Artigo Destaque dos editores

O Direito Penal e a problemática da medida de segurança

Exibindo página 3 de 5
Leia nesta página:

5. Tipologia das medidas de segurança     

O art. 96 do CP, in verbis, assevera:

Art. 96. As medidas de segurança são:

I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;

II - sujeição a tratamento ambulatorial.[58]

É consabido que a pena assoma como decorrência da prática de um fato típico, ilícito e culpável, ou seja, quando o agente comete uma infração penal, o Estado toma para si o ius puniendi, aplicando ao meliante/recalcitrante uma pena que terá as funções determinadas pela parte final do art. 59 do estatuto repressivo, devendo ser necessária e suficiente à reprovação e prevenção do crime.

Por outro lado, ao inimputável, que pratica um injusto penal, deve ser aplicada medida de segurança que deve levar a efeito o seu tratamento. Não se pode olvidar que esta tem finalidade curativa e natureza preventiva especial, haja vista que ao tratar o doente, o Estado espera que ele não volte a delinquir. Faz-se mister ressaltar que o tratamento, a que será submetido o não imputável, pode ocorrer dentro de um estabelecimento hospitalar ou fora dele.

Com efeito, a medida de segurança pode iniciar-se em regime de internação ou por tratamento ambulatorial. Desse modo, segundo Rogério Greco, “podemos considerar que as medidas de segurança podem ser detentivas (internação) ou restritivas (tratamento ambulatorial)” (grifos nossos). Neste mesmo sentido, Damásio de Jesus[59]e Cláudio Brandão[60].

Bitencourt assevera, em tom de crítica, que a nomenclatura dada ao estabelecimento para cumprimento das medidas de segurança detentivas (hospital de custódia e tratamento psiquiátrico) não passa de uma expressão eufemística utilizada, pelo legislador da Reforma Penal de 1984, para renomear/maquiar o velho e deficiente manicômio judiciário, sem mudar a essência das precárias condições deste. Nestes locais, os agentes vivem em estado constante de letargia e penúria, provocado pelo uso de medicamentos e, ainda assim, são frequentes as notícias de que internos tentam dar fim à própria vida, geralmente por enforcamento. As estruturas físicas destes locais são precárias e, na maioria das vezes, indignas. Os profissionais da saúde que lá trabalham nem sempre têm a necessária paciência ou, até mesmo, a humanidade de tratar com decência os pacientes submetidos ao tratamento. Muitos dos pacientes são abandonados à própria sorte, mesmo dentro do “estabelecimento adequado”.[61] Tal crítica é corroborada por Prado.[62]

Em muitos casos, infelizmente, os internos dos hospitais acabam tendo um incipiente contato com seus familiares, ou mesmo perdendo este. Desse modo, é comum o distanciamento do convívio social, não havendo ressocialização, mas sim, cronificação dos problemas mentais.[63] Outrossim, a medida de segurança é instituto perverso, que pune a loucura , arrancando a liberdade do preso, em muitos casos, sendo fruto do que se convencionou denominar de medo irracional que sentimos dos loucos.[64]

Logo, o direito punitivo mantém longas raízes no positivismo penal e no determinismo e continua a desconfiar da loucura, promovendo sua exclusão em nome da defesa social centrada no conceito de periculosidade presumida.[65]

Ademais, adotando um posicionamento mais otimista, Greco:

a classe média, há alguns anos, vem se mobilizando no sentido de evitar a internação dos pacientes portadores de doença mental, somente procedendo a internação nos casos reputados mais graves quando o convívio do doente com seus familiares ou com a própria sociedade torna-se perigoso para estes e para ele próprio.

