União homoafetiva no ordenamento jurídico brasileiro: uma nova instituição familiar?

A INSTITUIÇÃO FAMILIAR NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA: CONCEITOS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

19/12/2014 às 16:18
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Inicialmente, apresenta-se a instituição familiar na legislação em seus conceitos, características, evolução histórica desde o Código Civil de 1916, passando pela atual Constituição até o presente Código Civil, acarretando novos arranjos familiares.

1. A INSTITUIÇÃO FAMILIAR NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA: CONCEITOS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Este capítulo apresenta a instituição familiar na legislação brasileira em seus conceitos, características, evolução histórica desde o Código Civil de 1916, passando pela Constituição Federal de 1988 até o presente Código Civil de 2002, acarretando novos arranjos familiares atualmente aceitos legalmente.

1.1 A instituição familiar: conceitos e características

Segundo Venosa (2005), a unidade da família é considerada a primeira, assim como a mais importante instituição da sociedade humana, em que se considera a união de duas pessoas responsável por criar uma nova geração, para assim, desenvolver vínculos de parentescos, bem como de comunidade, que de forma gradual passam a evoluir transformando em uma grande sociedade.

Na percepção de Viana (1998), a família apresenta-se como sendo uma instituição por meio da qual se percebe a preparação das gerações seguintes, tendo como base as instituições atuais para o serviço da civilização, bem como para o real cumprimento de seus deveres sociais. Nesse sentido, constata-se que a família pode ser vista como sendo a fonte de desenvolvimento, assim como de prosperidade.

Dessa forma, para alguns doutrinadores, tais como, Viana (1998), no quadro que se refere aos problemas sociais, estes concentram a atenção aos relacionamentos familiares, empenhando-se em colocar esta já então considerada importante unidade social, como sendo os alicerces mais duradouros e saudáveis da atualidade.

É requerido, a partir do surgimento da definição do que significa família e seus direitos, um estudo a respeito de sua história e evolução por meio das leis em relação à instituição familiar, sobre a qual observa-se que foram agregados costumes, valores morais, éticos e sociais capazes de auxiliar na implementação das modificações em sua estrutura conforme atualmente pode ser verificado.

Sobre essa temática, Gomes (2007, p. 1) afirma que “a família como é tradicionalmente vista ainda é decorrente significativamente do que foi determinado à época da Antiguidade”.

Com base no exposto pelo autor, observa-se que, a família, ao ser considerada como agrupamento cultural, existe antes do Estado e está acima do Direito, sendo justamente por esse motivo, que merece uma maior atenção por parte deste. Nessa linha, Veloso (2001) acredita que em relação ao amparo das relações que envolvem a instituição familiar, sempre foi uma preocupação da família, que segundo seu momento histórico, percebe-se a necessidade de ser traçado uma evolução do Direito da Família.

Com relação o alicerce dos moldes apresentados pela família, na percepção de Gomes (2007, p. 1), entende-se que:

A base dos modelos familiares tem início com uma sociedade conservadora, onde a família tinha como prerrogativa a matrimonialização, pois era voltada exclusivamente ao casamento, não admitindo outra forma de constituição familiar. Seguia os moldes patriarcais, era hierarquizada, com o homem gerindo a unidade de produção, e patrimonializada, pois seus membros correspondiam à força laboral, visando sempre o progresso da entidade familiar.

No entanto, a partir das transformações percebidas no âmbito social, assim como a inclusão de valores novos que envolveram o ambiente familiar no Brasil, constatou-se que esse modelo, apresentado de institucionalização, logo se estabilizou com a Revolução Industrial. Haja vista que com a necessidade maior de mão de obra, passaram a fazer parte desse mercado de trabalho as mulheres, as quais, antes do ocorrido, trabalhavam para o lar ou família, passando a ser também, responsáveis pelos proventos do lar.

A partir dessa nova reestruturação, a família passou a ter a colaboração financeira da mulher, antes somente do marido, mas a coordenação financeira continuou sob a responsabilidade deste. Nesse contexto, as relações eram centradas na afetividade e não mais no poder financeiro que era provido, anteriormente, exclusivamente pelos homens.

