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Responsabilidade civil por atos do Estado no sistema penitenciário

15/06/2015 às 09:26

Resumo:


  • O julgamento do Recurso Extraordinário 580.252 no STF discute a responsabilidade civil do Estado por danos morais decorrentes de superlotação carcerária.

  • O Ministro Relator entende que o Estado tem responsabilidade objetiva por não garantir condições mínimas de cumprimento das penas nos estabelecimentos prisionais.

  • A jurisprudência do STF reconhece a responsabilidade objetiva do Estado pela integridade física e psíquica dos detentos, mesmo em casos de atos omissivos, e destaca a necessidade de políticas públicas para melhorar as condições carcerárias.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Apresenta-se recente julgamento do STF, com repercussão geral, sobre a responsabilidade civil do Estado pelos danos trazidos nas penitenciárias brasileiras aos presos.

A matéria de responsabilidade civil decorrente de ato omissivo do Estado, ao privar o preso de condições dignas, alimenta controvérsias.

Pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso suspendeu, na sessão plenária do dia 3 de dezembro de 2014, no Supremo Tribunal Federal, o julgamento do Recurso Extraordinário 580.252 em que se discute a responsabilidade civil do Estado por danos morais decorrentes de superlotação carcerária. O Recurso Extraordinário teve repercussão geral reconhecida e a decisão deverá se refletir em pelo menos setenta e um casos sobrestados em tribunais de todo o país. O julgamento foi interrompido após o voto do Ministro Relator Teori Zavascki, que entendeu haver responsabilidade civil do Estado por não garantir as condições mínimas de cumprimento das penas nos estabelecimentos prisionais. O entendimento foi acompanhado pelo Ministro Gilmar Mendes.

No caso concreto, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul (DP-MS), em favor de um cidadão condenado a 20 anos de reclusão, cumprindo pena no presídio de Corumbá (MS), recorreu contra acórdão do Tribunal de Justiça local (TJ-MS) que, embora reconheça que a pena esteja sendo cumprida “em condições degradantes por força do desleixo dos órgãos e agentes públicos”, entendeu não haver direito ao pagamento de indenização por danos morais.

Da tribuna, o agente público que presentou  a  Defensoria Pública sustentou que, ao não garantir as condições necessárias para o cumprimento da pena, fato que violaria o princípio da dignidade humana, o Estado passa a ter responsabilidade objetiva pela situação. Também da tribuna, o procurador de Mato Grosso do Sul reconheceu as más condições do presídio de Corumbá, mas alegou que o pagamento de indenização não seria razoável, pois comprometeria recursos que deveriam ser utilizados para melhorar o sistema penitenciário.

Em seu voto, o ministro Teori Zavascki destacou não haver qualquer controvérsia quanto aos fatos narrados na ação, nem quanto à configuração do dano moral. Lembrou ainda que o próprio acórdão do TJ-MS, que negou o pagamento da indenização, deixa claro ser “notório que a situação do sistema penitenciário sul-mato-grossense tem lesado direitos fundamentais, quanto à dignidade, intimidade, higidez física e integridade psíquica”.

O ministro enfatizou que a discussão no RE que chegou ao STF refere-se unicamente à responsabilidade civil do Estado de responder sobre ação ou omissão de seus agentes, conforme preceitua o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal. Segundo o relator, o dispositivo constitucional é autoaplicável, não sujeito a intermediação legislativa ou a providência administrativa, bastando apenas que tenha ocorrido o dano e seja demonstrado o nexo causal com a atuação da administração pública ou de seus agentes para que seja configurada a responsabilidade civil. Para o ministro, não há dúvida de que o Estado é responsável pela guarda e segurança das pessoas submetidas a encarceramento enquanto permanecerem detidas.

“E é dever do Estado mantê-lo em condições carcerárias de acordo com mínimos padrões de humanidade estabelecidos em lei, bem como, se for o caso, ressarcir os danos causados que daí decorrerem”, acentuou o relator.

O ministro observou também que a jurisprudência do STF já deixou claro, em mais de uma ocasião, haver responsabilidade objetiva do Estado pela integridade física e psíquica sobre aqueles que estão sob custódia estatal.

O relator ressaltou ser necessária a adoção de políticas públicas sérias para eliminar ou, ao menos, reduzir as violações à integridade e à dignidade das pessoas dos presos, mas isso não significa que as atuais violações causadoras dos danos morais ou pessoais aos detentos devam ser mantidas impunes, sobretudo quando o acórdão recorrido admite que a situação do sistema penitenciário sul-mato-grossense têm lesado direitos fundamentais relativos à intimidade e à integridade física e psíquica.

Lembrou, ainda, que as violações aos direitos fundamentais dos detentos não podem ser ignoradas sob o argumento de que as indenizações não resolveram o problema global das más condições carcerárias. “Esse argumento, se admitido, acabaria por justificar a perpetuação da desumana situação que se constata em presídios. Ainda que se admita não haver o direito subjetivo individual de deduzir em juízo pretensões que obriguem o Estado a formular e implementar política pública determinada, certamente não se pode negar ao indivíduo encarcerado o direito de obter, inclusive judicialmente, pelo menos o atendimento de prestações inerentes ao que se denomina mínimo existencial”, afirmou.

O ministro assinalou que não se pode excluir das obrigações estatais em matéria carcerária  a de indenizar danos individuais de qualquer natureza causados por ação ou omissão do Estado a quem está submetido a encarceramento por seu comando.

“A invocação seletiva de razões de Estado para negar especificamente a uma categoria de sujeitos o direito à integridade física e moral não é compatível com o sentido e alcance do princípio da jurisdição, pois estaria se recusando aos detentos os mecanismos de reparação judicial dos danos sofridos, deixando-os privados de qualquer proteção estatal, numa condição de vulnerabilidade juridicamente desastrosa”.

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, até há pouco tempo atrás, aplicava de forma irrestrita a responsabilidade objetiva, mesmo em decorrência de atos omissivos estatais (como se vê do exemplo do RE 109.615-2-RJ e RE 170.014-9/SP). Por sua vez, a Segunda Turma se inclinava pela responsabilidade subjetiva nesses casos, como se lê do RE 179.147-1/SP e Ag no RE 602.223.

De toda sorte, a doutrina resistente à reparação do dano moral tornou-se obsoleta após a Constituição de 1988. Aliás, o cabimento com relação a reparação do dano moral é matéria pacificada no Supremo Tribunal Federal com a Súmula 491.

Necessário trazer alguns entendimentos com relação a responsabilidade civil do Estado.

Caio Tácito (RDA 55/262) entende cabível a responsabilidade objetiva nos casos de dano anormal, decorrente de atividade lícita do Poder Público,mas lesiva ao particular.

Em posição oposta estão Aguiar Dias (RDA 15/65), Mário Mazagão (Curso de direito administrativo, 6ª edição, RT, 1977, pág. 203) e ainda Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo brasileiro, 32ª edição, São Paulo, pág. 2006), todos considerando que desde o texto de 1988, a responsabilidade objetiva é a regra.

Mas não se desconhece que há campo vasto para a responsabilidade subjetiva no caso de atos omissivos, determinando a responsabilidade pela teoria da culpa ou falta de serviço, seja porque o serviço não funcionou, quando deveria funcionar normalmente, seja porque funcionou mal ou funcionou tardiamente.

A tese de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (Princípios gerais de direito administrativo, volume II, pág. 487) é a que melhor se amolda aos termos da Constituição de 1988, que nesse ponto seguiu as anteriores.

Disse ele:

“ A responsabilidade fundada na teoria do risco-proveito pressupõe sempre ação positiva do Estado, que coloca terceiro em risco, pertinente à sua pessoa ou ao seu patrimônio, de ordem material, econômica ou social, em benefício da instituição governamental ou da coletividade em geral, que o atinge individualmente, e atenta contra a igualdade de todos diante dos encargos públicos, em lhe atribuindo danos anormais, acima dos comuns, inerentes à vida em Sociedade.

“ Consiste em ato comissivo, positivo, do agente público, em nome do e por conta do Estado, que redunda em prejuízo a terceiro, consequência de risco decorrente da sua ação, repita-se, praticado tendo em vista proveito da instituição governamental ou da coletividade em geral. Jamais de omissão negativa. Esta, em causando dano a terceiro, não se inclui na teoria do risco-proveito. A responsabilidade do Estado por omissão só pode ocorrer na hipótese de culpa anônima, da organização e funcionamento do serviço, que não funcionou ou funcionou mal ou do atraso, e atinge os usuários do serviço ou os nele interessados.”

Sérgio Cavalieri Filho (Programa de responsabilidade civil, 9ª edição, São Paulo, Atlas, pág. 270), conclui que a responsabilidade subjetiva do Estado não foi de todo banida de nossa ordem jurídica. A regra é a responsabilidade civil, fundada na teoria do risco administrativo, sempre que o dano for causado por agentes do Estado, nessa qualidade; sempre que houver uma relação de causa e efeito entre a atuação administrativa (comissiva ou por omissão específica) e o dano. Há omissão específica, como diz Guilherme Couto de Castro (A responsabilidade civil objetiva no direito brasileiro, 1977, pág. 37), quando o Estado por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo. Como bem disse Sérgio Cavalieri Filho, resta, todavia, espaço para a responsabilidade subjetiva (por omissão genérica), nos fatos e fenômenos da natureza, determinando-se a responsabilidade da Administração, com base na culpa anônima ou falta de serviço, seja porque este não funcionou, quando deveria normalmente funcionar, seja porque funcionou mal ou funcionou tardiamente.

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Lembre-se a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, 19ª edição, nº 54) quando diz que, “nestas hipóteses, o Estado incorre em ilicitude “ por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível”

Veja-se o que já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, na matéria, no Recurso Especial 549.812/CE, Relator Ministro Franciulli Netto, DJ de 31 de maio de 2004, que, no campo da responsabilidade civil do Estado, se o prejuízo adveio de uma omissão do Estado, invoca-se a teoria da responsabilidade subjetiva.

Sabe-se que os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade objetiva do Estado compreendem: a) a alteridade do dano; b) a causalidade material entre o evento damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público; c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independente de licitude ou não do comportamento funcional (RE 109.615 – 2, Relator Ministro Celso de Mello, DJU de 2 de agosto de 1996); d) ausência de causa excludente da responsabilidade funcional estatal (RTJ 55/503; RTJ 71/99; RTJ 991/3.777).

No julgamento do RE 580.252/MS, o Ministro Relator Teori Zavascki destacou que  o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal é preceito normativo autoaplicável, de modo que ocorrendo o dano e estabelecido o seu nexo causal com a atuação da Administração ou dos seus agentes, nasce a responsabilidade civil do Estado.

Ora, se o Estado é responsável pela guarda e segurança das pessoas submetidas ao encarceramento, enquanto permanecerem detidas, é seu dever mantê-las em condições carcerárias com mínimos padrões de humanidade estabelecidos em lei, tendo ainda que ressarcir o danos que daí decorrerem.

A Constituição Federal, no artigo 5º, XLVII, “e”; XLVIII; XLIX; a Lei 7.210/84, artigos 10, 11, 12, 40, 85, 87, 88; a  Lei 9.455/97; a  Lei 12.874/13; fontes normativas internacionais em que se destacam o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, artigos 2, 7, 10 e 14 e ainda a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, artigos 5, 11 e 25, dentre outros atos normativos, dão garantia mínima de segurança pessoal, física e psíquica, dos detentos, o que constitui um verdadeiro dever estatal.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 662.563 AgR/GO, DJe de 2 de abril de 2012, Relator Ministro Gilmar Mendes, afirmou em seu voto que  a jurisprudência dominante da Corte se firmou no sentido de que a negligência estatal no cumprimento do dever de guarda e vigilância dos detentos configura ato omissivo a dar ensejo à responsabilidade objetiva do Estado, uma vez que, na condição de garante, tem o dever de zelar pela integridade física dos custodiados. É o que se  lê do RE 466.322 AgR/MT, Segunda Turma, Ministro Eros Grau, DJe de 27 de abril de 2007 e do RE 272.839, Segunda Turma, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJ de 8 de abril de 2005.

A matéria é polêmica razão pela qual convém aguardar o final do julgamento referenciado no RE 580.252/MS, que está sob o regime da repercussão geral.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Responsabilidade civil por atos do Estado no sistema penitenciário . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4366, 15 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34663. Acesso em: 23 dez. 2024.

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