Tema importante, na dogmática processual, é o que trata dos efeitos da tutela antecipada in limine litis diante do advento de sentença de rejeição do pedido autoral, uma vez que muitos ainda se perguntam se o julgamento de improcedência da lide implica na revogação da antecipação de tutela anteriormente deferida pelo juízo.
Note-se que tal quaestio juris – eficácia no tempo da tutela antecipada - não é nova, e a doutrina pátria já se manifestou nos seguintes termos:
“Rejeitada a pretensão do autor, não parece possível sejam mantidos os efeitos decorrentes da antecipação da tutela. Essa providência foi tomada com base em cognição sumária, que apontou para a probabilidade do direito afirmado na inicial. Investigação mais profunda dos fatos revelou, todavia, o equívoco dessa conclusão, o que motivou a improcedência da pretensão.
Não é compatível com esse resultado manterem-se os efeitos gerados pela antecipação, que pressupõe direito provável, mas que agora, diante da cognição exauriente, mostrou-se inexistente.
Mesmo que omissa a sentença sobre a revogação do provimento concessivo da antecipação, deve-se entender existente ordem implícita nesse sentido”[1].
No mesmo sentido, tratando de casos análogos, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal restou consolidada na Súmula nº 405, in verbis:
“Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária”.
Como se depreende, não é congruente com a sistemática processual que o julgador, após a colheita de provas, amadurecendo o seu livre convencimento e, por conseguinte, concluindo pelo indeferimento da pretensão em posta em litígio, resolva preservar os efeitos da tutela antecipada outrora concedida.
Realmente, com o julgamento de improcedência, há verdadeira desconstituição dos requisitos que sustentavam a medida antecipatória, não tendo mais que se falar em verossimilhança das alegações ou existência de prova inequívoca. É o que se extrai do art. 273 do Código de Processo Civil, assim disposto:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
E é justamente nesse cenário que se apura a importância do contido no art. 273, §4º, do Código de Processo Civil, segundo o qual a tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. Repita-se: decisão fundamentada, e não discricionária, posto que o juiz se encontra vinculado aos requisitos previstos no referido art. 273 do Código de Processo Civil.
Seguindo, então, a lógica de que a fundamentação da sentença substitui integralmente a da decisão interlocutória concessiva da tutela antecipada, isso já seria suficiente para se concluir que tanto a sentença de procedência, como a de improcedência, gera efeitos automáticos para fins, respectivamente, de manutenção ou não da eficácia da tutela antecipada.
De outra banda, é certo também que tal constatação gera repercussão no campo dos efeitos concedidos à apelação interposta contra a sentença. Note-se, de acordo com o art. 520 do Código Processo Civil, que a regra é que a apelação seja recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo.
O mais comum, portanto, é que a sentença de procedência seja desprovida de executoriedade e, com mais razão ainda, que a sentença de improcedência também o seja. Logo, se o juiz rejeita o pedido inicial na sentença, o autor continua no mesmo status quo anterior ao ajuizamento da demanda, ficando desprovido do bem da vida perseguido em juízo.
Já o art. 520 do Código de Processo Civil, no seu inciso VII, determina que a apelação será recebida somente no efeito devolutivo quando interposta de sentença que confirmar a antecipação dos efeitos da tutela. Aqui, o autor poderá requerer, de imediato, o cumprimento da sentença de procedência.
Noutro lado, eis que surge a dúvida de como o juiz deve receber a apelação manejada contra sentença de improcedência e não confirmatória da tutela antecipada. Se conceder o efeito suspensivo, óbvio que estaria reconhecendo a não executoriedade do julgamento desfavorável ao autor, porém poderia estar, em tese, mantendo a força executória da decisão interlocutória concessiva da tutela antecipada.
Mas não é isso o que ocorre, já que, como visto, a sentença de improcedência, além de substituir tecnicamente a decisão interlocutória, desconstrói toda a fundamentação que subsidiou a concessão da tutela antecipada, imputando ao autor, a partir daí, o ônus de ir atrás de obter medidas de urgências no âmbito do sistema recursal, e não mais perante o juízo inaugural, cuja jurisdição se encontra encerrada.
De qualquer forma, para evitar dúvidas para as partes, o mais certo que é o juiz, ao receber a apelação contra sentença de improcedência, se pronuncie expressamente sobre a não manutenção dos efeitos da antecipação de tutela anteriormente deferida, porém, em não assim o fazendo, tudo corrobora para que a tutela antecipada seja tida por insubsistente, independentemente de a apelação vir a ser recebida no efeito suspensivo ou não.
Nota
[1]BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência (tentativa de sistematização). 3ª Ed. São Paulo, Malheiros Editores, p. 394-395.