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A valoração econômica dos serviços ambientais e a necessidade de uma abordagem transdisciplinar

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19/10/2016 às 13:30
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Analisa-se a complexa temática da valoração econômica dos serviços ambientais, baseada em mecanismos positivos de incentivo à recuperação e à proteção do meio ambiente, sob a ótica da transdisciplinaridade.

RESUMO: O presente artigo tem o condão de analisar a complexa temática da valoração econômica dos serviços ambientais sob a ótica da transdisciplinaridade baseada em mecanismos positivos de incentivo à recuperação e à proteção do meio ambiente, em contraposição aos atuais mecanismos em uso, pautados em instrumentos de comando e controle, ineficazes para assegurar o desenvolvimento sustentável de nosso planeta. Abordaremos, ainda, a relevância do incremento de uma política nacional de valoração econômica de serviços ambientais, com fulcro na adesão voluntária do setor produtivo, como também o papel fundamental de uma governança ambiental adequada, como meios de atribuição de maior efetividade ao sistema brasileiro de proteção ambiental. Sob o prisma do direito pátrio, serão analisados os principais pontos do Projeto de Lei n.º 5.487/2009, com o intuito de verificar se, do modo como proposto, de fato promoverá a justiça ambiental no âmbito interno, suprindo as necessidades econômicas, sociais e ambientais atuais de nossa sociedade, sem, contudo, privar de recursos naturais as gerações futuras.

PALAVRAS-CHAVE: Direito ambiental; Serviços ambientais; Pagamento; Complexidade; Transdisciplinaridade.


1. INTRODUÇÃO

O direito a um meio ambiente saudável e equilibrado, apto a abrigar de maneira sustentável as gerações presentes e futuras, possui natureza de direito humano fundamental, assegurado pelo art. 225 da Constituição Federal de 1988, no âmbito interno brasileiro, além de consagrado em diversos tratados internacionais, dentre os quais merece destaque a Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano de 1972, por seu pioneirismo.

Ocorre que os mecanismos convencionais de proteção ambiental e de recuperação de áreas degradas pautados em instrumentos de comando e controle, tais como aplicação de multas e penalidades em geral, metas de redução de emissões, suspensão de licenças, vedação do desenvolvimento de determinadas atividades, dentre outros, se mostraram ineficazes e inefetivos ao longo do tempo. Essa falha dos mecanismos convencionais se deve, no nosso entender, à ausência de uma abordagem transdisciplinar acerca do tema.

Fatores como o incremento populacional, o crescimento econômico, o advento de novas tecnologias e o consumismo desenfreado ocorridos nas últimas décadas, desacompanhados da adoção de medidas efetivas de sustentabilidade capazes de garantir a longevidade dos recursos naturais ocasionaram o surgimento de incontáveis gargalos ambientais, tais como o desmatamento de florestas, a redução da biodiversidade, a poluição da água e do ar, a degradação do solo, além de contribuir, sob o ponto de vista holístico, para o aquecimento global e a destruição da camada de ozônio.

Consoante pontua Milaré:

O homem, como todo e qualquer ser vivo, enquanto agente ecológico, interfere no meio ambiente apropriando-se de dos recursos necessários à manutenção da própria vida, sem levar em conta o bem-estar e as necessidades dos outros seres, e nem mesmo a perpetuação de tais recursos (2011, p. 378).

Nesse particular, comungamos dos ensinamentos de Boff (2009), no sentido de que as questões ecológicas podem ocasionar a necessária mudança na forma como os seres humanos se relacionam com o meio ambiente. Contudo, faz-se necessário que o homem supere o paradigma atual da civilização, que tem gerado pobreza de grande parte da humanidade (aproximadamente 2/3) e degradação do planeta, diante da ganância desenfreada na utilização de seus recursos, que atualmente se sabe são esgotáveis e/ou não renováveis no prazo exigido pelo nível de consumo hodierno.