1.2 A família no Código Civil de 1916

A primeira legislação brasileira que abordou com mais abrangência o tema da família e o casamento civil entre homem e a mulher como sendo o responsável por instituir a família foi o Código Civil Brasileiro de 1916. Contudo, nessa lei, não era permitido o divórcio, sendo também adotados, como impedimentos matrimoniais, aqueles instituídos durante a Idade Média pela Igreja Católica.

De acordo com Bittar (1993), o conceito dado à família, o qual foi aceito pelo Código de 1916 caracterizava-a como sendo pessoas que possuam uma relação de consanguinidade, sendo nesse preceito envolvido todos aqueles que apresentam a mesma genética.

É importante destacar sempre o conceito de família no âmbito do direito brasileiro, que se constitui pelos pais e os filhos, estes oriundos apenas do casamento civil. No sentido da formação da família Clóvis Beviláqua (1916 apud PEREIRA 1997, p.17), a família pode ser definida como:

Um conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da consanguinidade, cuja eficácia se estende ora mais larga, ora mais restritamente, segundo as várias legislações. Outras vezes, porém, designam-se, por família, somente os cônjuges e a respectiva progênie.

Já na percepção de Miranda (2000, p. 204-205), de acordo com o Código Civil de 1916, a família recebe uma conceituação múltipla, ou seja:

Ora significa o conjunto das pessoas que descendem de tronco ancestral comum, tanto quanto essa ascendência se conserva na memória dos descendentes, ou nos arquivos, ou a um casal, pelos laços de consanguinidade ou de parentesco civil; ora o conjunto das mesmas pessoas ligadas a alguém, ou a um casal, pelos laços de consanguinidade ou de parentesco civil; ora o conjunto das mesmas pessoas, mais os afins apontados por lei; ora o marido e mulher, descendentes e adotados; ora, finalmente, marido, mulher e parentes sucessíveis de um e de outro.

Dessa forma, analisando a percepção do autor supracitado, constata-se que o código em questão restringiu a família, sendo avaliada como tal, aquela que é formada por meio do casamento civil. Em complemento ao tema, Faro (2002, p. 1) menciona que:

O Código Civil de 1916, editado numa época com estreita visão da entidade família, limitando-a ao grupo originário do casamento, impedindo sua dissolução, distinguindo seus membros e apondo qualificações desabonadoras às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessa relação, já deu a sua contribuição, era preciso inovar o ordenamento. Assim, reuniu-se grupo de jurista a fim de “preservar, sempre que possível”, a lei do início do século, modificando-a para atender aos novos tempos.

Sobre as questões descritas no Código Civil brasileiro de 1916, percebeu-se que foram feitas pouquíssimas referências ao concubinato, em que suas disposições, na maioria das vezes, condenavam à clandestinidade e à marginalidade legal aqueles que optavam por uniões livres, tendo como finalidade, simplesmente o amparo da “família legítima”. Em complemento a essa temática, Ribeiro (2013, p. 1) menciona que:

A ideia do concubinato sempre esteve associada à liberdade e à libertinagem; não sendo poucos os autores que o colocam em posição inferior ao casamento. Embora, desde os primórdios da civilização humana já existisse a união livre, com a criação do casamento religioso e do casamento civil, foi o mesmo marginalizado, esquecendo-se que a família existiu antes mesmo da formalização do ato da união entre um homem e uma mulher.

Ainda que no Código Civil brasileiro de 1916 não apresentasse, de forma definida, o que vinha a ser o instituto da família, a sua legitimidade estava condicionada ao casamento civil, sem existir qualquer menção ao casamento religioso, como pode ser observado no art. 229, in verbis: “criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos”. Nesse sentido, segundo Soares (1999), a grande intenção inicial do efeito jurídico do casamento era na verdade de validar a família.

