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O dever de mitigar o prejuízo (duty to mitigate the loss) e a responsabilidade civil do Estado

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04/11/2016 às 12:04
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O princípio da reparação integral fixa a medida da indenização pela extensão do dano. A norma comporta exceções. O dever de mitigar é atípico. Ele pode ser aplicado para a responsabilidade civil extracontratual e ampliar a defesa do Estado.

I. Introdução II – O dever de mitigar o prejuízo (duty to mitigate the loss). III – O dever de mitigar o prejuízo no direito brasileiro. IV – A aplicação do dever de mitigar o prejuízo na defesa do Estado: uma decorrência da prerrogativa da independência funcional. V. Conclusões. VI. Referências Bibliográficas.


I- Introdução

A responsabilidade civil é baseada no princípio da reparação integral. O art. 944 do CC/2002 fixa a medida da indenização pela extensão do dano.

Todavia, a norma comporta exceções. O parágrafo único do dispositivo, por exemplo, permite a redução da indenização nas situações em que houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano causado.

Na responsabilidade contratual, tem-se mencionado outra exceção: o dever de o credor mitigar o próprio prejuízo ou comumente chamado duty to mitigate the loss.

No presente trabalho, busca-se analisar os fundamentos da teoria, a extensão da aplicação para a responsabilidade extracontratual e a ampliação da possibilidade de defesa do Estado em ações de reparação civil.


II - O dever de mitigar o prejuízo (duty to mitigate the loss).

Na responsabilidade contratual, diante do inadimplemento, impõe-se ao devedor o dever de indenizar os prejuízos ao credor (art. 389 do CC/2002[2]). A teoria do duty to mitigate the loss questiona se o devedor é responsável inclusive pelo prejuízo que poderia ser evitado pelo credor mediante esforço razoável.

O dever de mitigar (duty to mitigate) ou “doutrina dos danos evitáveis” recebeu seus contornos iniciais nos sistemas adeptos da common law. Baseia-se em duas atitudes por parte do devedor: uma positiva e outra negativa[3].

Os tribunais adotaram como paradigma de não integração da indenização, sob o aspecto positivo, os prejuízos que poderiam ter sido evitados ou foram afastados efetivamente por parte do devedor mediante um esforço razoável.

Patrick Selim Atiyah e Stephen Alexander Smith exemplificam com base em um suposto contrato de trabalho em que é dado aviso prévio de algumas semanas para uma determinada pessoa. Se o trabalhador encontrar um novo trabalho que o remunere igual ou melhor antes do término do prazo, obviamente, o valor da indenização não deverá representar a totalidade das semanas de aviso. Idêntica situação ocorrerá se a pessoa pudesse encontrar o trabalho antes do término do aviso, mas não há interesse em buscar uma nova ocupação. A indenização também não poderá ser total[4].

Uma parte prejudicada não pode permanecer inerte enquanto o prejuízo aumenta gradativamente ou pelo menos não pode se manter estática diante de uma possibilidade de redução de dano[5].

O escopo da regra no sistema da common law é bastante claro: busca-se evitar desperdício de recursos econômicos pela inércia do credor quando possível o afastamento do dano mediante esforço razoável. Diante da escassez, os recursos representam um valor social relevante que deve ser preservado[6].

O principal fundamento para o duty to mitigate the loss no direito americano e inglês não é o interesse individual, mas sim o social[7]. As regras jurídicas, a doutrina e a jurisprudência não visam apenas resguardar direitos e interesses subjetivos em sua visão clássica. O valor social e suas consequências estão cada vez mais presentes e o instituto aqui discutido demonstra o afirmado. A reparação de danos partilha da mesma ideia. O dever jurídico de ressarcimento busca primeiramente proteger a sociedade e garantir a prosperidade da comunidade.

Justamente por essa visão social, as regras referentes à responsabilidade civil devem desencorajar a ampliação ou majoração dos danos mesmo que para isso o credor seja compelido a empreender esforços razoáveis para mitigar o dano.