A ineficácia dos mecanismos nacionais e internacionais de proteção ambiental em vigor, estes últimos propostos pelos Estados soberanos em diversas conferências e convenções internacionais, com destaque para a Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima de 1992 (Nova York), a Convenção sobre Diversidade Biológica de 1992 (Rio 92) e o Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima de 1997, sem prejuízo de outras tantas, explica-se em razão da resistência, por parte significativa dos países poluidores, em aderir ao cumprimento das metas nelas estabelecidas.

Por outro lado, em que pese ter sido constatada, ao logo da história, a responsabilidade dos países desenvolvidos pela maior parcela dos gases de efeito estufa até então emitidos, dados estatísticos atuais apontam o Brasil como o quarto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, responsável por 4,63% da totalidade das emissões mundiais[1].

Nesse contexto, a busca de soluções alternativas aos mecanismos convencionais de proteção ambiental é uma preocupação que ocupa não somente a agenda das principais organizações internacionais multilaterais, como também dos governos internos e da sociedade civil em geral.

Dentre as alternativas ventiladas até o momento, a valoração econômica de recursos ambientais, que aborda a questão de modo complexo e transdisciplinar, preconizando mecanismos positivos de incentivo à recuperação e à proteção do meio ambiente, em contraposição aos atuais instrumentos já citados, e baseia-se no princípio do provedor recebedor, vem recebendo considerável atenção do meio acadêmico e também dos Chefes de Estado.

No Brasil, a Lei n.º 12.651, de 25 de maio de 2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa e dá outras providências, apelidada de Novo Código Florestal, apesar do retrocesso se comparado ao Código Florestal de 1965, trouxe um importante progresso no tocante ao pagamento por serviços ambientais ao atribuir valores econômicos às atividades de manutenção, recomposição, recuperação e preservação de Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal (Art. 41), tradicionalmente consideradas “sem valor econômico” pela legislação e pelo Poder Judiciário.

Adicionalmente, merece destaque o Projeto de Lei n.º 5.487/2009, em trâmite no Congresso Nacional, que contempla a Política Nacional dos Serviços Ambientais e do Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais, em sede nacional, o qual, uma vez sancionado, produzirá reflexos nos projetos para pagamento por serviços ambientais desenvolvidos em estados e municípios de todo o país.

No tocante às iniciativas de pagamento por serviços ambientais já implementadas no Brasil, dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2013 apontam que 7,5% do total de municípios do País, a maioria dos quais localizada na Região Centro-Oeste, já pagam por serviços ambientais (IBGE, 2013). Em escala municipal, os programas de pagamento por serviços ambientais são geralmente voltados à preservação das matas ciliares e de recursos hídricos.


2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SEUS DESAFIOS

Muito embora a Conferência de Estocolmo de 1972 tenha sido a primeira a tratar de direito ambiental humano e o conceito de desenvolvimento sustentável já estivesse contido nos trabalhos da Conferência sobre Meio Ambiente Humano e na elaboração da Carta Mundial para a Natureza de 1982, a alusão específica ao termo desenvolvimento sustentável ocorreu em 1987, no relatório Nosso Futuro Comum , emitido pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, conhecida como Comissão Brundtland.

De acordo com Amaral Junior (2011, p. 59-60), a consagração definitiva da expressão desenvolvimento sustentável se deu na Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, na Convenção sobre Mudança Climática, na Convenção sobre diversidade Biológica e na Agenda 21, todos documentos que resultaram da Conferência Eco-92, ocorrida no Rio de Janeiro, em 1992.

Em apertada síntese, o desenvolvimento sustentável seria uma evolução do desenvolvimento econômico, porquanto agrega ao crescimento econômico a necessidade de se buscar a equidade social na distribuição dos recursos naturais, bem como a preservação de tais recursos para as presentes e futuras gerações. Nesse sentido, podemos dizer que o desenvolvimento sustentável apoia-se em três pilares principais, quais sejam, o crescimento econômico, a proteção ambiental e a coesão social.

Portanto, o conceito de desenvolvimento sustentável, que surgiu da noção de que os recursos naturais não são perpétuos, mas sim limitados, e por isso precisam ser preservados, pressupõe uma relação intertemporal, uma vez que deve satisfazer as necessidades do presente sem comprometer os recursos equivalentes de que outras gerações farão (ou deveriam fazer) uso no futuro.