Silva (2002, p. 450-451) esclarece também que “a família do Código Civil de 1916 era uma família transpessoal, hierarquizada e patriarcal.” Nesta linha, existiu o agrupamento de princípios morais, especificamente no direito que envolve a família, disponibilizando teor jurídico.

Dessa forma, Gomes (2003) entende que o Código Civil conserva-se fiel as tradições, bem como ao estado social, mantendo a qualidade de indissolúvel da união, o regime de comunhão universal, além da sua legitimidade.

Na vigência dessa lei, prevalecia a supremacia do homem, ou seja, este era considerado como o responsável financeiro do lar. A qual pode ser percebida em vários dispositivos, como no art. 233, o qual descrevia que cabia ao marido a chefia da sociedade conjugal, sendo o papel da mulher cooperar com o seu cônjuge, sendo seu dever cuidar do bem material e moral (art. 240).

Para o casamento do indivíduo menor de 21 anos, Gomes (2003, p. 15) diz que este “necessitava do consentimento de ambos os pais, mas em havendo discordância prevalecia a vontade paterna. Posição privilegiada, por isso, da figura masculina na sociedade conjugal”.

Vale ressaltar que uma das regras mais amplas em termos de discriminação da mulher referia-se à percepção que dela se tinha, considerando-a relativamente incapaz, sendo nesse sentido dado margem ao entendimento de que o objetivo no art. 6º, II, era deixar a mulher sob o controle do homem. Dall’Alba (2004, p. 2) acrescenta essa temática, afirmando “de modo que muitas mulheres sequer chegaram a ser capazes durante toda sua vida, pois como poderiam casar-se a partir dos dezesseis anos e só adquiririam a capacidade aos 21 anos, aquelas que casaram antes dessa idade não chegaram a possuir a capacidade plena”.

No que se refere aos filhos, existia uma distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, bem como também entre aqueles naturais e adotivos. Como exemplo, Dall’Alba (2004, p. 2) cita que:

[...] quando o adotante tivesse filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolve a de sucessão hereditária (art. 377). Por sua vez, o art. 359 dispunha que o filho ilegítimo, reconhecido por um dos cônjuges, não poderia residir no lar conjugal sem o consentimento do outro.

Vale ressaltar a existência de vários outros artigos que dispunha sobre os filhos, tais como, os arts. 355, 356, 357, 358, 377, 378, 379, 185, todos esses artigos traziam os termos legítimos e ilegítimos, distinguindo os filhos. Essa distinção deixou de existir com o advento da Constituição Federal de 1988, que além de acabar com a distinção entre os filhos considerados legítimos e ilegítimos, acabou com a desigualdade de direitos e deveres entre homem e mulher, reconhecendo a união estável como unidade familiar, entre outras mudanças.

1.3 A família na Constituição Federal de 1988

Ao longo dos anos, observou-se que a família brasileira passou por expressivas modificações conceituais, bem como estruturais no transcorrer do século XX, sendo todas essas modificações absorvidas pela Constituição da República de 1988. Período este em que se promoveu o Estado democrático de Direito no país, elegendo assim o princípio da dignidade da pessoa humana, como principal base, os fundamentos apresentados pela República Federativa do Brasil. Nessa linha, na percepção de Brandão (2010, p. 1), entende-se que:

O novo Texto Constitucional provocou verdadeira revolução no Direito brasileiro. Com ele inaugurou-se um novo Direito de Família no país. Seu art. 226 ampliou o conceito de família, ao reconhecer outras formas de constituição familiar, como a união estável e a família monoparental, garantindo a elas a proteção do Estado.

Segundo Dias (2009), a família, de um modo geral, sempre foi vista como sendo o centro da sociedade, a qual vem desenvolvendo sua função de acordo com a realidade de cada período, como pode ser visto pelos ensinamentos dos doutrinadores.

