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Análise da ineficiência da execução fiscal perante a Justiça Federal

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20/12/2014 às 14:38
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4 - Tempo decorrido excessivo a onerar o Estado e prejudicar a sociedade

Em 2007, a Associação dos Juízes Federais do Brasil, criou uma comissão destinada à elaboração de um relatório sobre o Anteprojeto de Lei de Execução Fiscal Administrativa, proposto naquela época pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Neste, a exposição de motivos elenca alguns dos principais problemas da execução fiscal, e o componente “tempo” sobressai. Literalmente, é declarado: “estima-se, no âmbito da Procura­doria-Geral da Fazenda Nacional, que, em média, a fase administrativa dura 4 anos, enquanto a fase judicial leva 12 anos para ser concluída, o que explica em boa medida a baixa satisfação eficá­cia da execução forçada” (GOMES, 2009, p.87).

Porém, o IPEA destoa do que alegam a Fazenda Nacional e a Associação dos Juízes Federais do Brasil a respeito do tempo despendido no processamento das execuções fiscais na Justiça Federal, chegando a um cálculo díspare, consoante o qual dois resultados são contabilizados: a) para a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, “o tempo médio total de tramitação é de 9 anos, 9 meses e 16 dias” (IPEA, 2012, p.14); b) já para o “grosso” de litigantes, aí compreendidos todos os entes públicos federais autores de execuções fiscais, como a Procuradoria Geral Federal e os Conselhos Profissionais, dentre outros, inclusive a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, o tempo é de 8 anos, 2 meses e 9 dias (IPEA, 2011b, p.45).

A justificativa para a diferença está nos valores médios das execuções propostas e das recuperações efetivadas. Enquanto a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional arrecada mais de R$ 50.000,00, lidando com numerários maiores, os outros enfrentam questões menos trabalhosas, pois, quando consideramos o geral, com o somatório de todos os entes, o valor cai para R$ 9.960,48. Nada obstante, as ações desencadeadas pela Procuradoria Geral Federal são mais demoradas do que aquelas promovidas pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, ao passo que as ações patrocinadas pelos Conselhos Profissionais são, em regra, mais céleres. Como as dos Conselhos tem participação absoluta de mais de 30% do total de processos, acabam por puxar as estatísticas para baixo, estabelecendo um lapso temporal contraposto aos dos demais. Portanto, a menor complexidade do litígio repercute no tempo final da execução fiscal na Justiça Federal, o que elucida a diferença entre os tempos apurados.

Interessante que, na elaboração dessa informação, a Lei de Execução Fiscal foi decomposta em etapas, a saber: autuação, despacho da inicial, citação, penhora e avaliação, leilão, abertura de vistas ao exequente, afora a defesa do executado, com exceções (ou “objeções”, como surge no texto do IPEA) de pré-executividade, embargos do devedor, recursos (agravos, apelações, recursos especiais ou extraordinários), sentença e, por fim, baixa definitiva. Cada uma delas, autonomamente sopesada, encerra desafios ao aperfeiçoamento da execução fiscal, esgotando tempo e recursos humanos e materiais preciosos do Judiciário Federal.

Foi com uma técnica denominada “carga de trabalho ponderada” que “mediu-se o tempo médio total de tramitação, que considera o intervalo de tempo transcorrido entre o momento processual no qual se ordena a prática do ato e o instante no qual este e efetivamente concluído” (IPEA, 2011b, p.41). Determinando-se a quantidade de dias consumida em cada fase da execução fiscal, o IPEA pôde coletar e adequadamente mensurar os dados oriundos dos processos e da rotina das Varas de Fazenda Pública Federal, construindo um modelo capaz de desnudar as estatísticas, trazendo luz aos conceitos de morosidade judicial e de congestionamento de ações, permissionando uma melhor compreensão do problema, bem como o seu exato dimensionamento.

