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Análise do regime jurídico, a partir da compreensão da separação dos poderes do Estado, à luz do ordenamento constitucional positivo brasileiro

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17/01/2015 às 14:37
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CAPÍTULO III – DA IDENTIFICAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DAS COMPETÊNCIAS ESTATAIS           

Em linhas gerais, a competência legislativa implica na atividade de legislar e fiscalizar, realizando, inclusive, o controle externo dos órgãos e dos representantes do poder público, possuindo ambas o mesmo grau de importância. No primeiro caso, estará o legislativo inovando na ordem jurídica, através da criação de normas, e, no segundo caso, estará averiguando os aspectos contábeis, financeiros, orçamentários, operacionais e patrimoniais dos poderes.

A atuação do Legislativo na criação normativa encontra-se associada ao procedimento disciplinado nos arts. 59 e seguintes da CF/88, consistente nas regras procedimentais, constitucionalmente previstas, para a elaboração das espécies normativas, das quais não poderão se afastar os membros do Legislativo, sob pena de vício na criação normativa.

Além disso, compete ao poder legislativo exercer a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos poderes. Para tanto, poderá o parlamentar utilizar instrumentos constitucionais como a ação popular e o direito de petição e de representação visando à invalidação de determinados atos. Outra competência fiscalizadora é a de cuidar da fiscalização financeira e orçamentária, auxiliado pelo Tribunal de Contas da União. No exercício da atividade fiscalizatória cometida ao Poder Legislativo é possível, ainda, a criação de Comissões Parlamentares de Inquérito, para a apuração de fatos certos e por prazo determinado, com poderes de investigação próprios das autoridades judiciais.

No exercício de tais funções os membros do Legislativo estão protegidos por um rol de prerrogativas e imunidades, bem como, de algumas incompatibilidades[11].

A competência jurisdicional, por sua vez, aponta para o exercício da função jurisdicional do Estado, de forma impositiva (coagindo, se necessário). Isso implica em que somente o Poder Judiciário possui a atribuição de, quando provocado, dizer, em caráter definitivo, o direito aplicável a determinado caso concreto. Para tanto, os membros do judiciário também estão cercados de garantias com o intuito de propiciar independência para o exercício da jurisdição[12].

A competência executiva, por fim, aponta para a prática de atos de chefia de Estado e de governo e atos de administração, configurando, respectivamente, uma subdivisão enquanto função política ou de governo e função executiva em sentido estrito, esta última também chamada função administrativa.

Nesse sentido, é importante notar que a chefia do Executivo foi confiada ao Presidente da República – e, por aplicação do princípio da simetria, as unidades da federação, aos demais chefes do Executivo nos níveis dos Estados e Municípios – que também desfruta de prerrogativas e imunidades[13], no exercício de funções de chefe de Estado e chefe de Governo, enquanto atividades de direção do Estado. Todavia, essa prerrogativa atribuída ao Presidente da República não consubstancia em si o regime jurídico da função executiva.

De acordo com a subdivisão proposta, no tocante aos atos de chefia de Estado e de Governo, haverá exercício de função política, na prática de atos que encontram fundamento direto na Constituição Federal, não se resumindo à mera execução da lei, sujeitos ao controle político do parlamento, ressaltando-se, ainda, que é função possível de ser praticada por todos os “poderes” do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário) mediante permissivo constitucional.

Consubstancia exercício de função política ou de governo, por exemplo, o desencadear do processo legislativo e a apreciação da decretação da intervenção federal.

A função administrativa será compreendida, em segundo lugar, como função residual, abarcando aquelas atividades que não sejam legislativas nem jurisdicionais, em consonância, inclusive, com o fato de a função executiva, em sentido amplo, poder ser exercida por todos os poderes, na realização de atos concretos, associados ao estrito cumprimento de disposições infralegais.