Diante de tantas modificações, a principal aconteceu com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual foi responsável por inserir no conceito de família, assim como no tratamento ao instituto, importantes alterações, as quais são consideradas o alicerce da sociedade. Sobre essa temática Faro (2002, p. 1) diz que:

A obra de Clóvis Beviláqua foi, é importante observar, alterada pelo legislador, nos seus mais de 80 anos de vigência, atendendo as exigências do tempo, por leis que deram significativa melhora para a figura e posição da mulher casada (Lei nº 4.121/62), instituiu o divórcio (Emenda nº 09/77 e Lei nº 6.515/77), culminando a Constituição da República do Brasil, promulgada em 1988 que trouxe inovações com relação à conceituação e à proteção jurídica da família, imprimindo mudanças nas relações íntimas, com a evolução dos costumes, mas, ainda assim, era preciso incluir num só diploma todas as matérias pertinentes a vida privada.

Nesse mesmo sentido, Alves (2006, p. 5) afirma que, “até o advento da Constituição Federal de 1988, o conceito jurídico de família era extremamente limitado e taxativo, pois o Código Civil de 1916 somente conferira o status familiae àqueles agrupamentos originados do instituto do matrimônio”.

Vale ressaltar que o modelo de família, citado pelo autor referido, se caracterizava como sendo fechado, onde se percebia que a satisfação, assim como a felicidade de permanecer junto de seus membros, era considerada de menor importância em relação à manutenção do patrimônio familiar. Diante de tantas mudanças, Giudice (2008, p. 1) explica que:

Em decorrência dos novos momentos constitucionais foram editadas leis especiais garantidoras dos direitos, que promoveram a atualização do texto da lei 6516/77, relativa á separação judicial e ao divórcio, a edição do Eca. Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8069/90, a normatização do reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento, Lei nº 8560/92, as leis da União Estável 8971/94 e 9278/96, conferindo aos companheiros direitos de alimentos e a meação e a herança.

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Dessa forma, pode-se dizer que a Constituição Federal de 1988, nesse diapasão apresenta-se como marco maior, e é nesse processo de adaptação e evolução que o conceito de família apresenta uma expressiva ampliação, passando a ser tema de importância na Constituição Federal, além de servir como orientação para as normas infraconstitucionais.

De acordo com o mencionado anteriormente, as inovações apresentadas produziram um impacto significativo no texto “antiquado” do Código Civil de 1916. Rodrigues (2002, p. 1) sobre a mesma temática explica que:

Imperava no Brasil até a Constituição da República de 1988 o modelo de família patriarcal e da consanguinidade. A Carta Constitucional promulgada em 1988 apresentou uma nova roupagem à família e ao Direito de Família com seu artigo 226 e 227, § 6º. No artigo 226, a família é taxada como alicerce da sociedade e merece amparo especial do Estado e inovou reconhecendo outras formas de famílias reconhecidas pelo Estado em seus parágrafos 3º e 4º, como a União Estável e a Família Monoparental. No artigo 227, § 6º da CF/1988 revolucionou o Direito de Família pátrio ao proibir expressamente de haver qualquer tipo de classificação ou discriminação dos filhos, sejam eles havidos ou não na constância do casamento e adotivos ou não.

Assim sendo, observa-se que a família se desenvolve na mesma proporção que a sociedade se modifica, criando estruturas novas no intuito de se adaptar as necessidades novas, as quais são consequências de novas realidades no âmbito social, político e econômico. Com isso, pode-se dizer que o direito deve acompanhar as transformações que a família sofre.

1.4 A família no Código Civil de 2002

O Código Civil de 2002 trouxe inovações em termos de direito da família, uma vez que consagrou diferentes arranjos familiares, considerando as evoluções sociais que o país sofreu ao longo dos anos. Bem como conferindo um conteúdo mais moderno e atual ao anteriormente ensejado pelo CC de 1916, introduzindo princípios e normas constitucionais antes não tratadas com a veemência com que será exposta nesta sequência.

Em complemento a esta concepção, Gonçalves (2005, p. 6) diz que “as alterações introduzidas visam preservar a coesão familiar e os valores culturais, conferindo-se à família moderna um tratamento mais consentâneo à realidade social atendendo-se às necessidades da prole e de afeição entre os cônjuges e os companheiros e aos elevados interesses da sociedade”.