De acordo com Machado (2012), a noção de sustentabilidade é baseada, aprioristicamente, em pelo menos dois aspectos, sendo o primeiro deles relativo ao fato de que as ações humanas passam a ser analisadas com relação à produção de efeitos ao longo do tempo (no presente e no futuro), e o segundo, quanto à continuidade e consequências desses efeitos no futuro. No que atine especificamente à sustentabilidade ambiental, o autor acrescenta a implicação de se verificar o estado do meio ambiente no presente e no futuro.

Diante da patente complexidade que envolve o tema, não podemos mais insistir em abordá-lo sob a ótica do pensamento tradicional, pautado na abstração e na fragmentação do problema. Faz-se mister uma abordagem transdisciplinar da questão, mais concreta, contextualizada e globalizada, consoante leciona Morin (1998):

A Abordagem transdisciplinar é a tendência de reunir as disciplinas numa totalidade, entre os fenômenos naturais. É a tendência de criar pontes entre as disciplinas, um terreno comum de troca, diálogo e integração, onde os fenômenos possam ser encarados de diversas perspectivas diferentes ao mesmo tempo, gerando uma compreensão holística desse fenômeno, compreensão essa que não se enquadra mais dentro de nenhuma disciplina, ao final.

Apesar de avanços no que se diz respeito à adoção do conceito de desenvolvimento sustentável em diversos documentos e conferências internacionais, mais recentemente podemos citar a Conferência Rio + 20, assim como em constituições e leis internas de diversos países, erigindo à condição de princípio do Direito Ambiental, a verdade é que, consoante explicita Altmann:

A tecnociência e o livre mercado demonstraram não possuir respostas para todos os problemas ambientais. No entanto, a preservação da natureza se impõe, seja qual for o modelo de desenvolvimento que o homem adote doravante. Nesse sentido, a valorização e a manutenção dos serviços ambientais é um passo decisivo para a preservação do meio ambiente (2009, p. 80).

Adicionalmente, segundo destaca com propriedade Machado:

O antagonismo dos termos – desenvolvimento e sustentabilidade – aparece muitas vezes, e não pode ser escondido e nem objeto de silêncio por parte dos especialistas que atuem no exame de programas, planos e projetos de empreendimentos. De longa data, os aspectos ambientais foram desatendidos nos processos de decisões, dando-se um peso muito maior aos aspectos econômicos. A harmonização dos interesses em jogo não pode ser feita ao preço da desvalorização do meio ambiente ou da desconsideração de fatores que possibilitam o equilíbrio ambiental (2012, p. 74).

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Ao se profundar nessa discussão, Machado (2012, p. 72) assevera que a sustentabilidade ambiental não inclui, obrigatoriamente, o desenvolvimento em suas acepções econômicas e sociais, presentes no conceito de desenvolvimento sustentável, posto que “é preciso saber se há razão para mudar, se há realmente bases para que esse desenvolvimento signifique uma melhoria”.

Tal fato porque, de forma geral, o crescimento econômico a despeito de acarretar desenvolvimento da agricultura, do comércio, da indústria e da urbanização, concomitantemente gera problemas de degradação florestal, poluição da água e do ar, dentre outros.

Considerando-se as dimensões econômica, ambiental e social incorporadas pelo conceito de desenvolvimento sustentável, Almeida (2002, p. 23) acentua a importância da gestão integrada do meio ambiente pelo Poder Público e sociedade civil, nos seguintes termos:

Ficaram para trás os tempos de, primeiro, predomínio do econômico e indiferença para com o ambiental; depois, preocupação exclusiva em proteger a natureza, da qual o homem, com suas dores e necessidades, parecia alijado. No novo mundo tripolar, o paradigma é o da integração de economia, ambiente e sociedade, conduzida e praticada em conjunto por três grupos: empresários, governo e sociedade civil organizada.