Os primórdios da teoria no direito americano e inglês foram construídos na jurisprudência. Em seus primeiros contornos, permitiu-se a substituição pelo credor do cumprimento da obrigação. Um terceiro que não participava da relação jurídica inicial faria o cumprimento e, posteriormente, ao exigir a reparação de danos, o credor era surpreendido pelo argumento do devedor no sentido de afastar do cálculo do prejuízo o dano evitado pelo próprio credor. Os tribunais reconheceram que o argumento defensivo mereceria prosperar[8].

Os tribunais firmaram as bases atuais da teoria a partir dos supramencionados critérios: positivo e negativo. O positivo significa afastar do valor da indenização o dano efetivamente evitado por parte do credor. Inicialmente, o aspecto foi tratado como uma faculdade e, gradativamente, tornou-se uma limitação para o direito do credor à reparação integral. O negativo surgiu como consequência e ampliação do positivo, pois, com o tempo, além do prejuízo efetivamente evitado, passou-se a reduzir da indenização o que poderia ter sido afastado mediante atuação razoável por parte do credor. O agir diligente do credor evitaria a ampliação do dano indenizável[9].

A noção do direito anglo-saxão aos poucos foi incorporada nos sistemas de origem romano-germânica.

No direito alemão, por exemplo, o aspecto positivo era abordado com base na mera liquidação do dano e apuração do efetivo prejuízo. Trata-se de clara aplicação da teoria da subtração para verificação do quantum a ser indenizado, o que somente pode ocorrer nos danos de ordem patrimonial. O negativo, em contrapartida, baseava-se na noção de culpa concorrente:

§ 254

Culpa concorrente

(1) Quando a culpa da pessoa prejudicada contribui para a ocorrência do dano, a responsabilidade pelos danos e a extensão da compensação a ser paga dependem dascircunstâncias, em particular, de qual extensão do dano é causada preponderantemente por uma ou pela outra parte.

(2) Isso também se aplica se a culpa da parte prejudicada se restringe a falha em chamar a atenção do credor para o perigo de um dano de extensão incomum,quando o credor não estava ou não deveria estar ciente do perigo, ou em falhar em evitar ou reduzir o dano. O disposto no artigo 278 se aplica com as necessárias modificações[10].

O parágrafo (2) trata justamente do dever de mitigar o prejuízo sob o aspecto negativo. A norma é aplicável tanto à responsabilidade contratual como à extracontratual[11] e tem enorme repercussão prática[12].

Como se percebe, trata-se de regra inserida no âmbito da culpa concorrente o que parece ser um equívoco, pois, embora o termo relacionado seja culpa, constata-se nítida aplicação da causalidade concorrente para o dano. No caso do dever de mitigar o prejuízo o dano efetivamente é causado pelo devedor somente.

Outro fator relevante diz respeito ao momento da ocorrência do dever de mitigar em relação ao evento danoso. O duty to mitigate the loss necessariamente ocorre após o prejuízo ou inadimplemento enquanto a culpa concorrente pode ser concomitante ou anterior ao dano, mas não posterior[13].

O legislador italiano também abordou o aspecto negativo com base na culpa concorrente:

Art. 1.227. Concorrência de fato culposo pelo credor

Se o fato culposo do credor concorreu para causar o dano, oressarcimento é reduzido segundo a gravidade da culpa e a amplitude das conseqüências que lhe são derivadas.

O ressarcimento não é devido pelos danos que o credor poderia ter evitadousando diligência ordinária(2.056 e seguintes) – tradução livre[14].

Em que pese o enquadramento pelo legislador como culpa concorrente, a doutrina e a jurisprudência italiana têm construído outro entendimento.

Nicola Distaso, por exemplo, concorda que o parágrafo primeiro trata do que comumente se chama de culpa concorrente. Todavia, sustenta que o segundo, justamente o que se refere ao dever de mitigar o prejuízo, contém espécie diversa. A causa única do prejuízo é a conduta do devedor, mas o agravamento evitável do dano mediante atuação por parte do credor não entrará no cálculo da indenização[15]. Haveria, portanto, uma interrupção do nexo de causalidade em relação a esses prejuízos.

