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A valoração econômica dos serviços ambientais e a necessidade de uma abordagem transdisciplinar

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19/10/2016 às 13:30
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O atual contexto capitalista em que vive a sociedade mundial nos coloca diante de um dilema entre crescimento econômico, consumo e a inegável melhoria das condições de vida – inclusive sociais, propiciadas pela tecnologia, de um lado; e a necessidade de recuperação e preservação ambiental para que possamos conservar a biodiversidade e continuar a prover a indústria de matéria-prima, de outro.

Somem-se a isso os diversos compromissos assumidos em declarações e documentos internacionais no sentido de promovermos um desenvolvimento que seja sustentável, de modo a assegurar um meio ambiente sadio às presentes e futuras gerações.

Diante desse cenário e da carência de instrumentos eficazes para garantir a tão almejada sustentabilidade, a valoração econômica de serviços ambientais, baseada na adesão voluntária e em mecanismos positivos de incentivo à recuperação e à proteção do meio ambiente, em contraposição aos atuais mecanismos em uso, pautados em instrumentos de comando e controle, parece-nos ser uma alternativa viável e efetiva para compatibilizar crescimento econômico, equidade social e preservação ambiental, por diversas razões, sobretudo porque aborda de forma transdisciplinar a complexidade desses aspectos –econômico, social e ecológico, que aparentemente estão em conflito, mas, ao mesmo tempo, cooperam entre si.

Sem prejuízo dos demais argumentos aqui trazidos, impende salientar o fato de que a implementação de medidas artificiais para substituição dos serviços ecológicos que nos são prestados pela biodiversidade, ao partir da premissa de que essa fosse uma alternativa viável do ponto de vista técnico, implicaria custos econômicos incalculáveis e incompatíveis com a racionalidade do sistema capitalista, bastando para justificar o implemento de programas de pagamento por serviços ambientais.

Ademais, a utilização do mecanismo de pagamento por serviços ambientais em associação aos tradicionais instrumentos de comando e controle minimiza os custos com a fiscalização, haja vista que a contrapartida financeira (prêmio) somente ocorre quando verificada a preservação ambiental, o que incentiva os provedores a adotarem as medidas de proteção definidas no respectivo programa, independentemente de cobrança por parte do Poder Público.

Ante o acima exposto, cremos que o incremento de uma política nacional de valoração econômica de serviços ambientais, com fulcro na adesão voluntária do setor produtivo, governada de maneira adequada, possa atribuir maior efetividade ao sistema brasileiro de proteção ambiental, até hoje pautado apenas em instrumentos de comando e controle, os quais têm se mostrado ineficazes para alcançar a proteção ambiental colimada.

Oportuno mencionar, neste passo, que a busca pela sustentabilidade no desenvolvimento das atividades humanas e, no caso brasileiro, em especial as relacionadas ao agronegócio; que respondem por parcela expressiva de nossas exportações, tem intensificado os debates para a regulamentação da valoração econômica e do pagamento por serviços ambientais em âmbito nacional. Tanto é que, somente nos últimos 10 anos, foram submetidos à apreciação do Congresso Nacional inúmeros projetos de lei com esse propósito[2].

Outrossim, a implementação de um programa nacional de pagamentos por serviços ambientais, no âmbito da política nacional e nos moldes do PL 5.487/09, apresentará, dentre outras, a vantagem de contar com uma maior adesão do setor produtivo privado e, por conseguinte, de alcançar melhores índices de recuperação de degradação ambiental e de preservação dos recursos naturais, em especial de florestas e de água.

Neste sentido, os maiores desafios do Poder Público deverão girar em torno da dificuldade na determinação das bases para cálculo do “quantum” a ser pago em contraprestação aos serviços ambientais – a adoção do custo de oportunidade vem tomando corpo nos projetos em andamento no Brasil, a exemplo do que ocorre no Programa Produtor de Águas. Isso porque, muito embora a remuneração por serviços ambientais prestados tenha que ser socialmente justa, não pode servir de incentivo a que todos os proprietários de terra parem de produzir alimentos e passem apenas a preservar o meio ambiente, sob pena de ampliar a fome e afetar o crescimento econômico, que, como vimos, também integra a conceito de desenvolvimento sustentável.