Destaca-se que as mudanças implantadas no Código Civil de 2002 foram uma consequência natural das primeiras transformações trazidas pela Constituição Federal de 1988, mas, em caráter complementar e mais abrangente, buscando contemplar os direitos fundamentais, consagrando as exigências de justiça e valores éticos, objetivando a preservação da harmonia do Poder Judiciário nacional, posto que fosse capaz de modernizá-lo aos novos arranjos familiares.

Em termo do Código Civil de 2002, o direito de família foi reforçado a partir dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade jurídica entre os cônjuges, da igualdade jurídica de todos os filhos. Além do pluralismo familiar, da liberdade de construir uma comunhão de vida familiar, da consagração do poder familiar, do superior interesse da criança e do adolescente, da afetividade e da solidariedade familiar.

Quando se fala em princípio da dignidade da pessoa humana, em termos de Direito da família, objetiva-se consagrar o pleno desenvolvido de cada indivíduo enquanto membro da instituição familiar, assim como um direito constitucional trazido pelo art. 1º, inciso III da atual CF. Antes da Carta Magna de 1988 existiam muitas discussões acerca da aplicação deste princípio no cenário familiar, mas de nada adiantava, pois não havia sua consagração em uma legislação própria e o tema perdia em importância.

Concernente ao princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros, se antes se ouvia falar em família patriarcal, cujo poder da instituição familiar era detido pelo pai, com a consagração deste princípio pelo CC de 2002, fez-se valer o exposto por Rui Barbosa ao tratar os iguais em igualdade e os desiguais também com desigualdade (DIAS, 2009). Opinando sobre este princípio no cenário do Direito de família brasileiro, Diniz (2008, p. 19) menciona que:

Com este princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros, desaparece o poder marital, e a autocracia do chefe de família é substituída por um sistema em que as decisões devem ser tomadas de comum acordo entre conviventes ou entre marido e mulher, pois os tempos atuais requerem que marido e mulher tenham os mesmos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal, o patriarcalismo não mais se coaduna com a época atual, nem atende aos anseios do povo brasileiro; por isso juridicamente, o poder de família é substituído pela autoridade conjunta e indivisiva, não mais se justificando a submissão legal da mulher. Há uma equivalência de papéis, de modo que a responsabilidade pela família passa a ser dividida igualmente entre o casal. Com este princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros, desaparece o poder marital, e a autocracia do chefe de família é substituída por um sistema em que as decisões devem ser tomadas de comum acordo entre conviventes ou entre marido e mulher, pois os tempos atuais requerem que marido e mulher tenham os mesmos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal, o patriarcalismo não mais se coaduna com a época atual, nem atende aos anseios do povo brasileiro; por isso juridicamente, o poder de família é substituído pela autoridade conjunta e indivisiva, não mais se justificando a submissão legal da mulher. Há uma equivalência de papéis, de modo que a responsabilidade pela família passa a ser dividida igualmente entre o casal.

Com este princípio, homem e mulher, enquanto cônjuges ou companheiros, ficarem em “pé de igualdade”, destituindo o poder absoluto anteriormente existente do pater famílias, reconhecendo que a família evoluiu, tendo novas configurações, direitos e deveres que devem ser colocados em prática, a fim de possibilitar aos seus filhos o máximo de bem estar e os demais direitos mencionados pela CF/88. Neste diapasão, pode-se mencionar o art. 1.511 do CC/2002 ao dizer que “o casamento estabelece a comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. Nada mais é do que o respeito ao princípio da igualdade que também já foi consagrado em jurisprudências e por teóricos não somente em termos do casamento, mas da união estável também, conforme poderá ser observado em sessão mais oportuna sobre o tema.

Sobre o princípio da igualdade jurídica de todos os filhos, já está consagrado no art. 227, inciso 6º da CF/88, ressaltando que todos os filhos devem ser tratados igualmente dentro da instituição familiar, sem que um tenha mais direito ou benefícios em detrimento de outro. O tratamento isonômico dos filhos também é mencionado pelos artigos 1596 e 1629 do CC/2002. Assim, se os filhos foram ou não advindos do casamento ou da união estável devem ser tratados igualmente, uma vez que fazem parte da instituição familiar (DINIZ, 2008).

