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Indignado com você mesmo (sic)?

06/04/2015 às 08:22
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Ao ouvir as notícias sobre a operação Lava Jato, muitos comentam que a corrupção no Brasil é uma coisa normal. Será esse o caso?

O borbulhar da Operação Lava Jato, diante da corrupção na Petrobrás, trouxe um grande, geral e quase irrestrito chafurdar na cultura política e cataclismo na identidade brasilis. Cada dia ouço mais pessoas falarem, espernearem sua indignação com a prática dos atos corruptos. A própria CPI instalada – se adernar muito em cima das empreiteiras – pode parar o país. Não há grande obra no Brasil em que as empresas dos sete pecados do capital não tenham seus selos estampados.

 A crônica, do barbeiro ao Jornal da Globo é a seguinte: “Os corruptos dizem que a corrupção no Brasil é uma coisa normal; sem a caixinha não se destrava nada na longa burocracia. Como pode isso, corrupção normal?”. A minha indignação é com a falsa indignação dos astutos, pesarosos ou ignorantes da política brasileira. Quem não sabe que a corrupção é o motor do país? Esteve dormindo todos esses anos? Acordou e descobriu que não há anjos em política? Soube ontem/hoje que o Estado foi feito por elites de rapina e que o Poder Político sempre serviu a essas elites?

 É batido, mas não há como não se lembrar do Analfabeto Político do dramaturgo Bertold Brecht: “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, não participa dos acontecimentos políticos [...] O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política”. Quando vamos à farmácia e o vendedor pergunta: com ou sem nota? O que ele estará sugerindo? Se o empresário paga uma propina ao fiscal da prefeitura, para fechar os olhos diante da falta de algum item de segurança, este indivíduo faz o quê? Se outros empresários, bem graúdos, enviam dinheiro para paraísos fiscais, será algo “normal”? Executivos que “compram facilidades” são vítimas da má sorte? Juízes que vendem sentenças fortalecem o Estado de Direito? Se você forçar a barra, para agilizar um interesse seu, só porque conheço beltrano ou fulano, será uma prática normalíssima da vida pública? Quem faz gato na energia elétrica ou na água tem apreço pela comunidade? E o outro que superfatura a nota fiscal no posto ou no restaurante, para a empresa pagar a mais do que ele consumiu, estará promovendo divisão de lucros? E a grande e a pequena imprensa, vivendo à custa do erário, promoverão divisão de rendas?
 Outro dia, um reitor de importante universidade privada – indignado – fala-me da falta de escrúpulos do Poder Público. Quando terminou de pular e se sentou de novo, disse-lhe que seu patrimônio, pelo menos metade dele, é garantido pelas bolsas FIES (Fundo de Financiamento Estudantil) do Governo Federal. Isto é, sem essas bolsas, pagas com dinheiro público, mais da metade de seus alunos já teria ido embora e ele seria bem menos rico. É claro que não gostou, mas entendeu. Não ficamos amigos e nem inimigos. Porque temos de tudo nas elites, menos burrice – e sempre se aprecia um argumento lógico e simples.

 Portanto, não me espanta a corrupção na Petrobrás, ainda mais porque quem passou pela história do Brasil no ensino médio (e não ficava jogando truco) sabe que a bomba de prospecção começou no Governo de Juscelino Kubitschek, aprofundou-se deveras na ditadura militar, ganhou fôlego no período FHC e triunfou nos últimos anos. Aliás, com FHC, estivemos na iminência de perder o maior patrimônio nacional. Queriam privatizá-la; forçaram uma crise rentável. Para vender suas ações no exterior, seria rebatizada. Petrobrax! Com este nome fantasia da era de Obelix – um herói gaulês – seria mais palatável ao capital internacional. Seguiria o caminho da CSN, Embraer, Vale do Rio Doce e tantas outras. Assim como se deu com as rodovias pedagiadas em São Paulo, em regime de comodato. Falava-se da “privataria”. 

Então, quem deve estar indignado?

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Indignado com você mesmo (sic)?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4296, 6 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34235. Acesso em: 22 dez. 2024.

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