Consideremos, para fins do que passamos a abordar, o que o IPEA nomeou de “processo de execução fiscal médio”, que será objeto de exame. Entre a elaboração da petição inicial pelo exequente (que intenta a execução judicial) e a autuação na Justiça, se passam 117 dias. Após a autuação, até que um magistrado ordene um despacho, mais 66 dias se vão. Depois de 28 dias há a ordem de citação, e, pasme, necessita-se de 1.287 dias para que se ache o executado, ou se extinga o processo, caso não apareça ninguém. Não se confunda, pois ainda não superamos a citação, e o “processo de execução fiscal médio” já requereu 1.315 dias, ou 3 anos e 7 meses, sem que se encontrasse o devedor. No decorrer dos procedimentos legais, a determinação de penhora não ocorre antes de 540 dias, e o leilão precisa de 743 dias para ser organizado e efetivado. Foram-se mais 3 anos e meio sem que a execução tivesse solução. As vistas ao exequente tem prazo aberto nas fases do processo, por isso não foi aqui mencionada. Tratando-se da defesa do executado, tem-se que as exceções de pré-executividade prolongam a demanda por mais 574 dias e que os embargos de devedor ou de terceiros estende a questão por outros 1.566 dias. Lá se foram outros 5 anos e 10 meses de resistência do inadimplente sem que o Estado tenha recebido nada. Ainda na esfera dos recursos, cada agravo, recurso extraordinário, recurso especial ou embargo de declaração pede 332 dias para apreciação, atrasando a baixa definitiva do processo em 175 dias, representando um incremento de 507 dias no tempo total de tramitação. Finalizados tais meios de defesa, a sentença pedirá outros 243 dias para ser preparada e devidamente publicada. “Consequentemente, o tempo médio total de tramitação de um ‘processo de execução fiscal médio’ é de 2.989 dias, ou seja, 8 anos, 2 meses e 9 dias. Note-se que essa e uma media provável, produzida em função da frequência media provável e do tempo médio provável das etapas que compõem o executivo fiscal” (IPEA, 2011b, p.41-42).

Visto o acima expresso, a execução fiscal na Justiça Federal é muito demorada, com ocorrências principais, como a citação, insurgindo em um “imenso gargalo inicial”, a qual, dada sua inoperância, paralisa todo o processamento executório. O próprio IPEA reconhece esse como um dos grandes empecilhos a serem vencidos, uma vez que em 43,5% das vezes o devedor simplesmente não é encontrado pelo sistema de justiça (IPEA, 2011b, p.32).

Prosseguindo na avaliação do tempo desprendido, chegamos à participação e aos efeitos da mão de obra dos servidores abrangidos pelo processo, e os resultados divulgados pelo IPEA são curiosos. Senão, vejamos. Mesmo verificado que o tempo que a execução fiscal consome é da ordem de quase 3.000 dias, totalizando 8 longos anos, o trabalho das pessoas que com ela lidam consome, em média, apenas 646,2 minutos, ou seja 10 horas e 46 minutos (IPEA, 2011b, p.42). Dada a imensa distância entre os dois elementos fáticos, algumas reflexões mostram-se imprescindíveis de serem feitas.

Primeiramente, perdas em eficiência são correlatas ao trabalho humano, qualquer que seja ele. Se a pessoa trabalha 6 horas por dia, e vem a gastar somente 20 minutos por processo, ela não é obrigada a, digamos, autuar 15 processos por dia, haja vista que, “como não é uma máquina, não pode existir a expectativa razoável de que o servidor passe todo o seu período de trabalho executando exclusivamente sua atividade-fim” (IPEA, 2011b, p.45-46). É simples assim, pois ninguém é um autômato, a depender de um aperto de botão para ligar ou desligar, para realizar ou não algo útil.

Em segundo lugar, a realização das tarefas processuais não compõe uma linha de produção industrial, retilínea e sem modificações, muito pelo contrário, até porque cada fase depende da anterior para que possa se dar prosseguimento ao próximo ato, sendo comum a intervenção em atividades do mesmo tipo (por exemplo, juntada, cargas ao exequente etc.), as quais são realizadas em grandes blocos, o que envolve uma organização do trabalho voltada para o acumulo de autos que se encontram em determinada etapa do processamento para que haja movimentação conjunta com outros na mesma etapa (IPEA, 2011b, p.46). Logo, é um equívoco exigir que a Justiça adquira moldes de uma operação sequencial, o que iria de encontro ao seu próprio funcionamento.

Em terceiro lugar, o “tempo morto” do processo, qual seja aquele em que nada lhe é acrescentado, em que nenhum passo é tomado rumo à sua conclusão, ficando parado, deve-se, às vezes, aos períodos de arquivamento provisório por ordem do exequente, ou na ocorrência de prazos processuais em benefício das partes, o que é normal, em respeito à legislação (IPEA, 2011b).

