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Em busca de uma justiça possível:

considerações acerca de um modelo de justiça em face do desenvolvimento humano e transformação social

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24/06/2016 às 13:24
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível, ao chegar ao fim desse estudo, estabelecer seguramente que a inteligência das diferentes ideias de justiça pode contribuir para a promoção do desenvolvimento e da mudança social. É necessário, contudo, apontar que tipo de desenvolvimento se espera e quais mudanças sociais são desejadas para que esses sejam considerados justos e, sobretudo, que tenham eficácia social.

Para que uma sociedade se desenvolva com justiça, é necessário que o desenvolvimento econômico seja proporcional ao desenvolvimento humano igualitário. Esse desenvolvimento humano deve ser avaliado não apenas na quantidade de riqueza e bens primários para a sobrevida que as pessoas possuem, mas também na capacidade dessas pessoas de poderem levar uma vida boa e de realizar o que têm razão para valorizar com liberdade.

Nesse sentido, para se alcançar uma sociedade mais justa, em que haja de fato um desenvolvimento humano igualitário e que as mudanças sociais esperadas se realizem, é necessária a adoção de políticas e ações que efetivamente sejam capazes de promover as mudanças sociais e o desenvolvimento humano. Da mesma forma, as instituições como um todo[36] têm de priorizar o enfoque das suas atuações no sentido da promoção da justiça social.

É possível ilustrar a necessidade da mudança na atuação institucional, na medida em que são tomadas as instituições jurídicas como exemplo.

Ainda vigem nas instituições jurídicas os princípios puramente positivistas, que valorizam principalmente a mera aplicação da norma legal no momento da jurisdição, tendo os resultados abrangentes dessa decisão um papel secundário dentro da atuação jurisdicional. Faz-se necessário que se mude esse cenário, tendo em vista que a mera aplicação das normas organizacionais muitas vezes tem resultados verdadeiramente injustos, culminando na manutenção ou piora de uma realidade de injustiça.[37]

 Assim sendo, para que seja possível caminhar em direção a uma sociedade mais justa é necessária uma mudança macrossociológica, que envolve as esferas culturais, políticas, jurídicas, econômicas e sociais. Essas mudanças devem estar intimamente ligadas com a noção de desenvolvimento humano através das mudanças sociais, advindas da maior distribuição de bens primários em conjunto com maior acesso à educação, assistência de saúde, maior possibilidade de participação nas decisões políticas e incondicional respeito aos direitos humanos (FERNANDES, 1972).

Assim, vê-se que para que haja realmente uma promoção do desenvolvimento e das mudanças sociais, é necessária uma mudança na concepção de justiça. Há que se adotar uma justiça para além apenas das culminações da aplicação de regras organizacionais, que consiga avaliar os resultados abrangentes de um ponto de vista que vise uma efetiva melhora na vida em que as pessoas podem levar.  

Essa mudança passa, certamente, pela ampliação do debate sobre as questões de justiça em todos os espaços públicos, sobretudo na academia. As ciências sociais, políticas, jurídicas, econômicas e juntamente com a filosofia têm papel essencial no fomento da discussão sobre as questões de justiça social, devendo esse tema, cada vez mais, estar presente nas discussões acadêmicas.

Nesse sentido, vê-se que a dinâmica estabelecida entre as mudanças sociais, o desenvolvimento e a ideia de justiça é uma via de mão dupla. Ao mesmo tempo em que a ideia de justiça promove o desenvolvimento e as mudanças sociais, essas mudanças são instrumentos capazes também de mudar as concepções teóricas e culturais que se tem sobre a justiça.