Diante da inegável necessidade de recuperação e preservação de recursos ambientais, de um lado, e do crescente consumo característico da sociedade capitalista em que vivemos atualmente, o que implica no aumento da produção industrial e no consumo de recursos naturais em tempo recorde, de outro lado, uma das maneiras factíveis de se promover o desenvolvimento sustentável seria, a nosso ver, o desenvolvimento de programas de pagamento por serviços ambientais, tanto em sede interna, como em âmbito internacional.


3. FUNDAMENTOS DO PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS E O CONTEXTO BRASILEIRO

Antes de adentrarmos aos fundamentos do pagamento ou compensação por serviços ambientais propriamente ditos, cumpre destacar que a natureza nos provê, além de serviços ecológicos ou ambientais, bens como a madeira, por exemplo, cuja precificação ocorre de acordo com as leis de mercado. A água é um outro exemplo de bem fornecido pela natureza e que, no Brasil, pode ser cobrada, de acordo com a Lei de Recursos n.o 9.433/1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos.

Nesse sentido, esclarece Bensusan:

(...) observando à nossa volta, é fácil perceber que muitas coisas que desfrutamos provêm da natureza: a madeira da mesa onde estamos trabalhando; o papel onde escrevemos; o alimento que comemos; a roupa que vestimos; a recreação nos parques, cachoeiras, praias e muitas outras. Se observarmos, porém, com mais atenção, percebemos um outro tipo de fatos essenciais para nossa sobrevivência e que nos são proporcionados pela natureza: regulação da composição atmosférica, ciclagem de nutrientes, conservação dos solos, qualidade da água, fotossíntese, decomposição de lixo, etc. Esse segundo tipo refere-se a processos de transferência da natureza para um processamento humano posterior da matéria, energia e informação, que proporcionam condições para a manutenção de nossa espécie e são conhecidos como serviços ambientais ou ecológicos. Esses serviços não possuem etiqueta de preço, mas são extremamente valiosos e caros (Apud Altmann, 2009, p. 81).

A presente pesquisa se concentra exatamente nos serviços ambientais ou ecológicos, ferramenta extremamente importante para a concreção do tão aclamado desenvolvimento sustentável. Contudo, é cediço que para que a natureza possa prover tais serviços ao homem, é mister que ela seja preservada e manejada de modo correto, e em alguns casos até mesmo recuperada ou recomposta.

Nesse diapasão, segundo Gusmão:

As CSAs (Compensações por Serviços Ambientais) constituem uma importante ferramenta para a geração de meios e serviços que se fazem necessários a uma sadia qualidade de vida, pois permite e incentiva a utilização da natureza de forma sustentável. De onde se extrai a conclusão que os mecanismos de compensações e prêmios pela conservação e restauração de serviços ambientais podem ser importantes instrumentos para a promoção da sustentabilidade social, ambiental e econômica, sobretudo de populações rurais que habitam áreas estratégicas para a conservação da biodiversidade, a produção de água, a proteção de mananciais e florestas, a produção de alimentos sadios e até para o exercício de atividades recreativas religiosas e turísticas (2003, p. 12).

Sob essa ótica, pode-se dizer que a valoração econômica de recursos naturais tem múltiplos objetivos, dentre os quais: fortalecer o cumprimento da legislação ambiental em vigor, baseada em instrumentos e comando e controle que, por si só, nem sempre são eficazes; aumentar a conscientização dos proprietários e/ou possuidores de terras, e dos beneficiários de forma geral, sobre a importância da preservação do meio ambiente para que a natureza possa continuar a nos prestar serviços ambientais; valorizar ou compensar aqueles que contribuem diretamente para a preservação dos recursos naturais além das imposições legais.

O pagamento por serviços ecológicos ou ambientais é pautado no princípio do protetor-recebedor, impondo-se como mecanismo apto a promover não apenas justiça climática, mas sobretudo social, uma vez que o custo da preservação do meio ambiente não deve recair sobre o proprietário ou possuidor da terra, já que os benefícios dela advindos serão usufruídos por toda a coletividade.