Outrossim, Mirabete, falando sobre a tendência de sujeição do sentenciado à tratamento ambulatorial: “corresponde a inovação às atuais tendências de “desinstitucionalização” do tratamento ao portador de doença mental ou de perturbação de saúde mental.”[66] É lição de Zaffaroni: ‘‘é sabido que, na moderna terapêutica psiquiátrica, a internação ocupa lugar cada vez mais reduzido. Existe uma série de análises que tendem para sua abolição, enquanto se fomenta o tratamento ambulatorial.”[67]

No nosso ordenamento jurídico, louvavelmente, surgiu a Lei nº 10.216/2001 que assegura a proteção e os direitos das pessoas convalescentes de patologias mentais, dando “novos ares” ao modelo assistencial em saúde mental. Desse modo, a medida de segurança- espécie de tratamento compulsório-, em muitos casos, infelizmente engendra uma situação fática, às vezes insalubre, de segregação perpétua ou por longo lapso temporal. Contudo, a publicação da referida lei e das resoluções da III Conferência nacional de Saúde Mental vêm fomentando a mudança, acreditamos que para melhor, das condições de tratamento para os enfermos mentais infratores.[68]

Desse modo, a reforma psiquiátrica vem conseguindo importantes vitórias no campo do direito sanitário, alterando leis e normas infralegais para mantê-los coerentes com a desospitalização e desmedicalização da loucura, que representa o resgate da humanidade e cidadania do “louco”.[69]

Contudo, o caminho é longo e muito ainda há de ser feito para que se chegue a uma situação satisfatória minimamente digna.

O magistrado, que absolve o agente, aplicando-lhe medida de segurança, em sua decisão, deve prudentemente escolher o tratamento que mais se adeque ao caso; logo, se for necessária a internação do inimputável, deve proceder nesse sentido; já, se o tratamento ambulatorial for o mais adequado para atender à situação, este deverá ser imposto na decisão.

Neste mesmo sentido, assoma o entendimento de Bitencourt que assim expõe:

não é imputabilidade ou a semi-imputabilidade que determinará a aplicação de uma ou de outra medida de segurança, mas a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, que, se for de detenção, permitirá a aplicação de tratamento ambulatorial, desde que, é claro, as condições pessoais o recomendem.[70](grifos nossos)

E no mais, assevera o art. 97 do CP que, se o “agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.” Estamos com Rogério Greco e a doutrina majoritária no sentido de que, malgrado esta previsão do CP, o magistrado tem a liberalidade de optar pelo tratamento que melhor se adeque ao não imputável, independente de o fato definido como crime ser punido com detenção ou reclusão. Em sentido contrário, Fernando Capez[71], Luiz Regis Prado[72] e Cláudio Brandão[73] se coadunam com a corrente que defende a aplicação literal do preceito normativo, qual seja, obrigatoriedade da medida detentiva quando a pena imposta for de reclusão e faculdade entre restritiva e detentiva quando a pena imposta for de detenção.


6. Início do cumprimento da medida de segurança

Perfunctoriamente, basta ter em mente o art. 171 e o art. 173 da LEP (Lei de Execuções Penais). Transcrevemos, in verbis, as palavras por serem deveras pedagógicas e de fácil intelecção:

Art. 171. Transitada em julgado a sentença que aplicar medida de segurança, será ordenada a expedição de guia para a execução.

Art. 172. Ninguém será internado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, ou submetido a tratamento ambulatorial, para cumprimento de medida de segurança, sem a guia expedida pela autoridade judiciária.

Nesse sentido, ainda é importante o art. 173 da LEP:

Art. 173. A guia de internamento ou de tratamento ambulatorial, extraída pelo escrivão, que a rubricará em todas as folhas e a subscreverá com o Juiz, será remetida à autoridade administrativa incumbida da execução e conterá:

I - a qualificação do agente e o número do registro geral do órgão oficial de identificação;

II - o inteiro teor da denúncia e da sentença que tiver aplicado a medida de segurança, bem como a certidão do trânsito em julgado;

III - a data em que terminará o prazo mínimo de internação, ou do tratamento ambulatorial;

IV - outras peças do processo reputadas indispensáveis ao adequado tratamento ou internamento.

§ 1° Ao Ministério Público será dada ciência da guia de recolhimento e de sujeição a tratamento.

§ 2° A guia será retificada sempre que sobrevier modificações quanto ao prazo de execução.