Destarte, verifica-se que a morosidade do processo de execução fiscal, na Justiça Federal, tem causa, em parte, no modo como é gerenciado o trabalho desenvolvido pelos servidores públicos nas Varas da Fazenda Pública. E uma cultura organizacional burocrática e formalista não se coaduna com a modernidade legal, de maneira que não são apenas os prazos, ritos e fases recursais, prescritas à Lei nº 6.830/1980, os únicos culpados pelo aumento do tempo de processamento. As perdas temporais nas rotinas administrativas são tão prejudiciais quanto.

Nesse ínterim, a adequação da mão de obra, por intermédio da atribuição de um maior dinamismo à sua atuação, com a correlata adoção de uma sistemática que permita o melhor aproveitamento do espaço ocioso do processo, especializando-se as funções, com a preciosa cooperação intersetorial, empregando-se ao máximo as tecnologias relacionadas à informação, e direcionando-se esforços para etapas como a citação e a penhora, são algumas das iniciativas propícias a deflagrar uma revolução no trato dessas ações.

Ainda no estudo das causas do problema envolvendo a execução fiscal e o tempo de sua realização, alcançamos outro ponto relevante, que é a existência de dois patamares distintos: o processo administrativo, que é de competência de órgãos como a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e a Procuradoria Geral Federal, e o processo judicial, nas Varas da Fazenda Pública da Justiça Federal. Cada uma dessas instâncias de cobrança tem a referida e inescusável parcela de culpa no quadro atual de inadimplência, e os hodiernos obstáculos a se superar no caminho da melhora do procedimento e do consequente aumento da arrecadação acabam por serem os que desde sempre atravancam a solução rápida e eficaz de uma situação dessas, como veremos em seguida (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2011b).

Existe, em nosso país, uma duplicidade de instâncias em matéria tributária: a administrativa e a judicial. Quanto à atuação da Fazenda Nacional, todos os ditames legais são observados, assegurando-se ao sujeito passivo o amplo direito de defesa, inclusive com recurso para esferas superiores. Por sua vez, mesmo reconhecida a completude do processo administrativo, garante-se concomitantemente ao contribuinte o acesso ao Judiciário. E o Fisco, embora realize seus próprios julgamentos, só encontrará eficácia na cobrança, e a posterior arrecadação dos valores, por intermédio da competente execução fiscal, perante o Poder Judiciário (KFOURI JÚNIOR, 2010). Logo, esse traço característico gera uma curiosa situação, à medida que “as duas instâncias atuam de forma muito independente, quase como se fossem mundos à parte” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2011b, p.20).

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São universos que não operam em regime de colaboração, mas que seguem lado a lado. Não se comunicam e ainda concorrem entre si. A produção de provas, no âmbito do Fisco, não serve para fins judiciais. Além disso, a “cultura jurídica” consolidada aumenta o conflito entre esses dois campos, uma vez que o contribuinte visualiza na esfera administrativa tendência decisória a favor do Fisco, voltada para os cofres estatais. De outro lado, para esse mesmo contribuinte, o Judiciário surge como um porto seguro, uma “luz de esperança”, onde o tratamento dispensado, em sentido oposto, tende a ser mais sensível ao elo mais fraco dessa relação, qual seja o cidadão comum. Para tanto, igualmente distingue-se um aspecto misto em ambas. As procuradorias públicas, em sua atuação, administram o direito público, e a Justiça, perseguindo a neutralidade de suas sentenças, possui Varas especializadas, até para dedicar esforços e profissionais a esse setor (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2011b).

Tudo isso consome tempo, e a fase passada diante do Fisco, além de demorada, submete-se ao posterior crivo judicial. O cidadão, assumidamente inadimplente, procura esgotar as vias recursais administrativas que lhe são facultadas, para, só depois, rediscutir tudo novamente no Judiciário. E a dificuldade premente é que o devedor pode traçar, em atitude protelatória, os dois caminhos. Portanto, ao tempo de processamento da execução fiscal deve ser acrescida a média dos 4 anos em que a cobrança por parte do Executivo não logra êxito. Por sinal, é atitude recorrente das Administrações Fazendárias, ao constatar que créditos irão se perder, devido à prescrição, edificar os respectivos processos de execução, aos milhares, de uma única vez, e remetê-los à Justiça, congestionando ainda mais esse Poder julgador. Observado isso, conclui-se que, aos 8 anos, 2 meses e 9 dias declarados pelo IPEA, devem ser somados os quatro anos despendidos pelo Fisco, o que nos leva a afirmar que um crédito tributário da União pode não achar quitação antes de, no mínimo, 12 anos.