Um outro fator relevante que se discute no que tange ao pagamento por serviços ambientais, consoante Seidenfeld, citado por Nusdeo (2012, p. 72), trata-se da compensação pelo custo de oportunidade, haja vista que o proprietário ou possuidor de terra teria prejuízo ao deixar de empregar os recursos preservados na produção de outros bens ou em outros usos – uma espécie de compensação financeira por receitas futuras que deixaram de ser auferidas com o propósito, por exemplo, de preservar mata ciliar ao redor de nascentes em dimensões maiores que as previstas em lei com a finalidade de assegurar maior quantidade e melhor qualidade de água para toda uma comunidade.

Adicionalmente, conforme destaca Nusdeo:

Um argumento forte em favor dos pagamentos refere-se ao fato de ser a comparação dos seus custos com aqueles ligados a soluções artificiais, quando disponíveis, vantajosa, assim como a comparação dos custos desse instrumento de política ambiental com outros, como a criação de unidades de conservação de proteção integral, ou a aplicação isolada de normas de comando e controle. O pagamento por serviços ambientais aparece aí como um instrumento eficiente, e, ainda, apto a conciliar a preservação com a presença de populações na área preservada, aumentado s[1] Procuradora do Município de Rio Verde – GO, Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Rio Verde – GO, Especialista em Direito Empresarial pela FGV/SP e Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás ua renda e estimulando a manutenção de seus comportamentos sustentáveis (2012, p. 72-73).

Outrossim, não se pode excluir do debate acerca da remuneração por serviços ambientais o meio de pagamento a ser utilizado para promover a já mencionada justiça social. Nesse particular, Wunder citado por Nusdeo (2012, p.75) defende que pagamentos em pecúnia tendem a ser mais eficientes, pois acarretam menores custos de implementação, propiciam menores possibilidades de corrupção e permitem uma rápida suspensão na hipótese de violação às condicionantes para pagamento.

Por outro lado, em alguns casos pode ser mais aconselhável e proveitoso para a sustentabilidade da comunidade a remuneração por outros meios, como isenção de tributos, capacitação técnica, subsídio na aquisição de produtos ou, ainda, consoante ilustra Nusdeo citando Constanza (2012, p. 75), com a doação de colmeias no âmbito de um programa de pagamento por serviços ambientais na bacia hidrográfica de Santa Rosa, na Bolívia, iniciativa bem recebida pelos beneficiários.

No Brasil, dentre os casos concretos que viabilizaram a implantação de projetos de pagamento por serviços ambientais na prática, podemos citar o Programa Produtor de Águas, desenvolvido pela Agência Nacional de Águas (ANA) e em curso em diversos municípios brasileiros, dentre os quais Extrema, no Estado de Minas Gerais e Rio Verde, no Estado de Goiás, cujo principal objetivo é incentivar e remunerar a preservação de matas ciliares ao redor de nascentes de água localizadas em propriedades privadas, de modo a assegurar o aumento na quantidade e a melhoria na qualidade da água que abastece a população, sendo que a forma de remuneração adotada é o pagamento em dinheiro, calculado com base no custo de oportunidade do pequeno produtor que deixa de utilizar a área para agricultura ou pecuária, destinando-a à preservação ambiental.

Em termos legais, o Brasil prescinde de instrumentos de incentivo positivo para preservação ambiental. Todavia, o Projeto de Lei n .o 792/07 da Câmara dos Deputados, anexo ao Projeto de Lei n.o 5487/2009 em trâmite no Congresso Nacional, tendo por objeto a instituição de uma Política Nacional dos Serviços Ambientais associada a um Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais (PL 5.487/09), aponta como principal objetivo:

(...) transferir recursos, monetários ou não, àqueles que voluntariamente ajudam a conservar ou a produzir tais serviços. Como os efeitos desses serviços são usufruídos por todos, é justo que as pessoas por eles responsáveis recebam incentivos. A ideia é que não basta apenas cobrar uma taxa de quem polui ou degrada, mas é preciso destinar recursos a quem garante a oferta dos serviços voluntariamente (Apud Altmann, 2009, p. 88).

