A natureza jurídica no Direito Previdenciário e suas implicações

15/01/2015 às 21:16
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Embora a Previdência Social ofereça proteção a riscos sociais de seus beneficiários, por se apresentar de forma compulsória, exclui a vontade deste, e o mesmo ao solicitar sua proteção poderá não ter seu pedido tutelado embora acreditasse estar assegurado

REGIMES DA PREVIDÊNCIA – UMA VISÃO GERAL

Os regimes básicos da Previdência Social, a saber: Regime Geral da Previdência Social e Regime Próprio da Previdência Social, reúnem qualificadores como coletividade, contributividade e organização estatal, o que demonstra proteção a seus beneficiários. Embora sejam definidos como seguro, isso se apresenta de forma sui generis, posto que a filiação ocorre de forma compulsória.

A manutenção dos Regimes Básicos é feita pelo Poder Público, sendo o Geral de responsabilidade exclusiva da União, gerido pela autarquia federal denominada Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS. Esta modalidade é a que abrange a maioria dos trabalhadores que ingressam compulsoriamente. Os Regimes Próprios, por sua vez, podem ser mantidos pela União, Estados e Municípios, abrangendo seus servidores e ocupantes de cargos públicos. Os estados e municípios podem legislar quanto a matérias dos REGIMES PRÓPRIOS DA PREVIDENCIA SOCIAL.

Os beneficiários que se filiarem aos Regimes Próprios nem de forma facultativa poderão se filiar ao Regime Geral. A Constituição Federal, em seu artigo 201, destaca o equilíbrio financeiro da Previdência Social visando, “cobrir os eventos” elencados e assegurados em seus incisos (grifo nosso).

Há ainda que o Regime Complementar que é autônomo face aos regimes básicos, vez que seu ingresso é facultativo, porém mantém as mesmas características de contributividade e coletividade e, neste caso, individualidade. Justamente por seu caráter discricionário, esta modalidade foge ao escopo deste trabalho, dispensando maior aprofundamento.

PECULIARIDADES DE SUA NATUREZA JURÍDICA

Uma característica básica do Sistema Previdenciário Brasileiro é a contributividade, tanto no Regime Básico quanto no Complementar. Uma vez que o beneficiário exerça atividade remunerada, automaticamente filia-se ao Regime Geral, excetuando-se os que tenham Regime Próprio.

Apesar de ser muitas vezes denominada seguro, a Previdência Social não se apresenta como tal, pois não admite manifestação de vontade uma vez que seu beneficiário se filia de forma compulsória, eliminando a natureza contratual que se apresenta no seguro puro. Ocorrendo a vinculação compulsória e automática sem manifestação de vontade, caracterizado está o império do Poder Público e assim a Natureza Jurídica de Direito Público.

A contributividade é a alma do Sistema Previdenciário Brasileiro, pois o mesmo é alimentado por ela, visando proteger os riscos sociais de seus beneficiários.

      

SEGURO DPVAT E INSS – UMA ANALOGIA

          

Maria Helena Diniz conceitua o seguro da seguinte forma: um contrato pelo qual uma das partes se obriga para com outra, mediante o pagamento de um prêmio previsto contratualmente, a indenizá-la de dano decorrente de riscos futuros (1984).

A fim de analisar as razões que impedem a Previdência Social de ser considerada um seguro, e suas implicações, faremos um breve estudo comparativo entre este instituto e o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de via Terrestre, o DPVAT.

A natureza jurídica do DPVAT, instituído pela Lei 6.194/74, é pública porque não há manifestação de vontade, mas sim o imperialismo do poder público sobre o particular, já que todo proprietário de veiculo automotor está obrigado a participar do sistema. Não há manifestação de vontade, explicitando não haver natureza contratual.

A lei que o instituiu, em seu artigo terceiro e em anexo, deixa claros os danos cobertos bem como os valores relacionados a cada situação, ou seja, o proprietário de veiculo automotor sabe que estará amparado no caso de sinistro. O artigo quinto da referida lei anota que

“o pagamento da indenização será efetuado mediante simples prova do acidente e do dano decorrente, independentemente da existência de culpa, haja ou não resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do segurado”

 

 

            De acordo com Cavalieri Filho, tal modalidade “deixou de ser um seguro de responsabilidade civil do proprietário para se transformar em um seguro social” (2003, p. 152).