Assim, o Legislativo pratica atos notoriamente administrativos quando, por exemplo, realiza licitações ou promove seus servidores, tal qual o Judiciário quando organiza os próprios serviços, atos estes sujeitos ao mesmo regime jurídico.

Feitas essas observações iniciais, passemos a definição do regime jurídico de cada uma das funções estatais, quais sejam: a função legislativa, a função jurisdicional e a função executiva, esta última desdobrando-se em função política (ou de governo) e em função executiva em sentido estrito (ou função administrativa).

Seção I – Regime jurídico da função legislativa

A função legislativa nos reporta à compreensão da lei, indicando a capacidade que esta possui de inovar na esfera jurídica, ao criar norma jurídica primária.

Por norma jurídica primária entende-se aquela norma capaz de criar uma determinada orientação para o corpo social, dispensando a existência de norma prévia e anterior que lhe dê validade, salvo, por óbvio, a Constituição Federal que é norma fundamental do Estado, de modo que toda criação normativa precisa, necessariamente, encontrar fundamento na Constituição[14].    

A análise do regime jurídico da função legislativa, portanto, deve ser realizada a partir do art. 5º, II[15], combinado com os artigos 44 e 48[16], todos da CF/88. A partir desses dispositivos legais constatamos que a lei é regra jurídica imperativa, geral, abstrata e impessoal, assumindo sua feição material.

A lei é, também, norma em sentido formal, por se tratar de ato que provém do Congresso Nacional, observado o procedimento legislativo, estabelecido pela Constituição Federal[17]. Reunindo ambos os aspectos, temos que a lei é ato normativo que inova no ordenamento jurídico (cria direito), que tem pretensão de permanência e que é dotado de generalidade e abstração, referindo-se a destinatários indeterminados, além de ter sido emanada de órgão competente para tanto (Congresso Nacional). 

Dessa forma, nota-se que o conjunto de princípios a reger a função legislativa considera como pressuposto fundamental a lei compreendida em sentido material e formal.

Reitera-se que, para que seja um determinado instituto sujeito ao regime jurídico legislativo, em não sendo abarcado pelas exceções constitucionalmente previstas, deverá o mesmo atender ao critério orgânico-funcional, sendo atividade desenvolvida pelo Congresso Nacional com vista à criação de norma jurídica primária.

Com isso, o regime jurídico da função legislativa aplica-se, unicamente, aos atos que sejam material e formalmente legislativos.

Todavia, a própria Constituição Federal prevê exceções a esta regra geral. Por esta razão, outros órgãos do Estado que eventualmente exerçam atividade normativa, no exercício de tal função, praticarão ato sujeito ao regime jurídico legislativo, mesmo que tal atividade não tenha a roupagem formal da função legislativa desempenhada pelo Legislativo, o que aponta para o caso da edição de medidas provisórias e de leis delegadas pelo Executivo[18].

Importante notar que nos casos excepcionais delimitados pela Constituição Federal, em que um órgão diverso do Congresso Nacional possa criar norma jurídica primária, teremos o exercício de função atípica por outro poder, a caracterizar, por conseguinte, a abertura ao mecanismo de freios e contrapesos entre os feixes de competências estatais.

Desta feita, conclui-se que, determinado instituto estará sujeito ao regime jurídico legislativo se corresponder a ato normativo emanado de órgão competente (Congresso Nacional, Assembléias Legislativas dos Estados e Câmaras Municipais), capaz de inovar no ordenamento jurídico, com pretensão de permanência, sendo dotado de generalidade e abstração, caracterizando, com estas peculiaridades, a criação de norma jurídica primária. 

Seção II – Regime jurídico da função jurisdicional

A função jurisdicional parte do princípio da inafastabilidade do judiciário, previsto no art. 5º, XXXV[19], da CF/88, também associado ao amplo direito de ação dos jurisdicionados.

