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Perspectivas para o futuro do amicus curiae no novo Código de Processo Civil

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4 - O INSTITUTO NO ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Dado a importância do instituto como agente democratizador e legitimador das decisões judiciais, fez por bem a comissão encarregada da elaboração do projeto do novo código de processo civil incluir em suas discussões a possibilidade de positivação do amicus curiae.

Salutar destacar a preocupação da comissão em converter o processo judicial que, hodiernamente, está distante dos anseios da população, em um instrumento atento ao contexto social no qual esta inserido e no qual os seus efeitos serão sentidos.

Conforme bem salientado anteriormente, a manifestação do amicus curiae é capaz de fornecer ao magistrado subsídios jurídicos, econômicos e sociais que elevará significativamente a qualidade e a legitimidade de seus julgados, proporcionando-lhe a possibilidade de proferir decisões mais próximas as reais necessidades das partes e mais condizente com a realidade social.

Desta forma, a comissão incluiu o instituto no capítulo V do título I, no livro II, onde dispõe sobre as modalidades de intervenção de terceiros, com a seguinte redação:

Art. 322. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, de ofício ou a requerimento das partes, solicitar ou admitir a manifestação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de quinze dias da sua intimação.

Parágrafo único. A intervenção de que trata o caput não importa alteração de competência, nem autoriza a interposição de recursos.

Uma simples leitura do dispositivo nos permite concluir que a intervenção em comento poderá ser tanto requerida pelo pleiteante ao ingresso no feito, quanto pelo magistrado de ofício, ante as peculiaridades da causa, em qualquer grau de jurisdição.

Não obstante o avanço da comissão ao adotar expressamente o amicus curiae, algumas críticas já foram realizadas pela doutrina e merece a devida atenção.

Haja vista que a função precípua da intervenção é aperfeiçoar a atividade jurisdicional dotando-a de um caráter democrático, sendo vedado defender interesses que não sejam os da coletividade, torna-se incoerente permitir a atuação do amicus curiae em defesa do interesses próprios, com a clara intenção de que uma das partes vença a demanda, desvirtuando o instituto, aproximando-o da assistência, por exemplo, nesse caso seria melhor que a lei dê uma definição clara da função a ser desenvolvido pelo sujeito no processo[16].

Importante seria também que a legislação fosse mais enfática na questão da ligação entre a relevância da matéria com a ideia de repercussão social. A comissão deu um passo a frente em promover a alternatividade no preenchimento dos requisitos de admissibilidade do indivíduo que deseja ingressar no feito na condição de amicus curiae, torna-se clara a intenção do legislador em dar maior força aos precedentes judiciais, principalmente nas matérias de grande relevância, vez que, por de trás do interesse direto das partes em conflito, sempre existe a expectativa da sociedade. Entretanto, a ausência de uma teoria forte e bem experimentada acerca da adoção dos precedentes judiciais no direito pátrio poderá por esvaziar o instituto.

Feita essa simples ressalva, ressaltamos que a participação democrática da sociedade não deve somente se limitar à eleição dos dirigentes dos poderes executivos e legislativos, deve fazer-se presente nas interpretações normativas, como uma expressão do direito da cidadania.

Com este intuito é de extrema importância a possibilidade de atuação do amicus curiae, agora prevista no artigo 322 do projeto do novo Código de Processo Civil. Para que as normas possam ser aplicadas conforme uma interpretação mais democrática, amoldando-se às transformações sociais e legitimando o processo que produz as decisões judiciais.


5 – CONCLUSÃO

O amicus curiae, como podemos verificar, vem se revelando uma ferramenta extremamente eficaz na democratização do exercício da jurisdição brasileira, possibilitando a manifestação de diversos setores representativos da sociedade.

No direito comparado, podemos afirmar que o “amigo da corte” teve sua gênese na figura do instituto sueco do “ombudsman”, num primeiro momento, responsável pela tarefa de controlar a Administração Pública, mais tarde aperfeiçoando-se para garantir os direitos difusos.

No sistema americano, o amicus curiae surge como colaborador que auxilia o juízo na tarefa hermenêutica para evitar erros nas decisões; mais tarde, atuando, inclusive, como sustentador de interesses distintos dos defendidos pelas partes.

Especialmente a partir de 1978, com as alterações na Lei nº 6.385/1976, foi se incorporando ao Direito positivo pátrio, alcançando cada vez maior destaque, devido a sua capacidade em acrescentar novas visões, dados, informações e entendimentos que auxiliam o magistrado em sua tarefa.

