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A aposentadoria por idade híbrida e sua restrição ao trabalhador rural:

entendimento do STJ e da TNU

29/10/2015 às 17:18
Leia nesta página:

O artigo expõe as dúvidas de interpretação quanto ao artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, acerca da sua aplicabilidade aos trabalhadores urbanos, bem como o recente entendimento do STJ e da TNU.

A aposentadoria por idade híbrida ou “mista” foi incluída no Regime Geral de Previdência pela Lei 11.718/2008, a qual acrescentou o § 3º ao artigo 48 da Lei 8.213/1991, permitindo que os trabalhadores rurais que completassem 65 anos, homem ou 60 anos, mulher, que não atendessem aos requisitos do artigo 48, § 1º e § 2º (aposentadoria por idade rural “pura”), pudessem computar eventuais períodos urbanos na carência.

Ou seja, contemplou uma “alternativa” para os trabalhadores campesinos que não preenchessem todos requisitos para a aposentadoria por idade rural “pura”, previstos nos parágrafos 1º e 2º, quais sejam:  idade de 55 anos para mulher e 60 anos, homem, bem como a comprovação do período rural no período imediatamente anterior ao requerimento, pelo período de meses equivalente à carência.

Ocorre que estabeleceu-se uma divergência na doutrina e jurisprudência acerca da interpretação correta e do alcance a ser dado ao dispositivo do artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/1991. Para melhor compreendê-la, leia-se o artigo 48 e seus parágrafos:

“ Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

§ 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.       (Redação Dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

§ 2o  Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período  a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei.      (Redação dada pela Lei nº 11,718, de 2008)

§ 3o   Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considera   dos períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.      (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008)

A discussão que surgiu é se o novo benefício abarcaria os trabalhadores urbanos, ou seja, se estes poderiam computar ou mesclar período rural anterior ou posterior a 11/1991 como carência, para obtenção da aposentadoria por idade.

Inclusive, a dúvida surgiu porque o artigo 51, §4º, do Decreto 3.048/99, com redação dada pelo decreto 6.777/2008, publicado em 30/12/2008, o qual determinou que:

“Art. 51. (...)

§4º Aplica-se o disposto nos §§ 2º e 3º ainda que na oportunidade do requerimento da aposentadoria o segurado não se enquadre como trabalhador rural

Uma corrente doutrinária e jurisprudencial passou a sustentar que pouco importava se o segurado era rural ou urbano quando do requerimento, podendo somar ou mesclar os tempos para fins de obter o benefício aos 65 anos, homem e 60, mulher.

De outro lado, houve quem defendesse que o § 4º, acima transcrito, apenas visa resguardar o direito adquirido daqueles que, tendo implementado as condições para a aposentação enquanto trabalhador rural, deixassem para formular o requerimento em momento posterior.

Contudo, importante observar a vedação contida no artigo 55, § 2º, da Lei 8.213/1991:

 § 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.

Além disso, dispositivo abaixo esclarece que o período de atividade rural exercido posteriormente não deve ser computado nem como tempo de contribuição, nem como carência, exceto se o segurado especial contribuir na forma prevista no texto do artigo 39, inciso II:

“Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do Art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:

............................................................................

II - dos benefícios especificados nesta Lei, observados os critérios e a forma de cálculo estabelecidos, desde que contribuam facultativamente para a Previdência Social, na forma estipulada no Plano de Custeio da Seguridade Social”.

...........................................

Ou seja, dos artigos acima se extrai que não há como computar período rural anterior a 11/1991 como carência para aposentadoria urbana. O período posterior a essa data não se computa seja para tempo de contribuição nem para carência, a não ser que haja recolhimentos.

No parecer nº 19/2013/CONJUR-MPS/CGU/AGU estão expostos diversos fundamentos que respaldam o entendimento de que o novo benefício se destina ao trabalhador rural, dentre eles:

  1. a literalidade do artigo 143 da Lei 8.213/1991, ao dispor que o trabalho rural, para servir como carência para aposentadoria rural, deve ser posterior a Lei 8.213/1991;
  2.  o artigo 26 do RPS dispõe não ser computável como carência o período anterior a 1991;
  3. a TNU se posiciona no sentido de que o trabalho rural anterior a 1991 não pode ser computado para fins de carência.

Além disso, destaca que o regime previdenciário anterior (LC 11/71 e Decreto 80.380/79) até considerava o trabalho rural como carência, mas o benefício tinha contornos diversos (aposentadoria por velhice).