Finalmente, é possível entender que a justiça como promoção do desenvolvimento e das mudanças sociais não é um fim exclusivo e autossuficiente, mas sim um processo constante de conhecimento e eliminação das injustiças manifestas. Apenas estão sendo dados os primeiros passos para que se caminhe em direção à justiça social, e é provável que nunca se chegue realmente a um ponto final. Entretanto, o que realmente deve ser objetivo da sociedade é a necessidade de propiciar concretamente o combate às injustiças, ao invés de permanecer na busca e na esperança de que se criem prontamente esquemas ou instituições perfeitamente justos e capazes de resolver todas as situações de injustiça que se apresentem.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

[1]Aqui o sentido de homogêneo refere-se meramente à noção de que o mesmo grupo divide as mesmas características culturais. É claro que não foi ignorada a ideia de que esses grupos podem ser constituídos de pessoas de diferentes gêneros, idades, etnias, etc, mas que podem sim comungar de uma mesma identidade cultural. 

[2]O Código de Hamurabi, compilado pelo Rei Hamurabi da Babilônia em 1.700 a.c., foi um dos primeiros códigos legais conhecidos. A importância desse apanhado legal diz respeito à introdução inaugural da ideia da Lei de Talião: “olho por olho, dente por dente” em um sistema jurídico.

[3]BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. São Paulo: Zahar, 2012.

[4]Embora o próprio Rawls acreditasse que o senso comum era às vezes vacilante e demais incoerente em algumas situações, como por exemplo, no momento da tomada de decisões políticas, ele exaltava a importância do senso comum como fonte das qualidades morais e da razoabilidade, ambas de grande relevância para o seu trabalho.

[5]Akbar, O Grande foi um imperador mongol da índia que reinou de 1556 a 1605. Akbar além de notável estadista foi também estudioso da política e da filosofia, tendo, na década de 1590, argumentado que “o caminho da razão” ou a “regra do intelecto” (rahi aql) seria a base para um comportamento bom e justo, bem como um marco aceitável de direitos e deveres legais.

[6]A teoria rawlsiana será tratada com mais atenção no item 2.1. do presente capítulo.

[7]A defesa da utilização da razão prática é fruto da forte influência kantiana no pensamento de Rainer Forst. Da mesma forma, a tradição crítica de Habermas também está presente na teoria da justiça de Forst.

[8]Rawls busca se afastar da tendência utilitarista anteriormente utilizada através da adoção de um conceito contratualista, aos moldes dos pensadores iluministas como Jean-Jacques Rousseau, Locke ou Kant. Dessa forma, o autor produziu uma teoria de justiça que não depende da natureza justificatória do utilitarismo benthamista.

[9]John Rawls dá a esse estágio o nome de “constitucional”.

[10]Esse princípio é denominado por Rawls como o princípio da liberdade.

[11]Por sua vez esse princípio é denominado princípio da diferença.

[12]A construção dessa parte do segundo princípio, nesse trecho ainda está incompleta, adiante no seu trabalho, Rawls reconhece que as desigualdades só devem ser toleradas se forem para o benefício dos membros menos favorecidos da sociedade.

[13] SEN, Amartya. A Ideia de Justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 90.

[14]O conceito de capacidade será crucial para o desenvolvimento desse trabalho e será tratado com mais atenção mais adiante.

[15]O termo transcendental aqui diz respeito à noção de contrato social de Rawls. A adoção desse termo se dá pela ausência de um tempo e espaço específico para a ocorrência desse acordo fechado na posição original.

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[16]John Rawls utiliza a sigla TJ para se dirigir à sua obra Uma Teoria da Justiça.

[17]A esse grupo de indivíduos Rawls da o nome de povo. A mera adoção dessa nomenclatura já aduz que não se trata de um conceito global, que diga respeito a toda humanidade, sendo um conceito muito mais semelhante com o que conhecemos por estados nacionais ou países.

[18]O que se quer dizer com sem sofrer nenhum confinamento posicional é que, adotando um ponto de vista mais abrangente, podemos ter maior liberdade e segurança na análise do objeto (no nosso caso a justiça) sem o perigo de sofrer distorções no resultado dessa análise.