Sensível a esta crescente importância e a necessidade de aproximar o judiciário aos anseios da sociedade, o legislador, sabiamente, resolveu positivar e estender o instituto ao incluir no anteprojeto do novo código de processo civil o art. 322 que regulará a figura do amicus curiae.

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Sendo assim, embora tenha pouca tradição no Direito brasileiro, espera-se que a intervenção do amicus curiae represente uma autêntica via para inserção de elementos de participação da sociedade no processo de julgamento de ações de relevância para o país e que não tenha suas possibilidades de atuação tolhidas ou restringidas pelas construções jurisprudenciais pretorianas.


BIBLIOGRAFIA

BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006;

BRASIL. Anteprojeto do código de processo civil. Disponível em: http://www.senado.gov.br/;

BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ;

BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ;

BRASIL. Lei nº 6.835/1976. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/;

BRASIL. Lei nº 9.469/1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/;

BRASIL. Lei nº 9.868/1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/;

DEL PRA, Carlos Gustavo. Primeiras impressões sobre a participação do Amicus Curiae segundo o projeto no Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo Civil. São Paulo: RT, 2011;

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. Volume 1. Salvador: JusPodivm, 2010;

MACIEL, Adhemar Ferreira. “Amicus Curiae”: um instituto democrático. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília, 2002;

OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Constituição e Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2008;

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI: 3494 GO, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 22/02/2006, Data de Publicação: DJ 08/03/2006 PP-00045;

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI: 4711 RS , Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 02/10/2013, Data de Publicação: DJe-203 DIVULG 11/10/2013 PUBLIC 14/10/2013.


NOTAS

[1] OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Constituição e Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2008.

[2] BUENO, Cássio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006

[3] BUENO, Cássio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006

[4] Órgão de origem sueca que remonta ao século XVI responsável por “controlar a administração pública”, adquirindo, ao longo do tempo, as funções de garantia a direito e liberdades dos cidadãos à defesa de interesses difusos, além da função originária de controle da administração.

[5] Como por exemplo, a importância dada aos costumes e a, quase, ausência de codificação no sistema do common law, em total contraste com a tradição do direito romano-germânico, todavia tais distinções fogem do tema ora em discussão.

[6] OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Constituição e Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2008.

[7] Aqui entendido como jurisprudência, princípio essencial no sistema do common law, no qual leva-se em consideração as sentenças proferidas em julgamentos anteriores para o julgamento de novos casos, ou seja, os julgamentos baseiam-se, basicamente, em jurisprudências.

[8] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento.Volume 1. Salvador: JusPodivm, 2010.

[9] MACIEL, Adhemar Ferreira. “Amicus Curiae”: um instituto democrático. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília, 2002.

[10] BUENO, Cássio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006

[11] Nesse último caso, a boa aplicação do direito objetivo é a pretensão visada, a causa da atuação do aludido interventor, revelando-se o amicus curiae, portanto, como categoria própria da ciência processual.

[12] Após as alterações proporcionadas pela Lei nº 6.616/1976.

[13] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento.Volume 1. Salvador: JusPodivm, 2010.

[14] Não obstante a “permissão” de atuação vir apenas com o advento da Lei nº 9.868/1999, a jurisprudência já havia se manifestado pela possibilidade de órgãos ou entidades funcionarem como amicus curiae, o Ministro Celso Mello3, na ADIn 748-4/RS (AgRg), deferiu pedido de terceiro para fazer simples juntada por linha de peças documentais:

“[…] órgão estatal que, sem integrar a relação processual, agiu, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, como colaborador informal da Corte (amicus curiae): situação que não configura, tecnicamente, hipótese de intervenção ad coadjuvantum.”

[15] BUENO, Cássio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006

[16] DEL PRA, Carlos Gustavo. Primeiras impressões sobre a participação do Amicus Curiae segundo o projeto no Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo Civil. São Paulo: RT, 2011

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Azevedo Pimenta

Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - FND-UFRJ (2013), pós-graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal Fluminense - UFF (2014-2015). Advogado do escritório Normando Rodrigues Advogados Associados, representante jurídico do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense - SINDIPETRO/NF e da Federação Única dos Petroleiros - FUP. Tem experiência na área de Direito, atuando principalmente nas seguintes subáreas: direito do trabalho, direito sindical, direitos fundamentais, direitos sociais trabalhistas, direitos metaindividuais, acesso à justiça e direito processual (civil e trabalhista)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIMENTA, Carlos Eduardo Azevedo. Perspectivas para o futuro do amicus curiae no novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4226, 26 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35274. Acesso em: 21 nov. 2024.

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