7. Prazo de cumprimento da medida de segurança

Por ser uma providência judicial curativa, a medida de segurança não tem prazo certo de duração, continuando enquanto houver necessidade do tratamento destinado à cura ou à manutenção da saúde mental do inimputável. Ademais, ela durará enquanto não for constatada, por meio de perícia médica[74], a cessação da periculosidade do agente, podendo, inclusive, ser mantida ininterruptamente até o óbito do paciente. Nestor Távora[75] defende, como parte da doutrina, que não há limite temporal para as medidas de segurança. Inclusive, esta é a interpretação aparente da legislação penal.

De acordo com as regras legais expressas, as medidas de segurança não teriam limite máximo, ou seja, poderiam, por hipótese, perdurar durante toda a vida da pessoa a elas submetidas, sempre que não advenha uma perícia indicativa da cessação da periculosidade do submetido.[76]

Assim, preocupa, sobremaneira, a circunstância de não terem as medidas de segurança um limite fixado na lei e ser a sua duração indeterminada, podendo o arbítrio do perito e dos juízes decidir acerca da liberdade de pessoas que, doentes mentais ou estigmatizadas como tais, sofrem privações de direitos ainda maiores do que aqueles que são submetidos às penas. O problema não é fácil, e a pouca atenção que geralmente se dá à medida de segurança, do ponto de vista dogmático, torna-a bastante perigosa para as garantias individuais.[77]

A conclusão é uma só. A punição ao louco é muito mais rigorosa que a punição imposta às pessoas ditas normais, uma vez que a internação não tem prazo para acabar. É uma espécie de prisão perpétua sujeita à condição resolutiva da cura improvável, sujeita a uma condição quase impossível.[78]

Tais considerações levaram nomes consagrados da doutrina pena brasileira a sustentar que o prazo de duração das medidas de segurança não pode ser completamente indeterminado, sob pena de macular o princípio- erigido à categoria de cláusula pétrea da Constituição Federal-, que veda a prisão perpétua, em especial, tratando-se de medida de segurança detentiva, ou seja, aquela cumprida em regime de internação.[79]

Segundo Walber de Moura Agra, o fundamento para os impedimentos desse tipo de pena (penas de caráter perpétuo) “é o respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos. Essas penas ferem flagrantemente um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, que é a dignidade da pessoa humana".[80]

Segundo as lições, sempre argutas, do magistério de Zaffaroni

se a Constituição federal dispõe que não há penas perpétuas (art.5º, XLVII, b), muito menos se pode aceitar a existência de perdas perpétuas de direitos formalmente penais.

(...)

Não é constitucionalmente aceitável que, a título de tratamento se estabeleça a possibilidade de uma privação de liberdade perpétua, como coerção penal. Se a lei não estabelece o limite máximo, é o intérprete quem tem a obrigação de fazê-lo.[81]

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Bitencourt, sobre o limite temporal das medidas de segurança, arremata:

começa-se a sustentar, atualmente, que a medida de segurança não pode ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito, pois esse seria ‘o limite da intervenção estatal, seja a título de pena, seja a título de medida’, na liberdade do indivíduo, embora não prevista expressamente no Código Penal, adequando-se à proibição constitucional do uso da prisão perpétua.[82]

André Copetti assevera que não é admissível que uma medida de segurança tenha uma duração maior do que a pena que seria aplicada a um inimputável que tivesse sido condenado pelo mesmo delito. Logo, se no tempo máximo da pena correspondente ao seu delito o internado não logrou êxito em obter sua sanidade mental, torna-se injustificável a sua manutenção em estabelecimento psiquiátrico forense. Dessa feita, mostra-se mais racional e humanitário tratar o inimputável como qualquer outro doente mental que não tenha praticado qualquer delito.[83]

É fato público e notório, por diversas vezes noticiado pela mídia, que o Estado não propicia um bom tratamento para os enfermos, logo, deve-se deixar de lado a crença, talvez utópica, que a medida de segurança vai efetivamente curar o paciente. Muitas vezes, segundo Greco, procurador com longa e ampla experiência na seara criminal, o regime de internação piora a condição do doente, o que deve ser um norte para a feitura do novo diploma legal que vede a criação de novos manicômios públicos.

