Acidente de trabalho e a responsabilidade civil do empregador

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12/12/2014 às 11:42
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6. A responsabilidade integral e objetiva do Estado

Sabe-se que este tema, em tese, não diz respeito ao assunto aqui discutido, todavia, faz relação com a matéria, já que, na ocorrência de um acidente de trabalho ou suas figuras equiparadas, o primeiro órgão a ser acionado pelo empregado e em especial pelo empregador, é o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

Para o empregador, a comunicação à Previdência Social é obrigatória, sob pena de multa, consoante previsão contida no artigo 22 da Lei 8.213/91, in verbis:

“Art. 22. A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social.”

Esta comunicação tem por fito, em primeiro lugar, assegurar ao empregador que, em razão da incapacidade laborativa de seu empregado, oferecer suporte financeiro ao empregado e empregador, quando passados 15 (quinze) dias de sua ausência, a ser suportado pelo órgão em comento, através do auxílio-doença, já que, para tanto, o empregador recolhe suas contribuições obrigatórias para assim estar segurado.

O benefício a ser suportado pelo INSS dependerá do tipo de incapacidade sofrida pelo obreiro, ou seja, deverá ser considerado para a sua caracterização se a incapacidade é total ou parcial e se é temporária ou permanente.

A responsabilidade objetiva do INSS se encontra disciplinada na Carta Maior, artigo 7º, inciso XXVIII, consoante transcrição a seguir: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;.

Tal benefício se encontra nas garantias fundamentais do trabalhador, desse modo, resta claro que a responsabilidade da Previdência Social é objetiva para esses infortúnios, que este seguro é suportado pelo empregador e que sua responsabilidade não fica eximida quando o acidente ocorrer por dolo ou culpa sua.

Vejamos os esclarecimentos trazidos por Sergio Cavalieri Filho sobre o tema:

“A partir de 1967 a reparação do dano decorrente de acidente no trabalho vem sendo coberta por um seguro coletivo a cargo do empregador, pelo que se transfere para o segurador — no caso, o INSS — o encargo de efetuar a indenização, independentemente de qualquer decisão sobre a culpa. O empregado tem apenas que provar a relação de emprego, o dano decorrente do acidente e que o mesmo ocorreu no trabalho ou por ocasião em que para ele ia ou dele vinha. A Constituição de 1988 tratou do acidente de trabalho no inciso XXVIII do seu art. 72, sendo que, atualmente, a matéria está disciplinada pela Lei ri2 8.213, de 24 de julho de 1991, regulamentada pelo Decreto n 22.172, de 5 de março de 1997. Registre-se, ainda, que serve de fundamento para a indenização por acidente do trabalho a teoria do risco integral, de sorte que nem mesmo as causas de exclusão do nexo causal — culpa exclusiva da vitima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior — afastam o direito do obreiro, desde que o evento tenha se dado no trabalho ou em razão dele.

Entretanto, o seguro contra acidente do trabalho não exonera de responsabilidade o empregador se houver dolo ou culpa de sua parte” (2008, p. 141).

Com ricos conhecimentos a respeito, assim dissertou brilhantemente Rui Stoco:

“Sob o atual regime previdenciário e securitário a indenização ao trabalhador por acidente do trabalho é obrigação tanto do Estado como do empregador, mas custeado por este último, via tributo ou contribuição social (lei 8.212/91). Os doutos dão a essa contribuição natureza tributária.

A fonte de custeio é o empregador.

Diante da eclosão de um acidente típico, os primeiros 15 dias são pagos pelo empregador. Os demais, inclusive o auxilio-acidente, serão pagos pelo Estado (Previdência Social). Desse modo, o Estado arrecada aquela contribuição para assegurar o pagamento do seguro de acidente ou "seguro contra acidentes do trabalho" (CF, art. 70, XXVIII).

Resta claro e evidente que essa responsabilidade do Estado em proporcionar o seguro contra acidentes do trabalho é objetiva, pois decorre de preceito expresso da Lei Maior. É, portanto, um encargo socializado.

Com a ocorrência do acidente não se indaga se este se deu por dolo ou culpa do empregador; se o acidentado concorreu para o evento ou se a culpa foi exclusivamente sua.