Em continuidade a esta análise, Dias (2009, p. 66) diz que o princípio do pluralismo familiar admite a existência de diferentes meios de formação do núcleo familiar, pois se antes somente poderia existir com o casamento, a evolução social mudou esta concepção. “É encarado como o reconhecimento pelo Estado da existência de várias possibilidades de arranjos familiares”, conforme será abordado na sessão posterior.

Quanto ao princípio da consagração do poder familiar, novamente ele reforça a evolução que a instituição familiar sofreu ao longo dos anos, assumindo diferentes arranjos familiares, conforme demonstra os artigos 1.630 1 1.638. Diniz (2008, p. 23), sobre este princípio, diz que substituí “o marital e o paterno, no seio da família, é atualmente considerado poder-dever de dirigir a família e exercido conjuntamente por ambos os genitores”. Em tempos atuais, esta colocação parece bastante simples, mas quando se lembra do abordado pelo CC/1916 pode-se verificar a efetiva consagração da igualdade entre homens e mulheres em seus papéis familiares.

Quanto ao princípio do superior interesse da criança e do adolescente, pai e mãe devem assumir seus papéis para oferecerem o melhor aos seus filhos, inserindo-os efetivamente como cidadãos, solucionando problemas que possam vir a ocorrer com a separação ou o divórcio.

O princípio da afetividade vincula-se diretamente ao princípio da dignidade da pessoa humana determinando que todo membro da família tenha direitos iguais ao afeto, sendo filho natural ou não, mas não deve haver discriminações que prejudiquem o bem-estar.

Já o princípio da solidariedade familiar, conforme Dias (2009), é uma forma de a entidade familiar ter fraternidade e reciprocidade, com todos eles atuando com solidariedade entre si, pois o amor ao próximo deve existir, não somente pela palavra de Deus, mas sim pela própria consagração da instituição familiar.

1.5 Novos arranjos familiares

Durante o século XIX, aparecem os avanços sobre as indústrias, tendo como consequência mudanças no contexto familiar. Sobre essas mudanças, Rodrigues (2002, p. 1) menciona que:

As mulheres passam a trabalhar fora, em fábricas, onde ocasionou uma pequena independência financeira desta e o primeiro passo para a liberdade. As mulheres alcançam independência econômica, ao término das guerras mundiais não mais aceitam o papel de submissão ao homem.

Diante dessa realidade foi iniciada uma “engrenagem de funcionamento” para a nova concepção de família, em que a mulher passa a ter uma participação mais ativa em relação às despesas do lar, e o homem passou a colaborar na divisão das tarefas domésticas, educação dos filhos, entre outros. Assim sendo, pode-se dizer que foram percebidas mudanças expressivas a partir da emancipação feminina.

Nessa linha, Rodrigues (2002, p. 1) destaca que “a família evolui à medida que a sociedade muda e cria novas estruturas adaptadas às novas necessidades, decorrentes de novas realidades sociais, políticas e econômicas. O Direito deve acompanhar as mudanças às quais sofre a família”. O autor sobre o mesmo tema afirma que:

A História nos mostrou que com os avanços industriais, no século XIX, acarretou pequenas mudanças no contexto familiar. As mulheres passam a trabalhar fora, em fábricas, onde ocasionou uma pequena independência financeira desta e o primeiro passo para a liberdade. O século XX surgiu com inúmeros avanços sociais impulsionando o aumento de captação de mão de obra, com a eclosão das duas guerras mundiais, agravando, a mão-de-obra masculina torna-se escassa. O aumento da demanda por mão-de-obra faz com que as mulheres adotem uma postura mais ativa no mercado de trabalho, assumindo a responsabilidade, além de cuidar do lar, a de prover o sustento da família. As mulheres alcançam independência econômica, ao término das guerras mundiais não mais aceitam o papel de submissão ao homem (RODRIGUES, 2002, p. 1).

