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Classificação da propriedade rural em pequena, média ou grande, para fins do art. 185, I da Constituição:

Subordinação exclusiva ao critério da extensão da área

14/06/2015 às 10:10
Leia nesta página:

O presente trabalho discute o conceito de módulo rural para fins agrários, concluindo que classificação da propriedade rural em pequena, média ou grande, subordina-se exclusivamente ao critério da extensão da área, sem exclusão das áreas não aproveitáveis.

Já é consenso entre os doutrinadores que o Direito Agrário goza de autonomia sob os aspectos: legislativo, científico, didático e jurisdicional. Na opinião de MARUQES (2007, p. 10), a autonomia científica do Direito Agrário é “identificada na existência de princípios e normas próprias, diferenciados dos demais ramos da ciência jurídica”.

 No entanto, alguns operadores do direito, diante de casos concretos, logo se animam a transpor, pura e simplesmente, conceitos e princípios oriundos de outros ramos do Direito para solucionar questões tipicamente agrárias, negando, com isso, a autonomia científica de que goza o Direito Agrário.

Semelhante conduta pode ser observada, por exemplo, na pretensão de classificação de imóvel rural, em pequena, média ou grande propriedade, a partir da quantificação de módulos rurais restrita à área aproveitável, em pretensa aplicação estrita do art. 50, § 3º do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64). Esse tipo de pretensão revela típica tentativa de importação de noções estritamente tributárias para solucionar questão tipicamente agrária.

O Tribunal Regional Federal da Primeira Região, em vários julgados, tem acolhido esse pensamento, conforme se depreende dos seguintes precedentes:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. PEQUENA E MÉDIA PROPRIEDADE RURAL. INSUSCETÍVEL DE DESAPROPRIAÇÃO. CF. ART. 185, INCISO I E LEI Nº 8.629/93, ART. 4º, INCISO III, LETRA "A" E PARÁGRAFO ÚNICO. LAUDO OFICIAL. APURAÇÃO DO MÓLULO FISCAL. INCLUSÃO DA ÁREA TOTAL DO IMÓVEL. IMPOSSIBILIDADE. CORRETA A SENTENÇA QUE CONSIDEROU NO CÁLCULO DO MÓDULO FISCAL SOMENTE A ÁREA TOTAL APROVEITÁVEL DO IMÓVEL. LEI Nº 4.504/64, ART. 50, § 3º E DECRETO 84.685/80. UNIÃO FEDERAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. 1. Sendo a União Federal competente para a expedição do decreto expropriatório que deu início à ação de desapropriação, e visando a presente ação ordinária seja o imóvel declarado insuscetível de desapropriação para fins de reforma agrária, objeto do respectivo decreto, está ela legitimada para compor a presente lide, considerando que o resultado do julgamento no presente feito afeta diretamente seu interesse. 2. São insuscetíveis de desapropriação, para fins de reforma agrária, a pequena e a média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra (CF, art. 185, e parágrafo único do art. 4º da Lei nº 8.629/93). 3. O imóvel, objeto da presente ação ordinária, classifica-se como média propriedade, sendo pois insuscetível de desapropriação. 4. Para a classificação da propriedade em pequena, média ou grande propriedade rural, o número de módulos fiscais deverá ser obtido dividindo-se a área aproveitável do imóvel pelo módulo fiscal do Município, levando em consideração, para tanto, somente a área aproveitável, e não a área total do imóvel. Incidência do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64). Precedente do Supremo Tribunal Federal e deste TRF-1ª Região. 5. Verba honorária fixada nos termos do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil. 6. Apelação do INCRA, da UNIÃO e Remessa oficial providas em parte.