O empregador contribui para o fundo, que, por sua vez, custeia o pagamento do seguro justamente para que esse atendimento ao trabalhador não fique na dependência de se encontrar um responsável ou condicionado a qualquer pressuposto limitador.

O que a Magna Carta pôs em relevo foi a integral proteção do empregado (segurado), no que diz respeito a sua saúde, integridade física e segurança. Essa é a meta optata.

Mas ousamos afirmar que esse seguro-acidente, pelas suas características, não tem natureza propriamente indenizatória, mas de benefício social ou seguro social, de natureza previdenciária” (2007, p. 631).

Os dois capítulos a seguir deverão ser combinados com este, haja vista todos estarem vinculados com o mesmo objetivo, qual seja, a proteção ao trabalhador.


7. Do pensionamento civil

Como reportado alhures, o legislador antecipou-se e buscando proteger o trabalhador hipossuficiente nessa relação, criou dispositivos que visam uma reparação frente às situações ocasionadas por um empregador negligente e imprudente quanto à segurança de seus trabalhadores.

Como apontado no capítulo anterior, a Carta Magna também não houve por deixar fato de suma relevância passar despercebido, como pode ser conferido no rol dos Direitos Sociais relacionados ao trabalho, previsto no artigo 7º, em especial o inciso XXVIII, abaixo transcrito:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;”         

Outrossim, preceitua o artigo 950 do Código Civil a fixação de pensão correspondente à importância do trabalho para o qual o obreiro se inabilitou, consoante transcrição in verbis:

“Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.”

De posse desses resguardos legais, houve por bem Rui Stoco tecer notáveis comentários a respeito:

“É o que podemos chamar de erro inescusável, que sempre empenha obrigação.

Essa culpa in specie está, portanto, traduzida no descumprimento de um dever preexistente, que é um dever de cuidado.

Ou, em outras palavras, em feliz síntese: "Existe responsabilidade se o empregador, ainda que cumprindo todas as obrigações do contrato de trabalho, deixar, por culpa ou dolo, de observar preceitos legais ou normativos a respeito de segurança ou medicina do trabalho, e com isso causar dano a seu empregado, configurando o cometimento do ilícito civil ou, até mesmo, do ilícito penal" (Sebastião Luiz Amorim e José de Oliveira, ob. cit., p. 5).

O empregador, por força do contrato de trabalho que estabelece com seu empregado, obriga-se a dar-lhe condições plenas de trabalho, no tocante a segurança, salubridade e condições mínimas de higiene e conforto.

Se no decorrer da jornada de trabalho o empregado sofre danos decorrentes de ação ou omissão intencional, ou de proceder culposo do empregador, responde este civilmente perante aquele.

Infere-se que a existência de contrato de trabalho entre o patrão e o empregado é irrelevante para efeito de imposição de responsabilidade no caso de acidente. Nem mesmo a existência de um vínculo empregatício formal se exige.

Basta que o acidente tenha ocorrido quando a vítima prestava serviços, a qualquer título, a alguém, para que nasça a obrigação deste de reparar.

E assim é porque, nessa hipótese sub studio, como ficou acima assentado, estamos tratando de responsabilidade extracontratual ou decorrente da lex aquilia, que encontra ancoradouro imediato no art. 7° da CF e mediato no art. 186 do CC.

Outro aspecto fundamental e já abordado nos comentários precedentes é que, por força da evolução legislativa ao longo do tempo, o recebimento de auxílio-acidente ou pensão acidentária da Previdência Social não exclui a indenização do Direito comum, como estabelece a Carta Magna.

Mas agora já não mais se exige apenas o dolo ou culpa grave do empregador para que responda por danos sofridos por seus empregados” (2007, p. 632).

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Destarte, há um enorme conjunto de direitos que podem ser pleiteados pelo trabalhador em face do seu patrão, tais como, indenização por danos morais, estéticos e psíquicos anteriormente discorridos, e em especial o pagamento de pensão correspondente à importância do trabalho para o qual o obreiro se inabilitou.

Maiores questionamentos sobre o artigo 950 do Código Civil serão efetuados no capítulo destinado à liquidação do dano.