Trata-se de dispositivo constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata[20], apontando para o fato de que não há ato que possa ficar à margem do controle jurisdicional. Isso porque, como destacado, a Constituição não exclui da apreciação do Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito.

Ademais, somente o Judiciário tem o poder de decidir questão levada aos domínios do Estado, enquanto órgão solucionador de conflitos, fazendo desta decisão, exercício do poder jurisdicional estatal[21].

A decisão prolatada pelo Judiciário, neste ponto, deve ser entendida como aquela que se resolve em uma situação de estabilidade, definida por lei, instituída mediante o processo, garantida constitucionalmente e destinada a proporcionar segurança e paz social, preservando situações jurídicas já constituídas.

Em outros termos, indica que a atuação do direito caminha em busca da pacificação social, com a resolução de conflitos com o mínimo de perturbação social, revestindo as decisões prolatadas de imutabilidade, com vistas à garantia da segurança jurídica e da definitividade do pronunciamento judicial.

Com efeito, a coisa julgada é instituto protegido pela Constituição, que, ao lado dos institutos do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, previstos como direitos fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, consagra os princípios constitucionais da segurança e da certeza jurídicas.

Para tanto, somente o Judiciário, como órgão imparcial, composto de integrantes com garantias, prerrogativas e vedações específicas, poderá decidir, definitivamente, um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida ou ainda, decidir os processos objetivos de controle abstrato de constitucionalidade.

Por estas razões, o regime jurídico da função jurisdicional é uma decisão com força de verdade legal, que põe fim a uma questão jurídica levada à apreciação, a qual se associa ao caráter de decisão com valor de imutabilidade, advindo do trânsito em julgado da decisão, tendo sido esta prolatada por órgão imparcial, integrante da estrutura judiciária nacional, devidamente investido de competência para tanto.

Importante notar, inclusive, que na determinação do regime jurídico da função jurisdicional, não foi possível afastar-se o órgão executor da atividade, por expressa previsão constitucional, no sentido de que atividades jurisdicionais exercidas por outros órgãos do Estado não compõem atividade judicial em sentido estrito, ratificando, nessa hipótese, a aplicação do critério orgânico-funcional.

Como anteriormente destacado, o critério orgânico-funcional, na definição dos feixes de competências afetos às funções legislativa e jurisdicional, mostra-se compatível à definição das mesmas, o que não ocorre com a função executiva, como será observado a seguir.

Seção III – Regime jurídico da função executiva

O grande alvo da função executiva é a gestão dos interesses coletivos na sua mais variada dimensão, conseqüência das numerosas tarefas a que se deve propor o Estado contemporâneo. Deste modo, a função executiva abarcará uma vasta gama de funções de Estado, Governo e Administração.

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Impende destacar, contudo, que a função executiva não se concentra com exclusividade nas mãos do chefe do Executivo, sendo este apenas considerado como ator principal do desenvolvimento das atividades de governo, no exercício de funções típicas desta função. Com isso, é possível que a Constituição determine o exercício da função de governo por órgãos componentes dos demais poderes, sem que, com isso, seja comprometida a atividade do Chefe do Executivo nesse sentido.

A função executiva será definida como aquela exercida pelo Estado ou por seus delegados, subjacentemente à ordem constitucional e legal, com vistas a alcançar os fins colimados pela ordem jurídica, assumindo tanto prerrogativas de governo quanto atividades administrativas em sentido estrito.

Admitida uma subdivisão da função executiva, teremos, em um primeiro grupo, o exercício de função política ou de governo. Esta função será compreendida como atividade de ordem superior, referente à direção suprema e geral do Estado, em seu conjunto e em sua unidade, dirigida a determinar os fins da ação do Estado e a assinalar as diretrizes para as outras atividades de ordem diversa, coordenando, também, o exercício das outras funções, em busca da unidade de orientação, fundamental à unidade da soberania estatal, não estando restringida pela mera execução das leis, derivando, portanto, diretamente das normas constitucionais.

No segundo grupo, relativo à função administrativa em sentido estrito, haverá atividade considerada como sendo de caráter residual, indicando aquela que não representa a formulação de norma inovadora do ordenamento jurídico primariamente, nem a composição, em definitivo, das lides em concreto, atuando nos estritos limites definidos em lei para a consecução de objetivos de organização dos serviços e atividades do Estado. A função administrativa abrange, dessa forma, as atividades infralegais do Estado, em exercício de atividade diretamente vinculada à lei, a partir de atos concretos, voltados para realização do interesse público.

Em sua aplicação prática, é preciso ter em mente que o regime jurídico da função administrativa em sentido estrito, poderá assumir duas formas de conformação, permitindo a subdivisão desta função em regimes jurídicos administrativos público e privado, conforme a situação em concreto da qual a administração esteja participando.

Neste contexto, o regime jurídico administrativo público abrange o conjunto das prerrogativas e restrições a que está submetida a administração e que não se encontram nas relações entre particulares. Sendo assim, é regime jurídico caracterizado pelo princípio da autotutela, segundo o qual a administração está autorizada a rever seus próprios atos, anulando-os quando ilegais ou revogando-os quando se apresentarem inconvenientes ou inoportunos.

O regime jurídico da administração, quanto afeto ao direito público, diz respeito ao conjunto de normas e princípios que regulam a atuação da administração, contemplando, essencialmente, as prerrogativas e as sujeições que lhe são impostas. Nessa hipótese, a administração terá suas ações reguladas pelas normas e princípios do Direito Administrativo, com destaque para o princípio da legalidade e para os princípios da supremacia do interesse público sobre o interesse particular e da indisponibilidade dos interesses públicos.

O regime jurídico de direito privado aplicável à administração, ao seu turno, é o conjunto de normas e princípios jurídicos que rege as relações da administração com os particulares, caracterizado, em linhas gerais, pela isonomia. Significa dizer que a administração está atuando com base nos preceitos do Direito Civil ou Empresarial, ramos jurídicos que têm como característica básica a igualdade entre as partes integrantes da relação jurídica.

No regime de direito privado, a isonomia é a marca maior, o que nos autoriza a dizer que, nas relações sujeitas a este regime, a administração, regra geral, não se encontra em posição de superioridade perante os administrados, logo, não goza de prerrogativas.

O mesmo, entretanto, não pode ser dito quanto às sujeições. Isso porque, a administração, nesse regime, encontra-se em posição de igualdade perante os particulares, não gozando de prerrogativas, ainda que se encontre limitada pelas mesmas sujeições a ela aplicáveis quando age sob as regras do regime jurídico-administrativo público.

Com isso, percebe-se que a relação jurídica em que uma das partes seja a administração jamais será disciplinada exclusivamente pelo regime de direito privado, havendo sempre a incidência, em maior ou menor grau, do regime jurídico-administrativo, pelo menos quanto às suas sujeições.

Todavia, o exercício das prerrogativas não autoriza a administração a agir com arbitrariedade, sendo vedado o uso de instrumentos públicos para atingir finalidades que não sejam as do bem comum, de modo que a administração, em toda a sua trajetória, há de estar submissa à lei, devendo, ainda, ser transparente em sua atuação, dando publicidade aos seus atos para que estes possam produzir efeitos.

Com estes apontamentos, estabelecidos os regimes jurídicos das funções estatais e considerada a tripartição do poder prevista na CF/88, passemos a análise da Súmula Vinculante para que, após, seja possível determinar qual o regime jurídico deste instituto.

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Sobre a autora
Maria Cristina Barbosa Mendes

Bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES, Maria Cristina Barbosa. Súmula vinculante:: Análise do regime jurídico, a partir da compreensão da separação dos poderes do Estado, à luz do ordenamento constitucional positivo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4217, 17 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35339. Acesso em: 25 abr. 2024.

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