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Operação Lava-Jato: onde há fumaça há fogo e, possivelmente, nulidade

23/01/2015 às 15:15
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Se efetivamente a defesa tem razão, poderá ter havido uma "quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por métodos ocultos", como aconteceu no caso do Banco Opportunity, quando todo o processo foi anulado.

Noticiou-se que "não há informações sobre como as mensagens de celular trocadas entre um funcionário da construtora OAS e Alberto Youssef foram interceptadas. Segundo a defesa do empresário, a falta de registros sobre os “caminhos” que essa interceptação percorreu até chegar aos autos a torna ilegal e, portanto, não pode ser apresentada como prova em juízo. As alegações estão na resposta à denúncia apresentada contra José Aldemário Pinheiro Filho, presidente afastado da OAS, que responde pelos atos da empresa."

De acordo com a defesa do empresário as provas que levaram o Ministério Público Federal a essa conclusão foram colhidas de forma ilegal, pois a Polícia Federal teria violado a Constituição, leis e um tratado de cooperação internacional entre Brasil e Canadá para interceptar as mensagens de texto que levam a acusação a crer na conexão entre a OAS e Alberto Youssef.

O executivo da OAS e Youssef trocavam mensagens por meio de aparelhos BlackBerry. São celulares que têm um sistema próprio para troca de mensagens de texto, chamado BlackBerryMessages, ou BBM. Os servidores que dão suporte ao sistema — e por onde essas mensagens passam e ficam armazenadas — ficam no Canadá. Por isso, em tese, a polícia brasileira não poderia ter acesso ao seu conteúdo.

Segundo a defesa do empresário, para que esse sistema seja interceptado pela polícia brasileira, há todo um caminho burocrático a percorrer: os pedidos de cooperação devem tramitar por autoridades centrais, que avaliam a pertinência e a possibilidade de cumprir com o pedido. No Brasil quem responde como autoridade central é a Procuradoria-Geral da República. No Canadá, o Ministério da Justiça. É uma maneira de manter um “controle da soberania”, diz a defesa.

No caso do executivo da OAS, a Polícia Federal pediu à 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, onde corre a operação, a interceptação telemática dele. Pedia que a Research In Motion (RIM), fabricante do BlackBerry, desse, “em tempo real, acesso ao conteúdo dos diálogos e/ou mensagens dos seguintes aparelhos telefônicos”.

O juiz responsável pelo caso, Dr. Sergio Fernando Moro, estranhou o pedido e pediu esclarecimentos. A princípio, “o destinatário da ordem judicial deve ser uma empresa no Brasil, ainda que representante de outra no exterior”, mas a Polícia Federal respondeu que a interceptação seria “transmitida por canais diretos entre o Departamento de Polícia Federal e a referida empresa”. O contato da Research In Motion com a Polícia Federal brasileira seria um homem chamado Andrew — até agora sem sobrenome — conforme consta dos autos. E Moro, então, autorizou o prosseguimento da interceptação.

O grampo resultou em um documento em formato HTML (linguagem de programação usada em sites da internet) gerado pelo próprio Departamento de Polícia Federal. Aí está o problema apontado pelos advogados. O procedimento burocrático das cooperações internacionais deixa um rastro de ofícios, ordens, pedidos etc.: sai da polícia, para o Ministério Público, para o Judiciário, para o órgão de cooperação internacional, para o órgão estrangeiro e faz todo o caminho de volta. No caso da OAS, não há nenhum registro desse caminho.

Como não há pegadas da interceptação, não há controle sobre como ela foi feita, por quem, quem teve acesso, se o arquivo foi alterado ou editado. Isso torna toda a prova ilegal, já que não há formas de controlar a investigação. Até mesmo a veracidade das mensagens está passível de contestação — e o empresário contesta: “Afinal, não se pode dizer serem os resultados verdadeiros, porque sem controle”. Fonte: Revista Consultor Jurídico, acessada em 22 de janeiro de 2015.

Pois é.

Se efetivamente a defesa tem razão, poderá ter havido uma "quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por métodos ocultos", como afirma Geraldo Prado[1], ocorrendo exatamente o que aconteceu no caso do Banco Opportunity S/A, quando a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal anulou todo o processo, em razão da ilegalidade da apreensão, pela Polícia Federal, de computadores e o espelhamento de discos rígidos (HDs), durante diligências das operações Satiagraha e Chacal. A decisão foi tomada na análise do Habeas Corpus nº. 106566, impetrado na Corte pela defesa do empresário Daniel Dantas. Os Ministros entenderam que as provas colhidas a partir dos HDs devem ser desconsideradas e determinaram, ainda, a imediata devolução do material apreendido à instituição financeira. A decisão unânime foi tomada nesta terça-feira, dia 16 de dezembro de 2014. No dia 27 de outubro de 2004, policiais federais cumpriam mandado de busca e apreensão expedido pelo Juiz da 5ª. Vara Federal Criminal de São Paulo no endereço profissional de Daniel Dantas, localizado no 28º. andar de um edifício comercial no centro do Rio de Janeiro. Ao serem informados que a sede do Banco Opportunity ficava no 3º. andar do mesmo prédio, os policiais comunicaram o ocorrido ao Juiz substituto, que autorizou, por meio de ofício sem maiores detalhes, o espelhamento [cópia] do disco rígido do servidor da instituição financeira.

O julgamento do caso começou na sessão do dia 09 de dezembro de 2014, quando o relator, Ministro Gilmar Mendes, considerou ilegal a diligência. Para ele, o Magistrado que despachou o caso no dia da busca e apreensão não foi alertado ou não percebeu que os equipamentos em questão estavam em local diverso do constante no mandado. “As provas obtidas pela busca e apreensão no terceiro andar do edifício da avenida Presidente Wilson, 231, no Rio de Janeiro, foram ilicitamente adquiridas, a meu ver, porque a diligência contrariou a regra constitucional de inviolabilidade de domicílio do artigo 5º, XI, da Constituição”, frisou o relator ao votar no sentido de que essas provas ilicitamente incorporadas ao processo devem ser excluídas do processo.

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A Ministra Cármen Lúcia pediu vista dos autos na ocasião e apresentou voto na sessão de ontem, dia 16 de dezembro de 2014. Ao acompanhar integralmente o relator, a Ministra entendeu que procede o inconformismo da defesa quanto ao fato de a autorização do juiz substituto ter indicado endereço diverso do constante no mandado original, sem a mesma pormenorização. “Pelo que se tem nos autos, ao deferir o pedido de espelhamento do HD pertencente ao banco Oportunity, o magistrado ou não foi alertado ou não percebeu que a medida importaria em alteração daquele primeiro, especialmente em relação ao endereço e à necessidade do espelhamento ser feito na forma como foi”, concluiu a Ministra. O decano da Corte, Ministro Celso de Mello concordou com o relator. Segundo ele, mandados de busca e apreensão não podem se revestir de conteúdo genérico, nem ser omissos quanto à indicação, a mais precisa possível – a teor do artigo 243 do Código de Processo Penal – do local objeto dessa medida extraordinária. "Medidas que contrariam os comandos constitucionais e revelam-se inaceitáveis não podem merecer a chancela do STF, sob pena de subversão dos postulados constitucionais que definem limites inultrapassáveis do poder do Estado em suas relações com os cidadãos", concluiu o decano.

O presidente da Turma, Ministro Teori Zavascki, também acompanhou o relator. (Fonte: página oficial do Supremo Tribunal Federal).

Aliás, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal deferiu o Habeas Corpus Nº. 115714 para determinar a anulação, desde a fase de interrogatório dos corréus. O Habeas Corpus foi impetrado contra decisão do Superior Tribunal de Justiça que indeferiu liminar com pedido semelhante, no qual a defesa do réu alegou ter sido impedida de questionar os corréus durante interrogatório.

Oxalá não seja este mais um caso em que se perde a oportunidade de condenar culpados em razão da falta de observância da Constituição pelos órgãos persecutórios estatais.     


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Nota

[1] Prova Penal e Sistema de Controles Epistêmicos, São Paulo: Marcial Pons, 2014.

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Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. Operação Lava-Jato: onde há fumaça há fogo e, possivelmente, nulidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4223, 23 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35778. Acesso em: 22 dez. 2024.

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