Entretanto, o real é mais complexo que isto. Na verdade, existem situações em que o não imputável, malgrado longo interregno de tratamento, não tem condição de retornar ao convívio social, em casos mais extremos, a presença deste no convívio comum trará, inclusive, riscos para sua vida.

Desse modo, o Código Penal assevera, no art. 97, §§ 1º e 2º, que a internação ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade, cujo prazo mínimo para internação ou tratamento ambulatorial deverá ser de um a três anos. Após esse lapso temporal, será realizada perícia médica, devendo ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se assim determinar o juiz da execução.

Segundo o art. 175 da LEP:

Art. 175. A cessação da periculosidade será averiguada no fim do prazo mínimo de duração da medida de segurança, pelo exame das condições pessoais do agente, observando-se o seguinte:

I - a autoridade administrativa, até 1 (um) mês antes de expirar o prazo de duração mínima da medida, remeterá ao Juiz minucioso relatório que o habilite a resolver sobre a revogação ou permanência da medida;

II - o relatório será instruído com o laudo psiquiátrico;

III - juntado aos autos o relatório ou realizadas as diligências, serão ouvidos, sucessivamente, o Ministério Público e o curador ou defensor, no prazo de 3 (três) dias para cada um;

IV - o Juiz nomeará curador ou defensor para o agente que não o tiver;

V - o Juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, poderá determinar novas diligências, ainda que expirado o prazo de duração mínima da medida de segurança;

VI - ouvidas as partes ou realizadas as diligências a que se refere o inciso anterior, o Juiz proferirá a sua decisão, no prazo de 5 (cinco) dias.

Ainda segundo a LEP, art. 176, o magistrado poderá, não obstante não tenha sido esgotado o prazo mínimo de duração da medida de segurança- diante de requerimento fundamentado do Ministério Público ou do interessado, do seu procurado ou do seu defensor-, ordenar exame para que se verifique a cessação da periculosidade.

O inimputável que praticou um ilícito penal pode retornar ao convívio social com, por exemplo, dois anos depois de ter sido internado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, desde que também seja verificada a cessação da sua periculosidade. Por outro lado, aquele que, mesmo após vinte anos de internação, ainda apresente periculosidade, deverá permanecer internado. Em que pese a deficiência do sistema, deve-se tratar a medida de segurança como remédio e não como pena. Se a internação não está a resolver o problema de ordem mental do paciente, a solução deve ser a desinternação, passando-se para o sistema de tratamento ambulatorial. Todavia, não se pode liberar o paciente que demonstra que, se não for corretamente sujeito a um tratamento médico, voltará a trazer perigo para si ou para outrem. Tal é a posição de Rogério Greco e Guilherme de Souza Nucci.[84]

Neste mesmo sentido, vem a lume a admoestação de Fernando Galvão:

Como a medida de segurança relaciona-se à periculosidade do agente, a internação ou o tratamento ambulatorial será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade.[85]

Contudo, esta não é a interpretação do STF, o qual entende que o tempo de duração da medida de segurança não pode exceder o limite máximo de trinta anos, conforme se depreende da inteligência das ementas dos arestos abaixo colacionadas:

EMENTAS: AÇÃO PENAL. Réu inimputável. Imposição de medida de segurança. Prazo indeterminado. Cumprimento que dura há vinte e sete anos. Prescrição. Não ocorrência. Precedente. Caso, porém, de desinternação progressiva. Melhora do quadro psiquiátrico do paciente. HC concedido, em parte, para esse fim, com observação sobre indulto. 1. A prescrição de medida de segurança deve calculada pelo máximo da pena cominada ao delito atribuído ao paciente, interrompendo-se-lhe o prazo com o início do seu cumprimento. 2. A medida de segurança deve perdurar enquanto não haja cessado a periculosidade do agente, limitada, contudo, ao período máximo de trinta anos. 3. A melhora do quadro psiquiátrico do paciente autoriza o juízo de execução a determinar procedimento de desinternação progressiva, em regime de semi-internação.(STF - HC: 97621 RS , Relator: CEZAR PELUSO, Data de Julgamento: 02/06/2009, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-118 DIVULG 25-06-2009 PUBLIC 26-06-2009 EMENT VOL-02366-03 PP-00592)(grifos nossos)