5 - Valores cobrados versus valores arrecadados: distanciamento da realidade

Em 2012, a União, no estoque de sua dívida ativa, administrada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, tinha a quantia de R$ 1.104.963.098.381,66 a receber, valor que significou um acréscimo nominal de quase R$ 149 bilhões na comparação com o ano anterior, onde os créditos vencidos e não pagos somavam R$ 956 bilhões (PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, 2013, p.4). No período entre o biênio 2011/2012, a arrecadação só abrangeu 1,37% do montante, ou seja, apenas R$ 13.636.907.233,73 foram recuperados. Ainda em 2011, os créditos tributários não previdenciários em execução fiscal na Justiça Federal totalizavam R$ 652 bilhões, aí considerados os parcelados e os não parcelados, estes em volume quase seis vezes maior do que aqueles, ou R$ 98 bilhões e R$ 554 bilhões, respectivamente (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2011). Pior é a constatação de que a efetiva arrecadação vivenciou uma queda, já que, em 2009, esta foi de mais de R$ 17 bilhões. Quer dizer, cresceu a dívida e também a quantidade de processos, porém o que foi coletado experimentou uma diminuição de mais de R$ 4 bilhões em dois anos (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2009).

Os números anteriormente expostos são assustadores, mas repercutem o volume de trabalho enfrentado pelas Procuradorias e pelas Varas da Fazenda Pública Federal. Considerando que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional contava com 1.996 procuradores no fim de 2011, verifica-se que cada um desses funcionários arrecadou, em média, R$ 12,7 milhões, evitando-se a perda de R$ 277,652 bilhões (SIMÃO, 2012).

Prosseguindo, haveremos de entender que a pesquisa realizada para a confecção do presente artigo científico abrange a quantidade de processos executórios fiscais de nível federal, de origem tributária e previdenciária, parcelados ou não, pendentes de resolução, com créditos vencidos e nunca quitados, e que se prestam a congestionar o sistema de cobrança judicial.

Precisa-se arrazoar que ações desse porte, enquanto perpassem nos tribunais os 8 anos estipulados pelo IPEA, encerram direito da União que não adentra aos cofres públicos, por lentidão e ineficiência, frustrando a arrecadação e prejudicando a sociedade, pois a recuperação de, digamos, um percentual de 10% desses mais de R$ 1 trilhão, representaria R$ 100 bilhões em investimentos possíveis de ganharem realidade, o que, convenhamos, viria a ser uma revolução fiscal sem precedentes históricos, haja vista que o retorno social dos tributos poderia tornar-se evidente, com avanço significativo nas obras e nos serviços públicos entregues à população.

Também há que se mencionar que as soluções das execuções fiscais, transitadas em julgado na Justiça Federal, chamam a atenção, pois não é por questões atinentes a custo ou tempo que tais processos não resultam em nada. Em 33,9% dos casos a baixa ocorre em razão do pagamento integral da dívida, índice que aumenta para 45% quando a citação obtém sucesso. Em seguida, vem o cancelamento da inscrição do débito (17%), a extinção sem julgamento do mérito (11,5%), a remissão (8%), o julgamento de embargos (1,3%), exceção de pré-executividade (0,3%) e o declínio de competência (0,2%). Ao final, apenas 12,3% das sentenças proferidas são recorridas pelo exequente (IPEA, 2011b). Pergunta-se: então, porque tamanha demora em resolver tais processos?

Na busca da resposta, esses dados nos conduzem a ponderar sobre dois outros aspectos. Um deles é que o volume de executivos fiscais extintos por pagamento ou prescrição e decadência é praticamente o mesmo, o que indica que a probabilidade de o executivo fiscal obter êxito ou fracassar é quase idêntica. O outro diz repeito à extinção por pagamento, onde se tem que a quitação do débito em parcela única ocorre em 41,3% dos casos, enquanto que a adesão e o fiel cumprimento a programa de parcelamento da divida representam 36,3% (IPEA, 2011b).

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Sobre o autor
Thiago Nóbrega Tavares

Advogado, Especialista em Direito Tributário, Mestre em Ciências Jurídicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES, Thiago Nóbrega. Análise da ineficiência da execução fiscal perante a Justiça Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4189, 20 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35056. Acesso em: 22 dez. 2024.

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