(AC 0016961-35.2006.4.01.3300 / BA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (CONV.), QUARTA TURMA, e-DJF1 p.150 de 23/08/2011)

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. CLASSIFICAÇÃO DA PROPRIEDADE EM PEQUENA, MÉDIA OU GRANDE PROPRIEDADE RURAL. LAUDO OFICIAL. INCLUSÃO DE ÁREAS NÃO APROVEITÁVEIS. IMPOSSIBILIDADE. DANOS MORAIS E LUCROS CESSANTES. INDEMONSTRABILIDADE DE SUA OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE PROVA. SENTENÇA MANTIDA. 1. São insuscetíveis de desapropriação, para fins de reforma agrária, a pequena e a média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra (CF, art. 185, e parágrafo único do art. 4º da Lei nº 8.629/93). 2. Para a classificação da propriedade em pequena, média ou grande propriedade rural, o número de módulos fiscais deverá ser obtido dividindo-se a área aproveitável do imóvel pelo módulo fiscal do Município, levando em consideração, para tanto, somente a área aproveitável, e não a área do imóvel. Incidência do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64). Precedente do Supremo Tribunal Federal e deste TRF-1ª Região. 3. Ausentes provas do alegado dano moral e da alegada configuração de lucros cessantes, não há que se falar em condenação da Autarquia à respectiva reparação. 4. Apelações e remessa oficial, tida como interposta, improvidas.

(AC 0001852-57.2006.4.01.3501 / GO, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ, QUARTA TURMA, DJ p.88 de 09/11/2007)

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. CLASSIFICAÇÃO DA PROPRIEDADE EM PEQUENA, MÉDIA OU GRANDE PROPRIEDADE RURAL. INCLUSÃO DE ÁREAS NÃO APROVEITÁVEIS. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA.

1. São insuscetíveis de desapropriação, para fins de reforma agrária, a pequena e a média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra (CF, art. 185, e parágrafo único do art. 4º da Lei nº 8.629/93).

2. Para a classificação da propriedade em pequena, média ou grande propriedade rural, o número de módulos fiscais deverá ser obtido dividindo-se a área aproveitável do imóvel pelo módulo fiscal do Município, levando em consideração, para tanto, somente a área aproveitável, e não a área do imóvel. Incidência do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64). Precedente do Supremo Tribunal Federal e deste TRF-1ª Região.

3. Apelação e remessa oficial improvidas.

(AC 0003417-59.2006.4.01.3500/GO, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ, QUARTA TURMA, Acórdão proferido em 08/04/2008, ainda não publicado)

Para justificar seu posicionamento, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região tem invocado os seguintes argumentos:

Dispõe o art. 185, I, da Constituição Federal que:

“Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

(...).” (grifos nossos).

Com efeito, o dispositivo constitucional em comento não admite a possibilidade de desapropriação da pequena e da média propriedade rural, assim definidas em lei, quando o proprietário não possuir outro imóvel rural. E assim restou estabelecido porque o legislador constituinte, preservando o direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII), quis limitar as hipóteses de desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, de modo a garantir ao cidadão o direito de permanecer explorando a pequena e a média propriedade de que é titular.

Destarte, ao regulamentar os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, a Lei nº 8.629/93, em seu art. 4º, inciso III, “a”, estabelece o conceito da média propriedade rural como sendo aquela de área superior a quatro e até quinze módulos fiscais.

Esse o teor do respectivo dispositivo:

“Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se:

I - Imóvel Rural - o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial;

(...)

III - Média Propriedade - o imóvel rural:

a) de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais;

(...).”

A lei, no entanto, é silente quanto à forma de aferição do módulo fiscal, o que, todavia, não impede o intérprete da lei buscar esses elementos delineadores da forma de cálculo do módulo fiscal no Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), que estabelece a forma de cálculo do número de módulos fiscais do imóvel rural.

Com efeito, dispõe o § 3º do art. 50 do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), verbis:

“Art. 50.

(...)

§ 3º O número de módulos fiscais de um imóvel rural será obtido dividindo-se sua área aproveitável total pelo módulo fiscal do Município. .

(...).”

