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Ação rescisória e litisconsórcio no processo originário da decisão rescindenda

14/04/2016 às 13:04
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Há necessidade de citação, em ação rescisória, de todos os litisconsortes do processo original quando o objeto da ação é a desconstituição de capítulo decisório que beneficiou apenas um ou alguns deles?

1 INTRODUÇÃO

A problemática do presente artigo versa se (i) havendo litisconsórcio na ação de origem da decisão que se pretende rescindir; e (ii) a ação rescisória tiver por objeto a rescisão de capítulo da decisão que beneficiou apenas um ou alguns dos litisconsortes; há necessidade de citação de todos os litisconsortes ou somente daqueles beneficiados pelo capítulo a ser rescindido?


2 JULGAMENTO DA AR Nº 1.519/SC PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Para a elucidação da questão posta, faz-se mister analisar o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Rescisória nº 1519/STF. A citada ação foi proposta pela União (Fazenda Nacional) com o objetivo de rescindir acórdão da Segunda Turma que assegurara o recolhimento da contribuição para o FINSOCIAL, prevista no art. 28 da Lei nº 7.738/89 à alíquota de 0,5% sobre a receita bruta, sem as majorações implementadas pelos arts. 7º da Lei nº 7.787/89, 1º da Lei nº 7.894/89 e 1º da Lei nº 8.147/90.

Entretanto, a propositura se deu apenas com relação a 3 das 25 empresas originalmente litisconsortes. Pretendia a União (Fazenda Nacional) a desconstituição parcial do acórdão quanto às três empresas prestadoras de serviço, tendo em vista o entendimento consolidado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no sentido de que as majorações de alíquota veiculadas pelas Leis nº 7.787/89, 7.894/89 e 8.147/90, relativas às empresas exclusivamente prestadoras de serviços, são constitucionais.

O ministro Ilmar Galvão, relator, votou no sentido de julgar procedente a ação para rescindir, em parte, os acórdãos da Segunda Turma no recurso extraordinário e nos subsequentes embargos de declaração relativamente às três empresas rés, com a cassação da segurança por elas impetrada, entendendo que não se estava diante de litisconsórcio unitário nem necessário, mas sim facultativo, formado por empresas comerciais e prestadoras de serviço, de maneira que o acórdão impugnado incorrera em ofensa a disposição literal da lei e da Constituição no que concerne às empresas prestadoras de serviço, não merecendo alteração quanto às demais.

Por sua vez, o ministro Maurício Corrêa votou no sentido de julgar extinto o processo sem julgamento do mérito, entendendo que, embora o litisconsórcio ativo fosse facultativo no momento do ajuizamento do mandado de segurança, o fato de as partes serem beneficiárias de uma única decisão judicial transitada em julgado implica que, para os fins da ação rescisória, sejam elas tidas como litisconsortes passivos necessários, não sendo possível que a decisão rescindenda permaneça válida para umas e inválida para outras.

Em seu voto-vista, o ministro Menezes Direito constatou que a impetração teve por escopo a declaração de que todas as impetrantes não estavam sujeitas ao pagamento do FINSOCIAL no percentual de 1%, em face da inconstitucionalidade do próprio FINSOCIAL, não tendo havido qualquer discriminação sobre a natureza jurídica das empresas. Sustentou, ainda, que o litisconsórcio que se formou era facultativo e que a distinção somente teria surgido nos embargos de declaração, cujo acórdão, contudo, limitou-se a esclarecer, sem efeitos modificativos, que a alíquota seria de 0,5% até a Lei Complementar nº 70/91 para as empresas exclusivamente prestadoras de serviço.

Desse modo, entendeu o ministro, não haveria nenhum exame de que todas as impetrantes estavam, ou não, na mesma situação, não sendo suficiente a mera indicação da Fazenda Nacional, contestada pelas 3 empresas rés na rescisória. Afirmou que, se assim não fosse, eventual procedência da rescisória, sem que as demais impetrantes tivessem oportunidade de discutir a sua natureza jurídica, implicaria violação ao princípio do contraditório. Os ministros Cezar Peluso e Cármen Lúcia acompanharam o ministro Menezes Direito, tendo em vista o fato de ter ficado explícito no dispositivo que as situações concretas de cada empresa poderiam ser discriminadas na execução do mandado de segurança.

Portanto, a Corte extinguiu, sem julgamento do mérito, a ação rescisória ajuizada pela União (Fazenda Nacional), considerando imprescindível a formação do litisconsórcio passivo necessário entre todas as empresas participantes do processo original. Entendeu o STF que a coisa julgada teria definido, de maneira genérica, os parâmetros jurídicos de aplicação das regras legais concernentes ao FINSOCIAL, e que caberia ao juízo da execução a individualização da situação específica de cada uma das impetrantes. Assim, não se poderia afirmar que somente as três empresas rés teriam sido atingidas pela fração do acórdão que se pretendia rescindir, por refletir simples alegação da parte autora sem base em fatos concretos acerca do que decidido.

Além disso, também o Superior Tribunal de Justiça entende pela necessidade de citação de todos os litisconsortes do processo original, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL – NÃO CABIMENTO – FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL DEFICIENTE – SÚMULA 284/STF – AÇÃO RESCISÓRIA – JUÍZO RESCINDENDO – CITAÇÃO DE TODOS OS LITISCONSORTES PASSIVOS – NECESSIDADE – PRECEDENTES.

1. Descabe a esta Corte a análise de suposta violação a dispositivo constitucional em sede de recurso especial.

2. A falta de abstração da tese jurídica relativa ao dispositivo tido por violado obsta o conhecimento do recurso especial, a teor da Súmula 284/STF.

