limitação do primeiro.
Conclui-se, portanto, que em caso de colisão de direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade por meio de sua ponderação, mensuração e avaliação, definirá no caso concreto, a prevalência de um direito em prejuízo de outro.