Nesse contexto, o imóvel objeto da presente ação classifica-se como média propriedade, sendo, portanto, insuscetível de desapropriação para fins de reforma agrária, exceto se o proprietário dispusesse de outra propriedade rural, o que não restou comprovado nos autos (CF, art. 185, I; Lei 8.629/93, art. 4º e parágrafo único).

Quanto à matéria, a sentença recorrida está em harmonia com o entendimento sufragado em precedente do egrégio Supremo Tribunal Federal, devidamente transcrito, no sentido de que “o número de módulos fiscais será obtido dividindo-se a área aproveitável do imóvel rural pelo módulo fiscal do Município (Lei 4.504/64, art. 50, § 3º, com a redação da Lei 6.746, de 1979; Decreto nº 84.689, de 1980, art. 5º)”.” (e-STJ fls. 271/271) (grifo nosso). (trecho retirado do Voto-Condutor do acórdão proferido nos autos nº AC 0003417-59.2006.4.01.3500/GO, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ, QUARTA TURMA, Acórdão proferido em 08/04/2008, ainda não publicado)

No entanto, é de se alertar acerca da impossibilidade de utilização do conceito de módulo fiscal previsto no § 3º do art. 50 do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) para fins de Reforma Agrária, uma vez que tal norma disciplina o cálculo da extensão aproveitável dos imóveis rurais para fins de incidência do Imposto Territorial Rural, portanto, um conceito de natureza eminentemente tributária, incompatível com os conceitos de Direito Agrário, sobretudo com os previstos na Lei nº 8.629/93. Registre-se que o conceito de módulo fiscal foi concebido, essencialmente, para fins tributários, em matéria em que prevalecem princípios de proteção ao contribuinte.

Não bastasse isso, nem o art. 185, I, da Constituição Federal nem o art. 4º da Lei nº 8.629/93 fez essa restrição contida no Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), qual seja, a de que se deve considerar somente a área aproveitável do imóvel rural para fins de classifica-lo como pequena, média ou grande propriedade, visando à desapropriação para fins de reforma agrária.

Com efeito, o art. 185, I, da Constituição Federal diz que:

“Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

(...).” (grifos nossos).

Veio então a Lei nº 8.629/93 justamente definir o que é média propriedade rural e o fez em seu art. 4º. Esse o teor do referido dispositivo:

“Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se:

I - Imóvel Rural - o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial;

(...)

III - Média Propriedade - o imóvel rural:

a) de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais;

(...).”

Ora, consta nas normas mais elementares de hermenêutica a regra de que onde a lei não distingue, não pode o intérprete fazê-lo.

É importante anotar que a forma de classificação posta pela Lei nº 8.629/93 não pode ser confundida com a forma estabelecida no Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64). Com efeito, são conceitos totalmente distintos, sendo certo que não se pode simplesmente enxertar institutos criados para o Direito Tributário diretamente no Direito Agrário, sem que tal acarrete grave distorção de suas finalidades.

 Ora, semelhantemente à interpretação pela não aplicação do art. 46, § 6º do mesmo Estatuto da Terra ao tema da conceituação do imóvel rural, é certo que o art. 50, § 3º é norma que se volta exclusivamente à tributação do ITR, não devendo repercutir na classificação dos imóveis rurais para fins de reforma agrária.

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Ao referir-se ao módulo fiscal como medida padrão para a classificação dos imóveis rurais, entende-se que a Lei nº 8.629/93 buscou apenas alinhar-se a uma medida usual, já corrente no meio agrário, estipulada por órgão público federal, regionalizada e agregadora de diversos fatores.

Contudo, não se pode ampliar a aplicação do art. 50, § 3º do Estatuto da Terra para empregar-lhe, também, ao dimensionamento da pequena, média e grande propriedade para reforma agrária.

Nem mesmo para o cálculo do ITR a atual legislação tributária prevê aplicação do módulo fiscal.

Com efeito, conforme arts. 10 e 11 da Lei nº 9.393/96, o ITR incide sobre a chamada “área tributável”, calculada pela área total com exclusão de algumas áreas imprestáveis e de proteção ambiental. As alíquotas, portanto, não mais se vinculam à quantidade de módulos fiscais, mas ao Grau de Utilização, obtido pelo percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável o imóvel tributado.