O PL 5.487/09, em seu artigo 2o, inciso I, traz o seguinte conceito de serviços ambientais: “serviços desempenhados pelo meio ambiente que resultam em condições adequadas à sadia qualidade de vida.” Definindo, por seu turno, Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) como a “retribuição, monetária ou não, às atividades humanas de restabelecimento, recuperação, manutenção e melhoria dos ecossistemas que geram serviços ambientais e que estejam amparados por planos e programas específicos” (PL 5.487/09, art. 2o, inciso II).

Ora, consoante se verifica da proposta legislativa para instituição de uma Política Nacional dos Serviços Ambientais associada a um Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais no âmbito brasileiro, resta evidente que não há restrições quanto à forma de remuneração pelos serviços ambientais decorrentes de atividades humanas, podendo esta ser pecuniária ou não.

O PL 5.487/09 optou, ainda, por trazer definições bastante simples de “pagador de serviços ambientais” (art. 2o, inciso III) e de “recebedor de pagamento por serviços ambientais” (art. 2o, inciso IV) , destacando em ambos os casos, a necessidade de vinculação a planos ou programas específicos para fazer jus à remuneração.

Os instrumentos previstos no PL 5.487/09 quanto à Política Nacional de Serviços Ambientais (PNSA) são os seguintes: planos e programas de pagamento por serviços ambientais; captação, gestão e transferência de recursos, monetários ou não, públicos ou privados, dirigidos ao PSA (Pagamento por Serviços Ambientais); assistência técnica e capacitação voltadas à promoção dos serviços ambientais; inventário das áreas prioritárias para a promoção dos serviços ambientais; e cadastro nacional de pagamento por serviços ambientais.

Nesse particular, concordamos com Altmann (2009, p. 99), quando assevera que:

O PSA é o mais importante instrumento previsto para a PNSA, uma vez que operacionaliza a preservação dos serviços ambientais. Os demais instrumentos auxiliam no desenvolvimento de planos e programas de PSA. (...) O cadastro nacional de PSA também constitui relevante instrumento, tendo em vista que os entes federados poderão instituir seus próprios planos e programas de PSA.

Com o propósito de implementar o pagamento pelos serviços ambientais no âmbito da PNSA, o art. 5o do PL 5.487/09 cria e regula o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais (PFPSA), o qual, por sua vez, subdivide-se em três subprogramas: o subprograma floresta (art. 7o); o subprograma RPPN (art. 8o) e o subprograma água (art. 9o).

Nesse particular, uma das características que merece destaque é o fato de não se exigir que o participante do plano ou programa específico de implementação de PSA seja proprietário da área objeto de proteção e/ou recuperação, sendo suficiente a comprovação de uso ou ocupação regular do imóvel inscrito, desde que a participação no PFPSA seja formalizada por meio de contrato específico.

Ademais, frise-se que o PL 5.487/09 admite a utilização de receitas provenientes de acordos, convênios ou outros instrumentos congêneres celebrados com órgãos e entidades da administração pública federal, da estadual, do Distrito Federal e/ou municipal, para fins de implementação da PFPSA.

Por derradeiro, cumpre mencionar a importância do art. 14 do PL 5.487/09, no qual vem insculpido o princípio da participação, observada em diversas outras normativas brasileiras de caráter ambiental, pela previsão expressa de criação de um comitê gestor do PFPSA, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente.

Não restam dúvidas que a Política Nacional de Serviços Ambientais associada ao Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais baseados na adesão voluntária, na forma como propostos no PL 5.487/09, representarão, uma vez sancionados, relevante avanço na preservação e na recuperação de recursos naturais degradados em nosso território, revelando-se um instrumento efetivo para o desenvolvimento sustentável no Brasil, e podendo servir de exemplo, inclusive, para outras nações.

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Sobre a autora
Carolina Merida

Procuradora do Município de Rio Verde – GO, Professora Adjunta da Faculdade de Direito da Universidade de Rio Verde – GO, Especialista em Direito Empresarial pela FGV/SP e em Direito Público pela Faculdade Professor Damásio de Jesus, Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MERIDA, Carolina. A valoração econômica dos serviços ambientais e a necessidade de uma abordagem transdisciplinar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4858, 19 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34612. Acesso em: 18 abr. 2024.

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