8. Cumulação das indenizações

Antigamente muito se discutiu a respeito da cumulação das indenizações quando do acidente de trabalho, quais sejam, a responsabilidade integral e objetiva do Estado, por meio de benefício a ser custeado pelo INSS, já que o artigo 1º da Lei 8.213 assim determina, e a indenização civil a ser suportada diretamente pelo empregador, quando incorrer em dolo ou culpa para o acontecimento do acidente, por meio da pensão.

Porém, hoje em dia, isso não mais acontece, e quando arguido pelo empregador como forma de se eximir dessa responsabilidade, é apenas como meio de protelar essa medida, já que, de qualquer forma, não vingará, seja por expressa disposição constitucional, seja por meio de súmula do E. STF.

Quanto à disposição constitucional, é aquela expressa na parte final do inciso XXVIII do artigo 7º anteriormente transcrito, que assim preceitua “sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.

Ademais, antes mesmo da vigência da atual Constituição Federal, em sessão plenária de 13.12.1963, o E. Supremo Tribunal Federal já possuía essa visão, quando por meio da edição da súmula 229 consolidou seu entendimento, como pode ser verificado na transcrição abaixo:

“Súmula 229 - A INDENIZAÇÃO ACIDENTÁRIA NÃO EXCLUI A DO DIREITO COMUM, EM CASO DE DOLO OU CULPA GRAVE DO EMPREGADOR.”

Vejamos os esclarecimentos trazidos por meio da exposição de Rui Stoco:

“Como demonstrou o Des. Costa de Oliveira em brilhante exposição, na vigência do DL 7.036/44, quando o empregador ou a sua seguradora indenizava o acidentado por causa acidentária, não se sujeitava a outra ação do empregado, a menos que tivesse obrado dolosamente por si ou por preposto seu. A pesquisa revelou que ao dolo tinha de equiparar-se a culpa grave (art. 31). Esta regra foi, contudo, derrogada pelo art. 22 da Lei 6.367, de 19.10.76. Essa derrogação não ocorrera com o art. 42 da Lei 5.316, de 14.09.67.

Com a ausência da lei, desde a derrogação da regra sobre inexistência da ação do acidentado, pelo Direito comum (exceto no caso de culpa grave do empregador — "dolo"), fica o intérprete diante do problema jurídico seguinte: se tiver havido qualquer culpa do empregador, tem o acidentado ação contra ele pelo Direito comum? Ora, a resposta é afirmativa. Primeiro, porque desapareceu a restrição à ação do Direito comum (antes, somente no caso de dolo = culpa grave). Segundo, por indicação dos fatos sociais no seu constante evoluir, eles que são o mais seguro indicador do sentido das regras jurídicas e da orientação delas no espaço-tempo.

As causas jurídicas (fatos jurídicos) dessa eficácia de direitos-deveres são diversas: 1. paga o INSS porque o acidente ocorre e há os recolhimentos compulsórios para a previdência social (o empregado também colabora); 2. paga o empregador sozinho pelo Direito comum pela ilicitude da culpa (dimensão subjetiva)” (2007, p. 633).

Por fim, é de rigor trazer as elucidações discorridas por Sergio Cavalieri Filho, que resume brilhantemente essa problemática:

“Temos, assim, por força de expresso dispositivo constitucional, duas indenizações por acidente do trabalho, autônomas e cumuláveis. A acidentaria, fundada no risco integral, coberta por seguro social e que deve ser exigida do INSS. Mas, se o acidente do trabalho (ou doença profissional) ocorrer por dolo ou culpa do empregador, o empregado faz jus à indenização comum ilimitada. Noutras palavras, o seguro contra acidente de trabalho só afasta a responsabilidade do empregador em relação aos acidentes de trabalho que ocorrerem sem qualquer parcela de culpa; se houver culpa, ainda que leve (e esta deve ser provada), o empregador terá a obrigação de indenizar. Ainda que com matriz constitucional, advogados e juízes, curiosamente, continuam falando em indenização acidentaria fundada no direito comum, para diferenciá-la daquela outra que decorre diretamente da legislação acidentária. Não nos parece adequada a expressão porque essa indenização é fundada na própria Constituição (norma expressa) e não no direito comum” (2008, p. 142).

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Sobre o autor
Anderson Fortti Pereira

Advogado pós graduado em Direito Civil, Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Direito Civil.

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