MEDIDA DE SEGURANÇA - PROJEÇÃO NO TEMPO - LIMITE. A interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos. (STF - HC: 84219 SP , Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 16/08/2005, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 23-09-2005 PP-00016 EMENT VOL-02206-02 PP-00285)(grifos nossos)

Ademais, o STJ entende que a medida de segurança não pode ultrapassar a pena máxima prevista abstratamente no tipo:

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. (1) IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) EXECUÇÃO. MEDIDA DE SEGURANÇA. indulto. INDEFERIMENTO DA BENESSE. REQUISITOS NÃO ESTABELECIDOS NO DECRETO PRESIDENCIAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. (3) LIMITE DE DURAÇÃO DA MEDIDA. PENA MÁXIMA COMINADA IN ABSTRATO AO DELITO COMETIDO. ILEGALIDADE MANIFESTA. (4) WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso especial. 2. Fere o princípio da legalidade, bem como o princípio da separação de poderes, fundamentar a vedação do indulto em requisitos não previstos no decreto presidencial, visto que a criação dos pressupostos para a concessão do benefício é da competência privativa do Presidente da República. 3. O limite máximo de duração de uma medida de segurança deve ser o máximo da pena abstratamente cominada ao delito cometido. 4. Writ não conhecido. Ordem concedida de ofício para declarar extinta a medida de segurança aplicada em desfavor do paciente, em razão de seu integral cumprimento.(STJ - HC: 263655 SP 2013/0011527-5, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 04/02/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/02/2014)(grifos nossos)

Tal interpretação se funda nas semelhanças existentes entre a medida de segurança e a pena privativa de liberdade, já que ambas estão sujeitas ao princípio da reserva legal e a todos os princípios fundamentais e constitucionais aplicáveis à pena. A medida de segurança e a pena privativa de liberdade constituem duas formas semelhantes de controle social e, substancialmente, não apresentam diferenças dignas de nota. Destarte, como bem assevera Bitencourt

não se pode ignorar que a Constituição de 1988 consagra, como uma de suas cláusulas pétreas, a proibição de prisão perpétua; e, como pena e medida de segurança não se distinguem ontologicamente, é lícito sustentar que essa previsão legal – vigência por prazo indeterminado da medida de segurança – não foi recepcionada pelo atual texto constitucional.[86]

Nesse diapasão, perlustre-se a consideração de Mirabete:

com fundamento nos princípios da legalidade, da proporcionalidade, da igualdade, da intervenção mínima, e de humanidade, tem-se pregado a limitação máxima de duração da medida de segurança. Porque a indeterminação do prazo da medida de segurança pode ensejar violação à garantia constitucional que proíbe penas de caráter perpétuo (art. 5º, XLVII, da CF), a ela deve ser estendido o limite fixado no art. 75 do CP, que fixa em 30 anos o tempo máximo de cumprimento da pena privativa de liberdade.[87]

Nessa senda, posto isto, uma boa solução seria reconhecer que, para as medidas de segurança, o limite máximo da pena correspondente ao crime cometido, ou a que foi substituída, em razão da culpabilidade diminuída. Se, no primeiro caso, continuar a doença mental da pessoa submetida à medida, a solução é comunicar a situação ao juiz do cível ou ao Ministério Público, para que se proceda conforme o art. 1.769 do Código Civil em vigor e se efetive a internação nas condições do art. 1.777 desse Código.[88]