[19]O conceito de niti pode ser entendido como a concepção cultural de justiça que foi a adotada como sendo ideal no mundo ocidental, denotando a importância que as normas legais e organizacionais têm nesse contexto cultural. Já a ideia de nyaya tem uma valorização maior no que diz respeito a algumas sociedades orientais, tendo em vista a influência forte da ideia de comunidade, comiseração e compadecimento que a filosofia oriental (como a budista) exerce sobre essas sociedades.

[20]O Baghavad-Gita faz parte do épico Mahabharata, livro sagrado do hinduísmo de autoria atribuída ao poeta Krishna Dvapayana Vyasa, embora a origem e data de publicação do texto ainda seja incerta. 

[21]Amartya Sen se preocupa com a questão das capacidades de grupos de indivíduos. Para o autor não faz sentido não aplicar a abordagem das capacidades também para coletividades. 

[22]SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia de Bolso, 2013. p. 39.

[23]Relembrando, niti significa a justiça vinda das regras organizacionais.

[24]Por sua vez, nyaya refere-se à reserva do interesse das pessoas.

[25]Escolher, nesse contexto refere-se à eleição dos políticos, referenciando o apreço do autor à democracia.

[26] DICKENS, Charles. Great expectations. Londres: Penguin, 2003. p. 9. 

[27]IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Comunicados do IPEA: Mudanças recentes na pobreza brasileira. Base de dados. 2011.

[28]Associação Internacional de Seguridade Social, instituição baseada em Genebra, Suíça, foi fundada em 1927 e é reconhecida por 157 países e 330 organizações não governamentais. Se dedica a avaliar, fomentar e expandir as políticas sociais nos países em que está presente.

[29]Pode ser traduzido como: Prêmio por impressionante conquista em seguridade social.

[30]IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Efeitos macroeconômicos do programa Bolsa Família: uma análise comparativa das transferências sociais. Base de dados. 2013

[31]PNUD, Relatório do Desenvolvimento Humano 2013. A Ascensão do Sul: Progresso Humano num Mundo Diversificado. Base de dados. 2013.

[32]Piketty usa como exemplo o caso dos Estados Unidos (que não é um caso muito diferente do Brasil) que no ano de 2010, apenas 10% da população acumulava 75% das riquezas do país. Segundo o autor, essa realidade tende a piorar, uma vez que a taxa de acúmulo de riquezas tende a ser sempre muito maior do que a taxa de retorno desses valores ao mercado (em forma de salários, serviços, bens primários, etc.). A matemática utilizada para a obtenção desse resultado, apesar de muito esclarecedora não foi tratada nesse trabalho no intuito de desviar o enfoque da pesquisa dos meandros puramente econômicos.

[33]Aqui apenas se está sendo fiel ao exemplo dado. É claro que, como dito, os negros não são os únicos que sofrem com o efeito das desigualdades no Brasil.

[34]Um exemplo recente dessa realidade é a necessidade da contratação de médicos estrangeiros através do programa Mais Médicos, cuja mão de obra é sensivelmente mais barata que a dos médicos nacionais, para possibilitar o atendimento de saúde em locais que não possuíam esse serviço. Embora haja intensa discussão acerca da necessidade de avaliar a qualidade dessa mão de obra aplicada à realidade brasileira, é inegável o esforço do governo federal de ampliação do acesso aos serviços de saúde àqueles que não o tinham anteriormente.

[35]Lei 11.340/2006, que visa à proteção dos direitos das mulheres contra a violência doméstica.

[36]Instituições jurídicas, sociais, políticas, econômicas, culturais, etc.

[37]Aqui faz-se referência aos conceitos de niti como sendo a justiça baseada na aplicação de normas organizacionais e nyaya, traduzida como a justiça realizada, ou a justiça focada na vida que as pessoas são capazes de levar, trabalhados no capítulo 4 desse trabalho. 

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Sobre o autor
Arthur Votto Cruz

Advogado graduado pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Arthur Votto. Em busca de uma justiça possível:: considerações acerca de um modelo de justiça em face do desenvolvimento humano e transformação social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4741, 24 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34626. Acesso em: 22 nov. 2024.

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