Segundo alguns juristas, dentre eles Gomes (2003), a família como era vista antes da Constituição Federal de 1988 está longe de suprir as necessidades da sociedade atual, pois não se observa as sutilezas nem a subjetividade que envolve tal assunto. Dessa forma, sendo necessário para os dias atuais um conceito que analise a interdisciplinaridade, de modo a se obter um conceito mais próximo das famílias do século XIX. Na percepção de Lacan (1990 apud RODRIGUES, 2002, p. 1), a família é analisada como sendo:

Um grupo cultural e não natural, surgindo primeiramente como uma estruturação psíquica, onde cada membro desenvolve e representa seu papel funcional – pai, mãe e filho – sem haver, necessariamente, laços sanguíneos entre eles. É exatamente esta estruturação psíquica que permite o êxito do instituto da adoção. A família é a responsável pela transmissão da primeira educação, repressão dos instintos, aquisição da língua, desenvolvimento psíquico e comportamental.

Em relação à necessidade em se subjetivar o conceito dado à família, Dias (2000, on line) explica que:

Através da união de pessoas pelo vínculo afetivo, cita com propriedade e sensibilidade, Saint Exupéry, em O Pequeno Príncipe, “você é responsável pelas coisas que cativas”. O antropólogo Claude Lévi-Strauss, que trata a família como uma instituição que fornece ao ‘filho’ através da linguagem a identidade fundamental.

Nesse sentido, constata-se que o princípio jurídico que envolve a afetividade aparece como aquele que dá um rumo às relações familiares, haja vista que estas são frutos de um relacionamento amoroso.

Nos dias atuais, segundo Rodrigues (2002, on line), em relação ao direito familiar percebe-se que estes “têm como objeto de estudo a afetividade. Ninguém se une pelo casamento, ou união estável, tem filhos, adota uma criança, separa, divorcia, detém a guarda dos filhos, senão por um único motivo: Afeto”.

Nota-se, portanto, que as uniões que compõem as famílias, tendo apoio ou não do Estado, apresentam o princípio da afetividade como sendo o ponto de convergência entre eles. Isso é manifestado em um campo tanto de solidariedade, como de responsabilidade, que, segundo Lobo (2003, p. 97), “onde houver uma relação, ou comunidade, mantida por laços de afetividade, sendo estes suas causas originárias e finais, haverá família”.

Em relação ao princípio da afetividade, pode-se dizer que este se encontra na Constituição Federal de 1988, por meio de uma sistemática interpretação da isonomia da filiação, sendo uma previsão de outras maneiras de se constituir a família, além do casamento.

A forma ostensiva em que se apresenta o princípio da afetividade é defendida por alguns juristas, dentre eles Fachin (1999, p. 14), ao afirmar que “a família, como fato cultural, está ‘antes do Direito e nas entrelinhas do sistema jurídico’. Mais, que fotos nas paredes, quadros de sentido, possibilidades de convivência”.

Dessa forma, constata-se que, para efeito de normatização, bem como da real aplicação do Direito, amparado de forma legal, os Direitos das Famílias devem ser estudados. As questões que envolvem a subjetividade, as quais envolvem tais relações, devem ser imperiosamente observados.

Contudo, Gomes (2003) destaca que o Direito não deve ser o responsável por decidir como a família irá se constituir ou ainda quais as razões jurídicas relevantes. Dessa forma, referindo-se as entidades familiares compete ao Estado direcionar aos princípios do Direito, para que dessa forma os homens possam ter a liberdade de optar pela melhor forma, assim como a condução das relações familiares.

Para Brandão (2010, on line), “não se pode negar que a nova Lei Civil brasileira acolheu aspectos essenciais do Direito de Família constitucional, o que não poderia ser diferente, já que como norma hierárquica inferior deve subsumir os preceitos da Lei Maior”.

É bem verdade que, o novo Código, envolveu diversas modificações que se faziam necessárias, além de incluir arranjos de leis especiais, as quais visavam à regulamentação das normas descritas na Constituição da República de 1988, em seu art. 226.

No entanto, indo de encontro às expectativas, não se identificou tantas modificações como se desejava com relação à união estável, o que acabou representando um verdadeiro retrocesso, principalmente no que diz respeito aos direitos sucessórios dos cônjuges.

Para Gomes (2003), agora, a forma como é constituída a família, apresenta-se como sendo assunto de âmbito pessoal, em que o direito está protegido pela liberdade de dispor de si mesmo, onde seu direito está baseado na responsabilidade, e, sobretudo, respeitado, dessa forma, as alternativas pessoais que abrangem a intimidade, assim como a privacidade dos sujeitos.

Nessa linha, é de responsabilidade do legislador, somente a tarefa de procurar na realidade as manifestações indiretas de uma circunstância, que devem apoiar o princípio, sem nunca consentir que seu juízo de valor passe a ser percebido acima da Justiça, sendo este o primeiro objetivo da lei. O Código de 2002 trouxe um avanço para o ordenamento, pois garantiu amparo legal aos indivíduos em união estável, mas deixou à margem alguns princípios constitucionais.

Nessa linha, Gomes (2003) acredita que a família se apresenta como sendo um fato social, e não somente uma instituição de âmbito jurídico. Assim, diferentemente da família patriarcal, hierarquizada e patrimonializada, pode-se dizer que a família moderna é um local onde imperam os laços de afetividade, bem como os princípios ligados à liberdade, igualdade, bem como da própria dignidade do homem. Brandão (2010, p. 3), sobre o tema, explica que:

Assim, a primeira conclusão a que se pode chegar a partir do estudo sobre a união estável no Código Civil de 2002, é que, embora a Constituição da República de 1988 tenha reconhecido outras formas de entidade familiar, para o legislador civil de 2002, o casamento continua sendo o paradigma de constituição de família. Esta afirmação pode ser constatada pelo fato de que toda a regulamentação da união estável, no novo Código Civil, tem como referência o casamento. A simples comparação dos arts.1.566 (deveres dos cônjuges) e 1.724 (deveres dos companheiros) confirma que o que foi posto para um foi posto para o outro.

Gomes (2003) ressalta ainda que as intensas e expressivas alterações por que passaram, no decorrer do século XX, as famílias do Brasil, as quais foram absorvidas pela Constituição Federal de 1988, não foram validadas por completo, assim como pelo legislador do novo Código Civil de 2002. Dessa forma, Brandão (2010, p. 1) acrescenta que:

O novo Código, embora tenha dedicado à união estável o capítulo III, do Livro IV, que trata do Direito de Família, não cuidou de subsumir completamente os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Isto fica evidente diante das discrepâncias criadas pelo legislador ordinário entre a posição, muitas vezes, privilegiada do cônjuge, em detrimento da posição do companheiro. Essas diferenças se tornam mais nítidas, ao serem analisados os direitos sucessórios de um e de outro; o direito real de habitação, dado ao cônjuge e tirado do companheiro.

Diante do exposto pelo autor supracitado, observa-se que tanto a família constituída a partir do casamento, como de união estável, são aceitas como entidades familiares diante da Constituição Federal, não sendo justificada qualquer discriminação em relação aos cônjuges ou companheiros. Desse modo, pode-se dizer que a existência de prática discriminatória entre os dois institutos desrespeita as regras constitucionais, bem como uma grave transgressão dos princípios que regem a igualdade da dignidade dos homens.

Assim, segundo Dias (2005), como fundamento da realidade social, a lei somente conhecerá a Justiça e colocará em prática os objetivos para os quais foi criada, se de fato passar a considerar e respeitar, em todos os sentidos, o que existe de afetuoso no comportamento que se pretende regulamentar, caso contrário, serão abertas as portas para a injustiça, preconceito e ao convencionalismo.

Após tratada a questão da família num âmbito geral, é imperiosa trazer ao estudo a questão da nova Lei nº 12.010 de adoção, que traz novas regulamentações a este processo e altera o estatuto da criança e do adolescente.

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