Assim, para os paladinos da não limitação do instituto da medida de segurança, provável e lamentavelmente imbuídos da concepção de um direito penal de cunho totalizante, punitivista, vale a crítica: “o próprio direito penal passa por uma crise. Depois de séculos de aplicação, não se pode afirmar com segurança que ele seja uma técnica eficaz de aumento do nível de segurança social. Os índices de criminalidade crescem, ao lado do crescimento do número de cadeias.” [89] Outrossim, a des-temporalização no âmbito do Direito condena nossa “comunidade de cegos” a um crescimento exponencial da violência, porquanto a angústia aumenta e nenhuma alternativa é tentada para além do binômio identificação do estranho – contenção ou aniquilação. O apelo de urgência formulado pela sociedade impede o reparar, não dá tempo. E o populismo punitivo encampa tal apelo, como forma de tomar ou preservar espaços na relação vertical de poder.[90]

Ou, nas precisas palavras de Pedro Pimentel:

É bastante conhecida a feliz comparação: pretender preparar um homem preso para viver em liberdade é o mesmo que pretender preparar um corredor para uma corrida de mil metros fazendo-o ficar na cama durante todo o mês que precede a corrida. Ao invés de se preparar o interno para a vida de homem livre e consciente, como diz Augusto Thompsom, muda-se o objetivo da readaptação: em lugar da adaptação do interno para a vida em sociedade, coloca-se a sua adaptação à vida carcerária. “Se o preso demonstra um comportamento adequado aos padrões da prisão, automaticamente merece ser considerado como readaptado à vida livre.”[91]

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Eduardo Almeida Pellerin da Silva

1. Formação acadêmica: graduação em Direito pela Faculdade de Direito do Recife (FDR)/Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) (2016) e especialização em Processo Civil pela Faculdade Damásio (2018); 2. Atuação profissional: advogado proprietário do escritório Eduardo Pellerin Advocacia e Consultoria, o qual atuou com advocacia estratégica e consultiva, em Direito Civil, Consumidor e Administrativo (2020-2021), advocacia estratégica e consultiva, em Direito Civil, Administrativo e Processo Civil para Pequeno e Beltrão Advogados (2020-2021), assistente de Desembargador e servidor público federal do TRT6 (2021), assistente de Juíza e analista judiciário do TRT2 (2022-atual); 3. Concursos: aprovado em vários, com destaque para o TRF5, TRT6, TRT1, TRT2 e TRT15; 4. Pesquisa e produção: autor do livro "O ativismo judicial entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade: a racionalidade da melhor decisão judicial de controle de políticas públicas diante da ineficiência estatal na concretização de direitos fundamentais", pesquisador bolsista do PIBIC UFPE/CNPq - no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), linha de pesquisa: "A metafísica da doutrina do Direito em Kant: moral, ética e Direito" (2015-2016), publicou capítulo de livro, doze artigos científicos, em revistas jurídicas especializadas, jornais, anais de eventos e apresentou artigos, em congressos científicos; 5. Ensino: foi monitor das cadeiras de Introdução ao Estudo do Direito I, Direito das Coisas e Processo de Execução; 6. Extensão: Serviço de Apoio Jurídico-Universitário (SAJU) e Pesquisa-Ação em Direito (PAD): As relações entre a ficção jurídica e a ficção literária; 7. Formação complementar: fez vários cursos em Direito, Ciência Política, Português e Oratória; 8. Congressos: participou de mais de uma dezena. Currículo: http://lattes.cnpq.br/9336960491802994

João Danton Bazilio da Silva

Graduando em Direito pela Faculdade Marista - FMR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Eduardo Almeida Pellerin ; SILVA, João Danton Bazilio. O Direito Penal e a problemática da medida de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4230, 30 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35836. Acesso em: 18 abr. 2024.

Mais informações

Artigo originalmente publicado na Revista Duc in Altum – Caderno de Direito-, VOL. 6, NO 9 (2014), a qual é editada pelo Centro de Investigação em Perspectivas de Historicidade do Direito no Estado – CIHJur. A presente versão sofreu algumas pequenas mudanças e acréscimos.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos