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A sintonia do processo com a Constituição Federal no novo CPC

19/01/2015 às 16:20
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O presente artigo se focará no Capítulo I do projeto do Código de Processo Civil, notadamente na inovação trazida pelo acréscimo das normas constitucionais ao seu texto.

O primeiro critério para a elaboração do Anteprojeto foi o de colocar o Código de Processo Civil em sintonia com a Constituição Federal, sendo incorporados princípios constitucionais em sua versão processual, conforme reconhecido na exposição de motivos:

A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição Federal da República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua versão processual. Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios constitucionais, como, por exemplo, as que prevêem um procedimento, com contraditório e produção de provas, prévio à decisão que desconsidera da pessoa jurídica, em sua versão tradicional, ou “às avessas”

Pois bem, evidente que tais princípios já faziam parte do CPC/73, contudo, por vício brasileiro, numa espécie de pleonasmo vicioso, a comissão entendeu por bem fazê-los constar expressamente no texto projeto.

Nesse ponto, em específico, a inovação foi boa, não que importe em mudança radical, ou que sua ausência fosse uma tragédia, mas serve pra reforçar a importância da Constituição, que deve ser levada a sério, ainda, que soe irônico o fato de Lei Ordinária reforçar a Constituição.

Na verdade, pelo gabarito dos membros da comissão, a interpretação que se deve fazer é a inversa, a Lei Ordinária, como não poderia deixar de ser, está, expressamente, reforçando que sua validade é oriunda da Constituição, assim, toda e qualquer interpretação tem que ser feita a partir da Lei Maior.

De qualquer forma, o presente artigo se focará no Capítulo I do projeto do Código de Processo Civil, notadamente na inovação trazida pelo acréscimo dos princípios constitucionais, ou das “normas” como diz o texto final.

O texto original (PLS nº 166/10) era aberto pelo Livro I, que trazia a parte geral que servia para a melhor interpretação dos demais Livros, o Título I era denominado “Princípios e garantias, normas processuais, jurisdição e ação”, sendo o Capítulo I alcunhado de “Dos princípios e das garantias fundamentais do processo civil”.

Contudo, o Texto Consolidado, com os ajustes promovidos pela Comissão Temporária do Código de Processo Civil, que aguarda apreciação da Presidente da República, traz em seu Livro I, da mesma forma que o texto original, a parte geral, todavia, agora possui um Título Único, “Das normas fundamentais e da aplicação das normas processuais”, sendo o Capítulo I, “Das normas fundamentais do processo civil”.

Portanto, os congressistas suprimiram do texto original as palavras “princípios” e “garantias”, destarte, entenderam que a utilização de “norma” no lugar de “princípio” era mais salutar, uma vez que a norma pressupõe princípios e regras, já a supressão de “garantia” não tem qualquer razão de ser.

O Anteprojeto, em seu primeiro livro, em seu primeiro título, em seu primeiro capítulo tratou de descrever os “princípios e garantias fundamentais do processo civil”. Logo no art. 1º estabeleceu que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil”.

 Sobre o artigo 1° do novo Código de Processo Civil, Donizetti[1], um dos membros da comissão alteradora do novo Código de Processo Civil, afirma que o dispositivo legal expressa a constitucionalização do Direito Processual Civil, sendo a positivação do “totalitarismo constitucional”, in verbis:

Vale ressaltar que esse dispositivo consiste na materialização das características do neoconstitucionalismo: normatividade da constituição (força normativa), superioridade (material) da constituição, centralidade da constituição (a constituição está no centro do ordenamento jurídico), rematerialização da constituição (constituições mais prolixas, já que tratam de diversas matérias), ubiqüidade da constituição (onipresença da constituição em todos os ramos do Direito), constelação plural de valores (adoção de diversos princípios não-homogêneos), onipotência judicial (no lugar da autonomia do legislador ordinário), valoração dos princípios (utilização maior da ponderação).

Contudo, o texto aprovado foi muito mais sucinto determinando tão somente que “o processo civil será ordenado e disciplinado conforme as normas deste Código”. Em pese a obviedade ululante de ambos os textos, o original e o final, apresentado para sanção presidencial, mais uma vez, pela vocação brasileira de incluir necessariamente em lei o que já diz a Constituição, a redação do anteprojeto, apesar de óbvia, era melhor, pois reafirmava a sintonia entre o novo processo civil e constituição.

Outrossim, ainda no primeiro capítulo assegurou-se, como norma fundamental, a inércia da jurisdição (art. 2º), em que se estabeleceu que “o processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”.

O direito de ação foi reafirmado no art. 3º que no Anteprojeto estabelecia “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito, ressalvados os litígios voluntariamente submetidos à solução arbitral, na forma da lei”.

Entrementes, em sua versão final foi acrescido por mais três parágrafos, constando no caput que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”, sendo, logo no primeiro parágrafo reafirmada a autorização da arbitragem, suprimida do caput, mostrando novamente a necessária vocação pra reafirmar o óbvio, contido na Lei nº 9.307/96, no segundo e no terceiro parágrafo foi reforçada a ideia de que o Estado, ao lado dos juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, deverão buscar a solução consensual do conflito, o que é a tônica desse Código projetado.

Na sequência, no art. 4º invoca-se a razoável duração do processo, sendo que “as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa”, alterando-se no texto final a expressão “da lide” por “do mérito”, o que reforça a instrumentalidade do processo, relegando a segundo pano as formalidades, posto que as partes tem direito, em prazo razoável, a resolução do mérito, ou seja, a decisão final sobre o que postula em juízo, não somente a decisão sobre o processo que pode ser extintiva em razão de um vício processual.

O Texto Consolidado, com os ajustes promovidos pela Comissão Temporária do Código de Processo Civil, possui um artigo que não existia no Anteprojeto, reafirmando o necessário comportamento de boa-fé a todos que intervirem no processo.

Já o artigo 5º do Anteprojeto estabelecia que as partes tinham o direito de participar ativamente do processo, cooperando com o juiz, todavia, no texto final do senado, no art. 6º estabeleceu-se que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

Com efeito, reforçou-se a busca pelo mérito, em razoável tempo, impondo aos sujeitos do processo cooperação entre si, situação que não é observada na prática, pretendendo a lei criar a prática da cooperação.

Ademais, o art. 7º do texto final, que pouco diverge do Anteprojeto, assegura “às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”, nítido prestigio ao contraditório.

Ainda, o artigo 8º do texto final estabelece que “o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum”, repetindo o art. 5º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, bem como, competirá ao juiz resguardar e promover “a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”, nesse ponto, foram suprimidos da redação do Anteprojeto (art. 6º) a necessidade de observância da “impessoalidade” e da “moralidade”, entretanto, não é crível que em razão disso o juiz possa prescindir da impessoalidade e da moralidade.

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Na sequência, o art. 9º do texto a ser apreciado pela presidente estabeleceu que não será proferida decisão em desfavor da parte, sem que ela seja ouvida, salvo, em se tratando de tutela provisória de urgência; nas hipóteses de tutela da evidência, quando as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante ou se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; ou no caso de ação monitória.

Novamente, o art. 10 traz o princípio do contraditório, salientando que o juiz não poderá decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento do qual às partes não tiveram oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Por sua vez, o artigo 11 estabelece que os julgamentos continuarão sendo públicos, exceto nos casos de segredo de justiça, em que é salvaguardada a participação das partes, de seus procuradores e do Ministério Público.

Por fim, foi criado o artigo 12, que não constava no Anteprojeto, determinando que “os juízes e os tribunais deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão”.

Deste modo, o texto final do projeto do Código de Processo Civil, nos artigos em comento, tentou se harmonizar com a Constituição, há também alguns artigos esparsos com essa mesma intenção. Evidente, que se não houvesse harmonização o texto era inconstitucional, todavia, o texto, além de estar em harmonia com a Lei Maior, fez questão de ressaltá-la, reafirmando e incorporando seus princípios e regras.

De qualquer forma, nessa parte propedêutica o novo Código aparentar ser mais racional, pois traz uma parte geral, que inexiste no código vigente, para solucionar questões controvertidas nos livros específicos, ainda, sob essa ótica percebe-se que os princípios envolvidos tanto prestigiam a segurança jurídica, (inércia da jurisdição, devido processo legal, ampla defesa, contraditório), quanto, asseguram a eficiência (celeridade, dignidade da pessoa humana, razoabilidade, moralidade, publicidade), portanto, nesse ponto, o projeto está em sintonia com a Constituição, entrementes, como é cediço não basta que ambos os princípios sejam assegurados formalmente, deve haver seu respeito materialmente, isto é, o Código de Processo Civil, se vingar, deve ser levado a sério.

Outrossim, repisa-se, o novo Código está em consonância com a Constituição Federal, pois objetiva no menor tempo possível garantir direitos fundamentais privilegiando o direito material em detrimento de sua forma, de maneira justa, assegurando princípios constitucionais, contudo, teria o inconveniente de trazer ao Recurso Especial, já que os princípios estariam descritos em Lei Federal, matéria de feição constitucional, situação que somente a doutrina e jurisprudência poderão resolver com o tempo.


[1] DONIZETTI, Elpídio. <http://atualidadesdodireito.com.br/elpidionunes/2012/04/11/expressa-constitucionalizacao-do-direito-processual-civil-positivacao-do-%E2%80%9Ctotalitarismo-constitucional%E2%80%9D/>  16 de novembro de 2013.

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Sobre o autor
Gabriel Barreira Bressan

Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Possui graduação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor de Processo Civil na Faculdade de Direito da Universidade Santo Amaro - UNISA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRESSAN, Gabriel Barreira. A sintonia do processo com a Constituição Federal no novo CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4219, 19 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35569. Acesso em: 22 dez. 2024.

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