Para a apuração dos esforços razoáveis, a doutrina italiana tem afastado a exigência de mitigação do prejuízo em caso de esforço e gastos excessivos pelo credor, renúncia de direitos, bem consertados por terceiro no caso de bens defeituosos ou início de ações judiciais[16].

O Código Civil francês não traz previsão expressa sobre a evitabilidade do dano por parte do credor, mas a doutrina há muito tempo já abordava o tema. Todavia, justamente pela ausência de regras específicas na legislação, o desenvolvimento da teoria ficou prejudicado. Isso ocorreu pelo costume dos magistrados de fundamentarem suas decisões em dispositivos do Código[17].

A doutrina começou a perceber, no entanto, que, em algumas decisões, passou-se a utilizar as mesmas consequências da mitigação do prejuízo com base em outros argumentos[18].

Interessante caso foi mencionado por Anne Laude[19]. Trata-se de uma situação que pode ocorrer no direito brasileiro diante da previsão do art. 15 do Código Civil[20]. No caso, criou-se a dúvida sobre o dever de indenizar diante do agravamento de uma situação médica pela não submissão da vítima à intervenção cirúrgica. A jurisprudência francesa distinguiu a intervenção dolorosa e grave do tratamento médico simples e sem maiores intercorrências. Somente haveria dever de indenizar na segunda hipótese.

Ressalta-se, contudo, que, por não ter previsão específica, a jurisprudência francesa fundamenta a mitigação do prejuízo com base em diversos critérios. Christian Sahb Batista Lopes, por exemplo, menciona diversos casos cujos argumentos para a aplicação ou não do dever de mitigar foram diversos: boa-fé objetiva, quebra do nexo de causalidade, culpa concorrente, dano imprevisível e inesperado etc.[21].

A resistência à aplicação da teoria no direito francês tem várias razões. A primeira sustenta a suficiência das normas e regras já existentes no Código Francês[22]. Na responsabilidade extracontratual, como a base está no ilícito, sustenta-se ser injusto fazer a vítima eventualmente dispender recursos quando a culpa pelo dano é exclusiva do devedor. Da mesma forma, limitar o momento para pleitear a indenização seria uma restrição excessiva ao direito à reparação. Na contratual, a mitigação afetaria a tutela específica ao se exigir, por exemplo, do credor a aceitação de prestação alternativa para simplesmente mitigar o prejuízo[23].

Após essa breve análise sobre as concepções, origens e aplicação do dever de mitigar o prejuízo, resta observar como o direito brasileiro pode se servir e fundamentar a teoria para a sua aplicação em nosso sistema jurídico.

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III- O dever de mitigar o prejuízo no direito brasileiro.

A eticidade é um dos pilares do Código Civil de 2002. Juntamente com a socialidade e a operabilidade forma o vértice valorativo da principal legislação civil brasileira[24].

A boa-fé e a ética ganharam uma proeminência muito superior à recebida pelo Código Civil de 1916. Trata-se de um novo foco de ideias e consequências jurídicas. Em relação à boa-fé, percebe-se ainda mais relevância. A associação quase que exclusiva da boa-fé como sinônimo de boa intenção cedeu espaço para a cooperação entre negociantes. Novas regras originadas do comportamento das partes que participam de uma relação jurídica foram alçadas ao protagonismo do estudo civilista brasileiro.

A boa-fé como padrão de comportamento é um conceito jurídico indeterminado, mas quando se refere ao comportamento exigido pode ser enquadrada como cláusula geral[25]. Justamente como cláusula geral, apresenta basicamente três funções pretorianas: adjuvandi, supplendi e corrigendi.

A função adjuvandi está intimamente ligada à interpretação. A supplendi implica suprir ou acrescentar regras ou deveres não incluídos no direito. Finalmente, a função corrigendi significa corrigir algo que no direito não pode ser considerado justo[26].