Assim, apenas no sistema anterior, para fins de cálculo do ITR, o número de módulos fiscais de um imóvel rural era obtido dividindo-se sua área total aproveitável pelo módulo fiscal do município. A opção do legislador em considerar apenas a área aproveitável no imóvel no cálculo do ITR, justificava-se pela promoção de uma justiça tributária, haja vista que, se o cálculo fosse sobre uma área total do imóvel, o proprietário estaria sendo taxado sobre uma área da qual ele, eventualmente, não teria retorno econômico, quer seja em decorrência de vedação legal (área de preservação permanente), ou imprestabilidade de área para prática de atividades agrária, o que caracterizaria uma exação descabida.

Nas sistemáticas tributárias, posteriormente implantadas (confira-se, também a Lei nº 8.847/94), foi-se abandonando a ideia de cálculo de módulo fiscal, mantendo, na esteira da política tributária exposta, a exclusão de áreas não aproveitáveis, delimitadas por critérios próprios daquelas leis.

Portanto, não mais aplicável a restrição do cálculo de módulos fiscais à “área aproveitável”, porquanto, tacitamente superado o art. 50, § 3º, do Estatuto da Terra.

Saliente-se, ainda, que o próprio conceito de área aproveitável para os fins tributários é expresso no § 4º do art. 50 do Estatuto da Terra, limitando-se àquela lei, sendo diverso do conceito de área não aproveitável para fins de reforma agrária, incluído, por seu turno, no art. 10 da Lei nº 8.629/93.

Mais uma vez, ressaltar-se a especialidade do art. 50 do Estatuto da Terra ao tema tributário, como justificado.

Acrescente-se, ainda, que as áreas não aproveitáveis, na dicção do art. 10 da Lei nº 8.629/93, já são excluídas do cálculo dos índices de produtividade, não se justificando a dupla exclusão (tanto na classificação como pequena, média e grande propriedade quanto no cálculo dos graus de produtividade)!

Em verdade, a tese sustentada pelo TRF da 1ª Região faz letra morta do art. 10 da Lei nº 8.629/93, uma vez que, excluídas as áreas não aproveitáveis quando da classificação da propriedade em pequena, média ou grande, em um momento posterior, quando do cálculo do índice de produtividade do mesmo imóvel, tais áreas já não existem mais, pois foram excluídas no momento anterior e talvez o imóvel sequer será suscetível de desapropriação, em face da vedação contida no art. 185, I, da Constituição Federal.

Ora, a regra mais elementar de hermenêutica ensina que não se deve adotar interpretação que leve ao absurdo ou que implique a retirada de eficácia de uma norma plenamente vigente e em sintonia com os fatos sociais.

Saliente-se, ademais, que a noção de pequena propriedade, calculada sob módulos fiscais pela totalidade da imóvel, é parâmetro também em outras áreas, como a previdenciária (segurado especial – art. 11, VII, a, 1 da Lei nº 8.213/91), registral (previsão de gratuidade de registro – art. 176, § 3º e 225, § 3º da Lei nº 6.015/73), financeira (financiamento PRONAF) sem que se cogite de exigir que se exclua da área do imóvel, a área não aproveitável antes de quantificar os módulos rurais nessas situações.

Importante ressaltar que o critério de classificação do imóvel em pequena, média ou grande propriedade rural, para fins de reforma agrária, é objetivo e não merece grandes discussões sobre o tema, sendo certo que nem o art. 185 da CF/88, assim como a lei que o regulamenta (Lei nº 8.629/93), ao tratarem de reforma agrária, não fazem a distinção adotada pelo Tribunal Regional.

Assim, resta evidente que a restrição pretendida por quem defende a aplicação do art. 50, § 3º da Lei nº 4.504/64 para fins de Reforma Agrária fere o art. 185 da CF/88, bem como o art. 4º da Lei nº 8.629/93, não podendo, pois, subsistir.