Outra gargalo para adoção do sistema de pagamento por serviços ambientais poderá residir na determinação dos critérios para aferição dos resultados efetivamente gerados pelas atividades humanas desenvolvidas com vistas à recuperação e/ou preservação ambientais, já que apenas estas são passíveis de remuneração, segundo preveem as disposições do PL 5.487/09. Ainda no que respeita à medição dos resultados efetivamente gerados pelo proprietário ou legítimo possuidor do imóvel preservado, como agir em caso de adoção de medidas efetivas e gastos para preservação que não atinjam os resultados esperados – remunerá-los ou não?

Por fim, em que pesem os desafios, acredita-se que a instituição de uma Política Nacional dos Serviços Ambientais associada a um Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais, promoverá a justiça ambiental e proporcionará o desenvolvimento sustentável no Brasil, com reflexos nos seus Estados e Municípios, na medida em que proporcionará àquele que prestar serviços ambientais uma remuneração em contrapartida às externalidades positivas geradas ao meio ambiente, as quais beneficiam a toda uma coletividade, embora onerem o custo de produção apenas do provedor.

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Dessa forma, o equilíbrio entre conservação ambiental e desenvolvimento econômico será satisfatoriamente atingido e os direitos das futuras gerações preservados.


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (ANA). Programa de Melhoria da Qualidade e da Quantidade de Água em Bacias Rurais através do incentivo financeiro aos produtores: o Programa do Produtor de Água. Disponível em <http://www.ana.gov.br/produagua/>. Acesso em: 16 out. 2013.

ALMEIDA, Fernando. O Bom negócio da sustentabilidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.

ALTMANN, Alexandre. O desenvolvimento sustentável e os serviços ambientais. In: ALTMANN, Alexandre; RECH, Adir Ubaldo (orgs.). Pagamento por serviços ambientais: imperativos jurídicos e ecológicos para a preservação e restauração das matas ciliares. Caxias do Sul: EDUCS, 2009, p. 57-106.

AMARAL JUNIOR, Alberto do. Comércio internacional e a proteção ao meio ambiente. São Paulo: Atlas, 2011.

________. Curso de direito internacional público. 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2011.

BOFF, Leonardo. A Opção Terra: a solução para a Terra não caiu do céu. Rio de Janeiro: Record, 2009.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.

________. Lei n.° 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nos 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996; e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12651.htm>. Acesso em: 15 ago. 2013.

GUSMÃO, Andressa Veronique Pinto. Problemas ambientais globais e a compensação por serviços ambientais como alternativa para a proteção do capital social e ecológico. 2003. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6341 Acesso em: 20 jun. 2012

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa de Informações Básicas Municipais. Perfil dos municípios brasileiros: 2012. Rio de Janeiro: IBGE, 2013.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 18 ed. – São Paulo: Malheiros, 2012.

MILARE, Édis. Direito do ambiente – a gestão ambiental em foco. 7. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

MORIN, Edgar. Complexidade e liberdade. In: MORIN, Edgar; PRIGOGYNE, Ilya (Eds.). A sociedade em busca de valores. Para fugir à alternativa entre cepticismo e dogmatismo. Lisboa: Instituto Piaget, 1998, p. 239-254.

NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Pagamento por serviços ambientais: sustentabilidade e disciplina jurídica. São Paulo: Atlas, 2012.

Portal da Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/proposicoes>. Acesso em: 14 out. 2012.

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Disponível em <http://www.pnud.org.br>. Acesso em 15 out. 2012.


Notas

[1] http://www.ipam.org.br/saiba-mais/abc/mudancaspergunta/Quem-sao-os-grandes-emissores-de-gases-de-efeito-estufa-/16/7.

[2] PL 792/2007, PL 1.190/2007, PL 1.667/2007, PL 1.920/2007, PL 1.999/2007, PL 2.364/2007, PL 5.487/2009, PL 5.528/2009, PL 6.005/2009 e PL 6.204/ 2009.

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Sobre a autora
Carolina Merida

Procuradora do Município de Rio Verde – GO, Professora Adjunta da Faculdade de Direito da Universidade de Rio Verde – GO, Especialista em Direito Empresarial pela FGV/SP e em Direito Público pela Faculdade Professor Damásio de Jesus, Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MERIDA, Carolina. A valoração econômica dos serviços ambientais e a necessidade de uma abordagem transdisciplinar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4858, 19 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34612. Acesso em: 30 abr. 2024.

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