A investidura é uma modalidade de aquisição derivada da propriedade imobiliária em que o particular, em específicas condições de fato, precedida dos atos administrativos licitatórios concernentes, adquire diretamente do Poder Público a titularidade sobre determinado bem.
Encontra-se positivada no artigo 17, I, alínea d), da Lei de Licitações (Lei 8666/93), e delineada às minúcias no §3º do referido dispositivo, in verbis:
Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
d) investidura;
§ 3o Entende-se por investidura, para os fins desta lei: (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)
I - a alienação aos proprietários de imóveis lindeiros de área remanescente ou resultante de obra pública, área esta que se tornar inaproveitável isoladamente, por preço nunca inferior ao da avaliação e desde que esse não ultrapasse a 50% (cinqüenta por cento) do valor constante da alínea "a" do inciso II do art. 23. desta lei; (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)
II - a alienação, aos legítimos possuidores diretos ou, na falta destes, ao Poder Público, de imóveis para fins residenciais construídos em núcleos urbanos anexos a usinas hidrelétricas, desde que considerados dispensáveis na fase de operação dessas unidades e não integrem a categoria de bens reversíveis ao final da concessão. (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)
Portanto, nas condições especialíssimas que a Lei aponta, reproduzidas acima, está a Administração Pública autorizada a promover a alienação "direta" ao particular lindeiro de área remanescente de obra pública ou ao possuidor de imóvel residencial descrito na alínea II, sem a competitividade peculiar que os procedimentos licitatórios da Concorrência ou Leilões Públicos impõem, haja vista sua previsão de dispensa, desde que precedidas de avaliação e demais atos administrativos concernentes à formalização de tal intento.
No entanto, é preciso que se reforce que a investidura não é apenas uma ferramenta da qual a Administração Pública dispõe para se desfazer de imóveis que, fática e oficialmente, não mais possuem algum interesse aos seus serviços ou à própria coletividade.
Também não o é, somente, uma forma de trazer ao particular a cidadania ou oportunidade de acesso às garantias da função social da propriedade, que vê, nesta modalidade de aquisição imobiliária, a permissão legal de acesso a um imóvel com o qual já possui interesses diretos, seja na utilização de área lindeira sem alguma destinação, seja na legalização definitiva de uso de imóvel residencial público.
A investidura, além dessas missões importantes e de extrema relevância para a coletividade e para o mercado imobiliário como um todo, tratando-se em específico do inciso I, possui também outro enfoque e que, sobre o qual, deve-se trazer os créditos devidos, sempre na busca por um ambiente fundiário concatenado com a ordem jurídica vigente.
A investidura, de fato, é uma importante ferramenta de regularização imobiliária, cadastral e registral, de imóveis, assim como é o artigo 213 e seguintes da Lei 6015, aliando-se a esta última, na importante missão de adequação da realidade fática dos espaços territoriais urbanos àqueles previstos nos dados cadastrais constantes dos fólios registrais e de cadastro das municipalidades, dando a estes atores da cena imobiliária, o incremento dos emolumentos cartorários e da exação tributária territorial, como também a de funcionar na forma de instrumento de rearrumação dos espaços públicos e privados dentro de uma estrutura fundiária legalmente estabelecida.
Como é cediço, a retificação registrária é um importante instrumento de correções de incongruências cadastrais de imóveis, que proporciona, além da adequação à realidade de vários dados do bem em questão, a alteração de limites e áreas de tais bens.
Na verdade, com a referida ferramenta, o legislador teve a inteligência de permitir ao proprietário do imóvel de ver as reais e efetivas medidas, perimetrais e de área, escorreitamente definidas no fólio registral, possibilitando-lhe meios eficazes de não mais se deparar, por exemplo, com pequenos espaços territoriais, e lindeiros ao imóvel efetivamente registrado no CRI, dos quais possui legitimamente a Propriedade, mas que por motivos outros, como desatualização de dados ou mesmo mensurações imprecisas antigas ou incorretas maculam os dados registrais.
O fato é que, para sobras de áreas ou espaços territoriais adjacentes, fronteiriços aos imóveis matriculados, dos quais os proprietários destes últimos detenham legitimamente, também, a propriedade dos primeiros, a retificação registrária atua como remediadora de tal problema e, como efeito conseqüente, vem trazer a regularização imobiliária ao espaço territorial no qual existem tais tipos de ocorrências, adequando a realidade fática à formal.
Enfim, a Lei 6015, por meio do referido dispositivo, não apenas permite ao particular de ver oficializados e publicizados, por meio dos cadastros do CRI, os dados atualizados de seu imóvel, mas abre a oportunidade ao Poder Público e CRIs de movimentarem suas atividades específicas dentro de uma ambiência espacial fática congruente com a realidade formal, permitindo uma maior autoridade, por exemplo, na imposição e quantificação da exação territorial urbana e, ao Oficial Registrador, do cálculo de emolumentos cuja base seja o preço de venda, que obedece a área territorial do imóvel em questão.
A investidura, digamos, se acosta também a este mister. Ou melhor, a este fim precípuo.
Não na intenção de apenas corrigir medidas perimetrais ou áreas territorais (o que também o faz, logo após o procedimento de fusão da outrora área pública com a particular) mas sobretudo a de trazer titularidade ao particular de espaços territoriais públicos lindeiros sobre os quais o Estado não vislumbra mais alguma utilização ou finalidade de interesse coletivo, e de reinserir estes últimos numa conjuntura fundiária correta em que o Poder Público, feitas as intervenções construtivas que desejava, observa como a ideal para a convivência harmônica do interesse coletivo com o particular.
A investidura, portanto, permite ao Poder Público uma rearrumação do espaço territorial no qual aquele pedaço de área está inserido, agregando-o não apenas a um lote particular, mas dando a possibilidade a este pequeno terreno de concretamente expressar as suas potencialidades funcionais e construtivas em prol de alguém que tem interesses diretos, palpáveis, que pode fazer emergir, da fato, a sua função social.
Ao recolocar este imóvel na economia imobiliária, o Poder Público não apenas gera benefícios diretos a si próprio (concernente ao valor auferido pela transação da investidura) e ao particular (de agregar ao seu imóvel uma área com a qual, pela localização, tinha interesses diretos), mas sobretudo impõe efeitos práticos indiretos, como o aumento de sua exação tributária territorial (impulsionada pelo aumento da área-base para cálculo do imposto) e a geração de emolumentos cartorários concernentes à oficialização da investidura (custas referentes à escrituração e registro), como também dos passos seguintes de regularização do novo imóvel (relativos à fusão entre a outrora área pública com a particular).
Enfim, muito além de um mero modo de aquisição derivada da propriedade imobiliária ou de forma de desfazimento de imóvel público inservível à Administração, a investidura é e deve ser encarada pelo Poder Público como importante ferramenta na difícil missão de reorganização e regularização imobiliária dentro de uma estrutura fundiária legalmente estabelecida.