Anote-se que o Supremo Tribunal Federal, ao fazer a correta interpretação do art. 185, I, da Constituição Federal, assentou entendimento no sentido de que a classificação da propriedade rural em pequena, média ou grande, para fins de Reforma Agrária, subordina-se tão somente à extensão área medida, conforme acórdãos proferidos pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal no MS nº 24.719 e no MS 25.066, cujas ementas vão a seguir transcritas:

Ementa: 1) MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE reforma AGRÁRIA. CÁLCULO DA EXTENSÃO DA propriedade rural. ÁREAS INSUSCETÍVEIS DE APROVEITAMENTO ECONÔMICO. IMPOSSIBILIDADE DE SUA DESCONSIDERAÇÃO. 2) A EXCLUSÃO DA ÁREA INAPROVEITÁVEL ECONOMICAMENTE RESTRINGE-SE AO CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE A propriedade (ART. 50, §§ 3º E 4º, DA LEI Nº 4.504). 3) A propriedade rural NO QUE CONCERNE À SUA DIMENSÃO TERRITORIAL, COM O OBJETIVO DE VIABILIZAR A DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE reforma AGRÁRIA, RECLAMA DEVAM SER COMPUTADAS AS ÁREAS INSUSCETÍVEIS DE APROVEITAMENTO ECONÔMICO. O DIMENSIONAMENTO DO IMÓVEL PARA OS FINS DA LEI Nº 8.629/93 DEVE CONSIDERAR A SUA ÁREA GLOBAL. PRECEDENTE DO STF (MS Nº 24.924, REL. MIN. EROS GRAU). 4) SEGURANÇA DENEGADA.

(MS 25066, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 14/12/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-073 DIVULG 13-04-2012 PUBLIC 16-04-2012)

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AGRÁRIO. REFORMA AGRÁRIA. PEQUENA E MÉDIA PROPRIEDADE. C.F., art. 185, I. MATÉRIA CONTROVERTIDA. I. - A pequena e a média propriedade rural, desde que o seu proprietário não possua outra, são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: C.F., art. 185, I. A classificação da propriedade rural em pequena, média ou grande subordina-se à extensão da área, vale dizer, da área medida. II. - No caso, não houve a demonstração de que o expropriado não possui outra propriedade. III. - Alegação no sentido de que o imóvel encontra-se enquadrado no Programa de Recuperação da Lavoura Cacaueira e hipotecado ao Banco do Brasil (Lei 8.629/93, art. 7º). Inexistência de prova de satisfação dos requisitos do art. 7º da Lei 8.629/93. IV. - Fatos que autorizam a impetração devem ser incontroversos, por isso que no processo do mandado de segurança não há dilação probatória. V. - M.S. indeferido.
(MS 24719, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 22/04/2004, DJ 14-05-2004 PP-00033 EMENT VOL-02151-01 PP-00137 RTJ VOL 00192-01 PP-00203)

Interessante que se transcreva, ainda, trecho do inteiro teor do voto condutor do acórdão proferido no MS 24.719 supramencionado:

“Esclarem as informações, entretanto, que a classificação da propriedade como pequena, média ou grande não depende da área aproveitável do imóvel, mas, exclusivamente, de sua área total. [...] O primeiro fundamento da segurança cai por terra, pois, como bem esclarecido nas informações, certo que a classificação da propriedade rural em pequena, média ou grande, subordina-se à extensão da área, vale dizer, da área medida, por isso que “nem o art. 185 da Constituição, nem a Lei nº 8.629, de 1993, estabelecem regra destinada a excluir a área considerada não aproveitável da área total do imóvel rural, para o fim de proceder-se à sua classificação.”

Esse também foi o entendimento adotado recentemente pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento REsp nº 1.161.517/GO, conforme se depreende da seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. AÇÃO ORDINÁRIA AJUIZADA COM O OBJETIVO DE ANULAR PROCESSO ADMINISTRATIVO INSTAURADO PARA VERIFICAR O CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAR CRITÉRIOS DE NATUREZA TRIBUTÁRIA COMO FORMA DE DIMENSIONAR IMÓVEIS RURAIS PASSÍVEIS, OU NÃO, DE EXPROPRIAÇÃO. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA.

1. Inexiste afronta ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos.

2. Na presente hipótese, o Tribunal a quo expressamente expôs os motivos pelo quais entendeu que a classificação da propriedade rural em pequena, média ou grande deve levar em conta apenas a área aproveitável do imóvel, para fins de desapropriação para reforma agrária.

3. O § 3º do art. 50 do Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/64) evidencia que a finalidade da norma em testilha respeita ao cálculo da extensão aproveitável dos imóveis rurais para fins de incidência do Imposto Territorial Rural - ITR. Diante disso, é de concluir-se que o dispositivo do Estatuto da Terra em questão exclusivamente se refere a critério de natureza tributária, para possibilitar o cálculo do ITR. Logo, é defesa a utilização desses parâmetros tributários para dimensionar se imóveis rurais são passíveis, ou não, de expropriação para fins de reforma agrária, na medida em que é vedada a utilização de regra de direito tributário como forma de integrar eventual lacuna na Lei das Desapropriações.

4. O STJ, em caso análogo, vedou a utilização do § 6º do art. 46 do Estatuto da Terra, para fracionar imóvel rural de acordo com o número de herdeiros por ocasião da transmissão causa-mortis e verificar se tal propriedade era passível, ou não, de ser expropriada para fins de reforma agrária, justamente em razão da impossibilidade de utilização de parâmetros tributários para dimensionar o tamanho do imóvel (REsp 1.161.535/PA, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 10/3/2011).

5. O próprio art. 10 da Lei n. 8.629/93 exclui as áreas não aproveitáveis do cálculo dos índices de produtividade, de modo que não ressoa lógico quantificar a extensão total do imóvel em módulos fiscais, para só então subtrair as áreas não aproveitáveis, porque a definição em pequena, medida ou grande propriedade rural deve levar conta o tamanho total da propriedade rural, conforme o entendimento do egrégio STJ (MS 24.719, Relator Ministro Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJ 14/5/2004).

6. Recurso especial provido.

(REsp 1161517/GO, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/09/2012, DJe 24/09/2012)

Portanto, é chegada a hora de se extirpar noções estritamente tributárias na classificação de imóveis rurais para fins da Lei nº 8.629/93, filiando-se à posição da quantificação dos módulos fiscais do imóvel rual pela totalidade de sua extensão registrada, sem a exclusão das áreas não aproveitáveis.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Coletânea de legislação e jurisprudência agrária correlata/Organizadores Joaquim Modesto Pinto Junior, Valdez Farias. – Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2007.

BRASIL. Lei 8.629/93 Comentada por Procuradores Federais: Uma contribuição da PFE/INCRA para o fortalecimento da reforma agrária e do direito agrário autônomo/ Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Procuradoria Federal Especializada junto ao INCRA. Brasília: INCRA, 2011.

MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasileiro. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

- Sítios eletrônicos.

AGU. Disponível na URL: http://www.agu.gov.br/.

INCRA. Disponível na URL: http://www.incra.gov.br/portal/.

STJ. Disponível na URL: http://www.stj.jus.br/.

STF. Disponível na URL: http://www.stf.jus.br/.

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Sobre o autor
Jose Domingos Rodrigues Lopes

Graduado em Direito pela Universidade de Brasília - UnB. Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília - UnB. Procurador Federal (PGF/AGU) atuante no STJ e STF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Jose Domingos Rodrigues. Classificação da propriedade rural em pequena, média ou grande, para fins do art. 185, I da Constituição:: Subordinação exclusiva ao critério da extensão da área. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4365, 14 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34678. Acesso em: 21 nov. 2024.

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