3. Em se tratando de ação rescisória, a demanda há de ser proposta contra todos os que figuraram na ação originária, ainda que naquela oportunidade não estivesse configurada a hipótese de litisconsórcio passivo necessário, uma vez que a decisão proferida no juízo rescindendo atinge a todos os litisconsortes indistintamente.

Precedentes do STJ.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, no mérito, provido.’

(REsp 785666/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2007, DJ 30/04/2007 p. 303)

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‘RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. JUÍZO RESCINDENDO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE TODOS QUE PARTICIPARAM DA AÇÃO ORIGINÁRIA. LEGITIMIDADE PARA MANIFESTAÇÃO DO LITISCONSÓRCIO ATIVO DO PROCESSO DE CONHECIMENTO. PREQUESTIONAMENTO. DESNECESSIDADE.

1. A rigidez da observância do prequestionamento deve ser flexibilizada nos casos em que o terceiro interessado busca, via recurso especial, insurgir-se contra ausência da sua citação como litisconsorte necessário. Precedentes do STJ e do STF.

2. Em se tratando de ação rescisória, a demanda deve ser proposta contra todos que participam da ação originária, uma vez que a decisão a ser proferida atingirá a todos indistintamente.

3. Ausente a citação de todos os que compunham o litisconsórcio no pólo ativo da ação de conhecimento, imperiosa é a decretação da nulidade de toda marcha processual no bojo da ação rescisória.

4. Recurso especial conhecido e provido.’

(REsp 676.159/MT, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 12/02/2008, DJe 17/03/2008)

Em boa doutrina também consta, como regra geral, a orientação de que “devem integrar o contraditório todos aqueles que eram partes no feito anterior, ao ser proferida a sentença (lato sensu) rescindenda”[1].

Ainda na doutrina, Alexandre Freitas Câmara, de início, parece concordar com a conclusão do Supremo Tribunal Federal quando aduz:

“A respeito da legitimidade passiva para a ação rescisória não há, salvo melhor juízo, qualquer divergência. Todos aqueles que tenham participado da relação processual original e não estejam no polo ativo da ação rescisória deverão ocupar o polo passivo. Partes do processo, note-se, ainda que não sejam partes da demanda. Assim, por exemplo, se no processo original havia algum assistente, este será réu no processo da ação rescisória (se não for ele próprio, evidentemente, o autor desta nova demanda).

Estarão no processo da ação rescisória, note-se bem, quem tenha sido parte no processo original, e não necessariamente os sujeitos da relação jurídica de direito material nele deduzida. Assim, por exemplo, se no processo original houve substituição processual, será o substituto, e não o substituído, quem ocupará o polo passivo da demanda de rescisão.”[2]

No entanto, o referido autor apresenta, em seguida, entendimento oposto ao do Supremo Tribunal Federal:

“Caso interessante é o da sentença que contém dois ou mais capítulos e a ação rescisória ter por objeto a desconstituição de apenas um deles. Neste caso, o polo passivo será ocupado apenas por quem tivesse qualquer elemento de conexão com aquele capítulo da sentença. Pense-se, por exemplo, no caso de ter A proposto demanda condenatória em face de B e, na própria petição inicial, denunciado a lide a C. Julgado improcedente o pedido principal e procedente a denunciação da lide, pode acontecer de C propor ação rescisória (alegando, por exemplo, que o juiz era impedido de atuar na causa). Neste caso, evidentemente, apenas A será legitimado passivo para a ação rescisória, já que não há qualquer pretensão de rescisão do capítulo da sentença que diz respeito a B. O mesmo se dará, por exemplo, se dois autores, X e Y, demandaram em face da empresa Z para pleitear reparação de danos decorrentes de vícios existentes em produtos idênticos, de fabricação da ré, que adquiriram. Julgados improcedentes ambos os pedidos, pode acontecer de apenas X propor ação rescisória, postulando a desconstituição do julgamento da improcedência de sua pretensão (sob o fundamento, por exemplo, de que obteve documento inédito de que não pôde fazer uso). Neste caso, evidentemente, não haverá qualquer razão para que Y participe do polo passivo da demanda de rescisão.”[3]

No entanto, em que pese a respeitável opinião do doutrinador, o entendimento a ser observado deve ser o do Supremo Tribunal Federal, pois fatalmente será o entendimento aplicado pelos demais tribunais do país.


3 CONCLUSÃO     

Desse modo, entendo pela necessidade de aplicação, em casos análogos, do entendimento firmado na jurisprudência analisada, com a promoção da citação, em sede de ação rescisória, de todos os litisconsortes do processo original, ainda que se pretenda modificar a decisão transitada em julgado apenas em relação a um ou a alguns deles.


4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, vol. 5.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Juris, 2007.


Notas

[1] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 172-173, vol. 5.

[2] CÂMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Juris, 2007, p. 132.

[3] CÂMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Juris, 2007, p. 133.

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Sobre o autor
Vinicius Campos Silva

Procurador da Fazenda Nacional. Pós-graduado com especialização em direito tributário. Ex-Procurador Federal. Aprovado e nomeado em concurso público para o cargo de Advogado da União. Ex-Analista Jurídico da Procuradoria-Geral do Distrito Federal. Exerceu a advocacia privada. Ex-servidor do Supremo Tribunal Federal. Ex-assistente do ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Vinicius Campos. Ação rescisória e litisconsórcio no processo originário da decisão rescindenda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4670, 14 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34460. Acesso em: 19 mar. 2024.

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