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A conclusão do parecer é no sentido que a aposentadoria prevista no artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/1991 tem natureza de benefício rural, de modo que o preenchimento dos seus requisitos deve se dar enquanto o segurado detém a qualidade de trabalhador rural. Ou seja, ela se destina àqueles trabalhadores que em algum momento foram para o serviço urbano mas retornaram ao campo.

Em recente decisão o STJ entendeu de maneira diferente, no REsp 1367479, da relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques. Veja o trecho do voto:

“A partir da Lei 1.718/208, permitiu-se mesclar os requisitos das aposentadorias por idade urbana e rural, daí denominação aposentadoria por idade híbrida.

É apontamento sociológico que no Brasil existem inúmero segurados da Previdência Social que laboram no meio rural por longo tempo e, posteriormente, buscaram melhores condições devida na área urbana, laborando na qualidade de trabalhador urbano. Trata-se do fenômeno do êxodo rural”.

O Ministro acrescenta que a inovação jurídica teve o escopo de garantir o mínimo existencial àqueles que representam grande parte da Nação brasileira.

Leia-se a ementa:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO “ESPECIAL. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC. NÃO CARACTERIZAÇÃO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. ARTIGO 48, §§ 3º E 4º DA LEI 8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.718/2008. OBSERVÂNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. A Lei 11.718/2008 introduziu no sistema previdenciário brasileiro uma nova modalidade de aposentadoria por idade denominada aposentadoria por idade híbrida. 2. Neste caso, permite-se ao segurado mesclar o período urbano ao período rural e vice-versa, para implementar a carência mínima necessária e obter o benefício etário híbrido. 3. Não atendendo o segurado rural à regra básica para aposentadoria rural por idade com comprovação de atividade rural, segundo a regra de transição prevista no artigo 142 da Lei 8.213/1991, o § 3º do artigo 48 da Lei 8.213/1991, introduzido pela Lei 11.718/2008, permite que aos 65 anos, se homem e 60 anos, mulher, o segurado preencha o período de carência faltante com períodos de contribuição de outra qualidade de segurado, calculando-se o benefício de acordo com o § 4º do artigo 48.  4. Considerando que a intenção do legislador foi a de permitir aos trabalhadores rurais, que se enquadrem nas categorias de segurado empregado, contribuinte individual, trabalhador avulso e segurado especial, o aproveitamento do tempo rural mesclado ao tempo urbano, preenchendo inclusive carência, o direito à aposentadoria por idade híbrida deve ser reconhecido. 5. Recurso especial conhecido e não provido”

Embora o STJ discorra sobre argumentos de cunho sociológico para permitir a mescla de períodos rurais e urbanos para concessão de aposentadoria por idade urbana, tanto a literalidade do dispositivo, quanto a interpretação sistemática do ordenamento jurídico vão em sentido diverso. Isto porque, o artigo dispõe expressamente que o benefício se destina aos trabalhadores rurais, não havendo previsão de fonte de recursos para financiar esta ampliação do benefício em favor dos trabalhadores urbanos, afrontando-se o artigo 195, § 5º da CF/88 e o artigo 55, § 2º da Lei 8.213/1991.

A TNU – Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais acabou sufragando o entendimento do STJ, em sessão de 12/11/2014, conforme notícia publicada no site da CJF em 21/11/2014.

De tudo que foi exposto, conclui-se que o benefício híbrido previsto no artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/1991 não abrange os trabalhadores urbanos, sendo destinado aos trabalhadores rurais que, por algum motivo, trabalharam no meio urbano, mas retornaram ao campo, sendo o artigo 51, § 4º do Decreto 3.048/1999 uma norma que objetiva resguardar o direito adquirido daqueles que implementaram as condições enquanto rurais e deixaram para formular o pedido em momento posterior.


Bibliografia:

KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. Salvador, Juspodivum, 2006.

SIMÕES. Roberta Nascimento. Parecer nº 19/2013/CONJUR-MPS/CGU/AGU. Disponível em www.previdencia.gov.br

AILEU, Wesley Gomes e Silva. A aposentadoria por idade mista – entre o segurado especial e o trabalhador urbano. Disponível em http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14224

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Sobre a autora
Marina Fontoura de Andrade

Procuradora Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Marina Fontoura. A aposentadoria por idade híbrida e sua restrição ao trabalhador rural:: entendimento do STJ e da TNU. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4502, 29 out. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34293. Acesso em: 21 nov. 2024.

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