Esta obrigação imediata de indenização que ocorre no DPVAT, por extensão, deveria estar presente também no caso de aposentadoria por invalidez já que, ambos instrumentos têm regime análogo e visam a mesma função social. No entanto, muito embora tenha havido contribuição compulsória, quando do problema de saúde, o segurado do INSS há que comprovar inúmeros pré-requisitos que, se não impedem, ao menos retardam significativamente a obtenção do benefício.

SISTEMA LEGAL DE PROTEÇÃO SOCIAL

Analisando exclusivamente os benefícios por incapacidade, lemos na Lei 8.213 art. 42 incisos 1º e 2º e 59 que tanto a aposentadoria por invalidez quanto o auxílio doença, cumpridas suas carências e exigências, visam garantir a subsistência do filiado para sua recuperação durante a condição de saúde, ou falta desta, a que está submetido, perpetuando ou não o benefício conforme for o caso.

Ocorre que a carência e as exigências não são diretamente informadas ao beneficiário quando da filiação, formando um quadro nebuloso de seus direitos e procedimentos. Esta situação é um agravante considerável quando, acometido em sua doença, o segurado deve provar seu estado via perícia médica a serviço do INSS. É amplamente sabido o déficit de profissionais médicos na referida autarquia, fazendo-se frequente a realização de perícias com especialistas em ramo da medicina diverso daquele relacionado à doença/lesão. Este, por não ter condições de realizar uma investigação adequada, acaba por contribuir para a negativa do pedido, ficando o beneficiário sem o respaldo que acreditou que teria por ser contribuinte.

Merece destaque o caráter discricionário da concessão de benefício conforme exposto pelo Decreto 5.844/2006, que acresce ao Regulamento da Previdência Social a seguinte prescrição:

“o INSS poderá estabelecer, mediante avaliação médico-pericial, o prazo que entender suficiente para a recuperação da capacidade para o trabalho do segurado, dispensada nessa hipótese a realização de nova perícia”.  

Tal redação é sintomática da inversão procedimental na relação Estado-cidadão: em vez de o Poder Público despender de maiores recursos em consonância com a situação de vulnerabilidade do segurado, este é quem arca com o ônus da rigidez dos procedimentos pré-estabelecidos do órgão governamental.

É extremamente relevante citar aqui comentários de Rúbia de Alvarenga sobre alguns artigos da Constituição Federal, que são essenciais para balizar os atos dos órgãos da Previdência Social.

A dignidade da pessoa humana, como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III) e fim da ordem econômica foi elevada à categoria de princípio fundamental, assumindo o status de norma estruturante de todo o ordenamento jurídico brasileiro, vinculando as ações da iniciativa privada e do Estado.

[...]

Aliás, ensina Eros Roberto Grau que a dignidade humana não é apenas o fundamento da República, mas também o fim ao qual se deve voltar a ordem econômica. Esse autor, ao descrever a importância do princípio da dignidade humana no âmbito das relações sociais s, assevera: ‘Esse princípio compromete todo o exercício da atividade econômica, sujeitando os agentes econômicos, sobretudo as empresas, a se pautarem dentro dos limites impostos pelos direitos humanos. Qualquer atividade econômica que for desenvolvida no nosso país deverá se enquadrar no princípio mencionado’”.(pp. 13-15)

Salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão o direito estará garantido se o mesmo conseguir passar pela dificuldade em provar que sua situação está amparada pelo art. 59 da Lei 8.213/91.

O sistema previdenciário não permite a concessão de benefícios aos segurados acometidos de doença ou lesão anterior ao inicio da filiação, a menos que esta tenha sido agravada no decorrer da atividade profissional, conforme ressalvado no art. 42 da Lei 8.213/91. No entanto, não há um atestado de condição de saúde quando da filiação, dificultando ao máximo definir seu início e se a mesma está relacionada ao trabalho ou fora agravada por este.

            Neste sentido, Kerlly Bragança (2009, p. 87) afirma que:

“O intuito do legislador é evidente: não permitir que a adesão ao RGPS ocorra tão-somente para a concessão de benefício do segurado já portador de um mal, seja doença ou lesão. Não obstante, se a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão, é possível o deferimento da aposentadoria por invalidez. É o caso do segurado vítima de diabetes e que depois de anos a fio de contribuição teve sua acuidade visual sensivelmente diminuída, em decorrência do agravamento da doença”. 

            Recentemente, porém, Rosa Fraporti e Márcia Pierozan têm observado uma leve ampliação de situações e métodos levados em consideração, na tentativa de aumentar a proteção ao trabalhador.

“A realização da perícia médica é de suma importância, mas deve-se levar em conta a avaliação de forma global; o que se percebe é que a perda da capacidade laborativa é um dos requisitos para a concessão do benefício da aposentadoria por invalidez, devendo-se considerar e prestigiar as provas de forma global”. (2014, p. 154)

            Marisa Santos (2012, p. 212) segue a mesma linha, afirmando que

“a jurisprudência tem prestigiado a avaliação de provas de forma global, aplicando o princípio do livre convencimento motivado, de modo que a incapacidade, embora negada no laudo pericial, pode estar comprovada com a conjugação das condições pessoais do segurado”.

            Estes entendimentos têm tido, também, efeitos práticos, a exemplo desta decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região

“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PREENCHIDOS. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. HONORÁRIOS PERICIAIS. TUTELA ANTECIPADA. AGRAVO RETIDO PARCIALMENTE PROVIDO. APELAÇÃO DO INSS IMPROVIDA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA. SENTENÇA MANTIDA EM PARTE.

O laudo médico atesta ser o autor portador de ‘doença coronariana e hipertensão arterial sistêmica’, a configurar uma incapacidade laborativa de forma parcial e definitiva. Contudo, considerando as condições pessoais do autor, ou seja, a sua idade, o baixo grau de instrução, a baixa qualificação profissional, acrescido do fato, constatado na perícia médica realizada nestes autos de que se encontra o autor impossibilitado de exercer atividades que exijam grandes esforços físicos, conclui-se, no caso concreto, que se deve conceder a aposentadoria por invalidez. (AC 200603990434369, 7ª Turma, Rel. Des. Fed. Leide Polo, DJU 13.04.2007, p. 661).”

            Com relação às doenças pré-existente, observamos também um sinal de modificações, a exemplo deste julgado do STJ

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“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE COMPROVADA. DOENÇA PREEXISTENTE À FILIAÇÃO. AGRAVAMENTO PELO TRABALHO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.

1. É devida a Aposentadoria por Invalidez ao segurado considerado total e permanentemente incapacitado para qualquer atividade laborativa que lhe garanta a subsistência.

2. Sendo tal incapacidade oriunda de moléstia adquirida na infância, é ainda imperiosa a concessão do benefício quando sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão. A análise dessa circunstância não é possível no Recurso Especial - Súmula 07/STJ.

3. Recurso não conhecido.

Ministro Edson Vidigal (1074)

Órgão Julgador

T5 – QUINTA TURMA”

CONCLUSÃO

Nossa Lei deve ser valorizada e cumprida minimizando a insegurança social a que são submetidos os trabalhadores que de forma compulsiva ou filiando-se ao sistema público de seguridade, merecem seu amparo total, pois confiam nessa premissa, se os mecanismos de avaliação, concessão e permanência de benefícios, forem aperfeiçoados, pode-se vislumbrar uma melhora considerável do sistema, apoiado por políticas públicas que garantam uma vida digna ao povo brasileiro, sem necessitar da mendicância quanto a um benefício que não supre suas necessidades básicas mas ainda assim é só a que ele pode se socorrer, cumprindo em resumo o reza a Lei, conferindo ao ser humano

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVARENGA, Rúblia Zanotelli de. A Aposentadoria por Invalidez e a Manutenção do Plano de Saúde. Disponível em < http://www.facefaculdade.com.br/arquivos/revistas/A_Aposenntadoria_por_Invalidez_e_a_Manuteno_do_Plano_de_Sade.pdf>

BRAGANÇA, Kerlly Huback. Direito Previdenciário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009002E

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988.

BRASIL. Lei n° 6.194 de 19 de dezembro de 1974. Dispõe sobre Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não.

BRASIL. Lei n° 8.213 de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 4 ed. Malheiros Editores. São Paulo, 2003.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo : Saraiva, 1998. v.4.

FRAPORTI, Rosa Maria; PIEROZAN, Márcia Maria. Aposentadoria Por Invalidez. Revista Destaques Acadêmicos, vol. 6 n. 2, 2014. CCHS-UNIVATES

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 221.

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 11 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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Sobre a autora
Flavia Correia de Alencar

Graduada em Direito, Pós graduanda em Direito da Seguridade Social pela Faculdade Legale-SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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