Em relação à interpretação, o Código Civil de 2002 é expresso no art. 113 sobre a aplicação da boa-fé na interpretação dos negócios jurídicos[27]. O dispositivo, no entanto, diz respeito tão-somente à relação negocial. Poderia o legislador ter sido mais claro ao estabelecer que a boa-fé é um critério de interpretação para toda relação jurídica e não apenas para a relação negocial. De qualquer forma, foi um avanço em comparação com o Código Civil de 1916.

A função de suprir ou acrescentar regras e deveres tem importante relevância prática, pois está relacionada com os deveres anexos. A aplicação dessa função pretoriana é muito discutida na esfera contratual, mas nada impede que seja aplicada também para o campo extracontratual[28], pois ontologicamente não há diferença quanto à origem. Tal afirmação fica bem clara ao se observar o dever de informar e o de colaboração.

Como decorrência do dever de colaboração, surge justamente o dever de mitigar o prejuízo.

“Uma dessas construções inovadoras, relacionada diretamente com a boa-fé objetiva é justamente o duty to mitigate the loss, ou mitigação do prejuízo pelo próprio credor.

(...)

haveria uma relação direta com o princípio da boa-fé objetiva, uma vez que a mitigação do próprio prejuízo constituiria um dever de natureza acessória, um dever anexo, derivado da boa conduta que deve existir entre os negociantes”[29].

Vera Maria Jacob Fradera foi a precursora do tema no direito brasileiro pela publicação de artigo em 2004 que ganhou enorme repercussão na doutrina[30] e, posteriormente, na jurisprudência brasileira:

DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO. OBSERVÂNCIA PELAS PARTES CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DO CREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RECURSO IMPROVIDO.

1. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância pelos contratantes em todas as fases. Condutas pautadas pela probidade, cooperação e lealdade.

2. Relações obrigacionais. Atuação das partes. Preservação dos direitos dos contratantes na consecução dos fins. Impossibilidade de violação aos preceitos éticos insertos no ordenamento jurídico.

3. Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Duty to mitigate the loss: o dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano. Agravamento do prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência aos deveres de cooperação e lealdade.

4. Lição da doutrinadora Véra Maria Jacob de Fradera. Descuido com o dever de mitigar o prejuízo sofrido. O fato de ter deixado o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, sem que este cumprisse com o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com o patrimônio do credor, com o consequente agravamento significativo das perdas, uma vez que a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiriam a extensão do dano. 5. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. Caracterização de inadimplemento contratual a justificar a penalidade imposta pela Corte originária, (exclusão de um ano de ressarcimento). 6. Recurso improvido. (Brasil, STJ, Resp 758.518 – PR, rel. Min. VASCO DELLA GIUSTINA, Órgão Julgador: Terceira Turma, j. em 17/06/2010)[31].

Antes mesmo do mencionado julgado, a autora propôs enunciado na III Jornada de Direito Civil que foi inclusive mencionado no supramencionado Acórdão diante de sua aprovação no evento organizado pelo Conselho da Justiça Federal:

Enunciado 169 (referente ao art. 422 do CC/2002). O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo.

Como é possível perceber, os autores e até mesmo a jurisprudência se concentram no dever de mitigar o prejuízo em relação aos contratos[32]. Todavia, nada impede que a teoria seja aplicada também para a responsabilidade extracontratual[33]. Com essa mudança de foco, aliás, a defesa do Estado pode ser sensivelmente ampliada.

O duty to mitigate the loss encontra sua forma de operacionalização para a responsabilidade extracontratual na teoria do abuso de direito. Trata-se de nítida aplicação da função pretoriana de corrigir eventuais equívocos na relação obrigacional para se aproximar cada vez mais do justo no caso concreto.

A figura do abuso de direito não era prevista expressamente no Código Civil de 1916. Portanto, pelo menos do ponto de vista da legislação civilista brasileira codificada, pode-se dizer que houve uma inovação por parte do legislador[34].

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (grifo nosso)

Para a discussão aqui apresentada, o abuso decorre do exercício manifestamente abusivo de um direito por violar a boa-fé objetiva, mais precisamente, por desrespeitar o dever anexo de colaboração.

O direito à reparação seria exercido de maneira abusiva por contrariar o dever anexo de colaboração de mitigar o prejuízo quando for possível a atuação por parte do credor sem grandes esforços no caso concreto.

O dever de mitigar o prejuízo impõe uma atuação por parte do credor. A inércia e posterior exigência de reparação da totalidade do dano quando no caso concreto é possível evitar o incremento lesivo configura o abuso de direito em sede de responsabilidade civil.  

O foco maior da doutrina, no entanto, está na responsabilidade contratual e, justamente neste ponto, Antônio Junqueira de Azevedo afirma haver a omissão mais grave do Código Civil. Não houve tratamento específico em relação ao abuso de direito. O abuso de direito entre os negociantes ocorre por meio das cláusulas abusivas, previstas no Código de Defesa do Consumidor, mas ausentes no Código Civil.

“A terceira função, corrigendi, a que me referi, consiste talvez na pior omissão do Projeto do Código Civil: é a questão das cláusulas abusivas. O nosso Código do Consumidor, que foi feito, como se sabe, depois do Projeto de Código Civil, está muito mais atualizado do que este. As cláusulas abusivas tem um vasto elenco no art. 51, inclusive com norma de fechamento. O próprio Ministério da Justiça publicou mais duas listas com 29 cláusulas, no mês de março de 1999; são cláusulas abusivas em matéria de planos de saúde, de cartão de crédito, de transporte aéreo etc.”[35]   

Aliás, é justamente pela omissão legislativa que Christian Sahb Batista Lopes propõe uma alteração no Código Civil para a o dever de mitigar o prejuízo na esfera contratual:

Anteprojeto de Lei

Inclui no Código Civil brasileiro o ônus de mitigar.

Art. 1°. Ficam incluídos os seguintes parágrafos ao artigo 403 da Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil brasileiro):

“§1°. As perdas e danos não incluem os danos decorrentes do inadimplemento que pudessem ter sido evitados ou reduzidos pelo credor com o emprego de medidas ou esforços razoáveis de sua parte.

§2°. A indenização devida ao credor deverá ser reduzida no montante dos ganhos por ele obtidos que não seriam auferidos se não fosse pelo inadimplemento.

§3°. As perdas e danos abrangem as despesas razoáveis feitas pelo credor na tentativa de evitar ou reduzir os danos decorrentes do inadimplemento.”

Art. 2°. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação[36].                       

A doutrina brasileira atual defende o dever de mitigar o prejuízo com base na boa-fé objetiva e na teoria do abuso de direito. Causa, portanto, estranheza a falta de desenvolvimento da teoria para a responsabilidade extracontratual, pois o art. 187 está intimamente ligado a essa modalidade de responsabilidade. Basta, para a conclusão, a observância do art. 927 do Código Civil que faz expressa menção ao dispositivo.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

As bases mestras dessa responsabilidade ainda são passíveis de discussão. Vera Maria Jacob de Fradera expõe se tratar de responsabilidade por culpa delitual[37]. Todavia, não se trata propriamente de culpa no sentido técnico do termo, pois a culpa necessariamente deve anteceder o dano. O dever de mitigar o prejuízo é posterior ao prejuízo[38]. Ademais, a responsabilidade baseada no abuso de direito não é subjetiva, com fundamento na culpa, mas sim objetiva[39].

Verificada as linhas mestras do dever de mitigar o prejuízo no direito brasileiro, percebe-se a possibilidade de sua aplicação para a responsabilidade civil do Estado.

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Sobre o autor
Silvano José Gomes Flumignan

Doutorando em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Visiting reseacher (University of Ottawa). Procurador do Estado de Pernambuco. Graduação em Direito pela faculdade de Direito da USP. Professor Universitário. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil, Processual Civil, Consumidor e Empresarial.<br>email: [email protected]<br>Twitter: @silvanoflumigna

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FLUMIGNAN, Silvano José Gomes. O dever de mitigar o prejuízo (duty to mitigate the loss) e a responsabilidade civil do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4874, 4 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35654. Acesso em: 26 abr. 2024.

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