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“Barroso versus Tiririca”.

Uma breve reflexão sobre as delicadas tensões entre o “guardião da Constituição” e o “representante do povo”

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Apesar das “virtudes” do ministro Luís Roberto Barroso, quem representa a soberania popular é o deputado Tiririca, que se submeteu ao escrutínio eleitoral. O eleitorado pode substituir os seus “maus” representantes, mas nada pode em relação aos seus “maus” magistrados.

1. O título é provocativo, mas não é desrespeitoso. Utilizaremos como pano de fundo as figuras do eminente ministro Luís Roberto Barroso[1] e a do ilustre deputado federal Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca[2], para refletirmos sobre os papéis e as responsabilidades dos “guardiões da Constituição” (os ministros do STF), dos “representantes do povo” (os vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores e presidente), e sobre os princípios constitucionais da República, que tem nos profissionais do Direito os seus principais “sentinelas” (magistrados, advogados, promotores, procuradores e defensores) e da Democracia, que tem em qualquer um do povo e nos seus representantes os seus principais “vigias”.

2. As nossas hipóteses são as seguintes: a) os ministros do STF (e todos os magistrados brasileiros em geral) não são legítimos representantes do povo porque não se submetem ao escrutínio eleitoral; b) os magistrados brasileiros (inclusive os ministros do STF) não têm o direito de inovar positivamente o ordenamento jurídico, criando novos preceitos normativos; c) os ministros do STF (e todos os demais magistrados brasileiros) têm o direito de inovar negativamente o ordenamento jurídico, com a decretação de inconstitucionalidade ou de ilegalidade dos preceitos normativos; d) os magistrados brasileiros têm o direito de viabilizar a concretização de direitos que estejam assegurados no texto da Constituição ou nas leis, mas que não estejam sendo exercidos ante a injustificável omissão dos legisladores ou dos administradores; e) os magistrados brasileiros não têm o direito de violar o princípio constitucional da estrita legalidade normativa.

3. Em nossa perspectiva, malgrado o indiscutível cabedal de conhecimentos jurídico-políticos do ministro Barroso e as boas e justas intenções de Sua Excelência, a sua missão institucional como “guardião da Constituição” não consiste em ser o “motor da história”. A rigor, em nossa perspectiva, a função precípua dos magistrados (e o ministro Barroso é um magistrado) consiste em ser o “freio” contra os excessos normativos cometidos pelos verdadeiros “motores da história”, no caso, os indivíduos ou os seus legítimos, porque eleitos, representantes.

4. Para nós, apesar de todos os vícios e disfuncionalidades do nosso sistema político, o “motor da história” é o indivíduo, a comunidade, o povo, e de modo mais específico, os seus legítimos representantes, porque eleitos, como sucede com o deputado federal Tiririca. Ou seja, conquanto o deputado federal Tiririca não possua o cabedal de conhecimentos jurídico-políticos do ministro Barroso, ele se submeteu a um processo eleitoral e, de acordo com as “regras do jogo”, foi ungido parlamentar federal.

5. Mas, como assinalamos, o nosso sistema político é disfuncional, e necessita urgentemente ser modificado. Tenha-se, por exemplo, o modelo de eleição dos deputados federais. Segundo o art. 45, CF, os deputados federais deverão ser eleitos pelo sistema proporcional. Os partidos políticos podem se coligar nas eleições proporcionais. O que isso tem resultado na prática? Que não há identidade representativa entre o eleito e o eleitor, e que se pode votar em um determinado candidato e, graças ao seu voto, se “elege” outro candidato que talvez o eleitor não quisesse eleger. Solução? A nossa proposta: o modelo distrital puro, no qual cada distrito eleitoral elege um representante; assim os partidos indicariam apenas um candidato por distrito e haveria a identidade representativa territorial, bem como haveria “oposição” ao deputado vencedor/eleito. Outra proposta menos danosa: as vagas dos deputados serão preenchidas de acordo com as respectivas votações; se forem 70 vagas, como sucede com São Paulo, serão eleitos os 70 mais votados. O atual modelo é o pior de todos. Deve ser modificado.

6. Diante da anomia dos representantes políticos, o Supremo Tribunal Federal tem ocupado um espaço privilegiado nos últimos anos. Diante do “vácuo” normativo deixado pelo Congresso Nacional e da ausência de liderança política forte, o STF tem atuado além dos seus limites constitucionais, violando a dignidade do Parlamento.

7. Os Parlamentos (Congresso Nacional, Assembleias Estaduais e Câmaras de Vereadores), apesar dos pesares, são a “caixa de ressonância” da sociedade, pois neles estão presentes, porque eleitos, os representantes do eleitorado, como ele é. O Parlamento não é uma “Casa de Virtuosos”, mas é um espaço de convivência de múltiplos interesses e conveniências, que reflete de modo mais fiel aquilo que de fato é a sociedade, diferentemente do que ocorre com os tribunais, e com o Supremo Tribunal Federal em particular.

8. Com efeito, o STF há de ser, por expressa determinação constitucional, uma “Casa de Virtuosos”, de pessoas honradas, decentes, insuspeitas e que possuam um admirável e respeitável conhecimento jurídico. Não é qualquer brasileiro que pode vir a ser magistrado do Tribunal, apenas aqueles que preencham os angustos requisitos constitucionais (art. 101, CF). Mas, qualquer um pode vir a ser parlamentar, basta ser eleito. A Constituição não exige que o parlamentar seja alguém de “notável conhecimento ou de reputação ilibada”, exige que seja eleito pelo povo-eleitor. E de tempos em tempos (8 anos para Senador, 4 anos para os demais cargos eletivos), esse parlamentar deve se submeter a um novo escrutínio, a uma nova “sabatina” popular. Ministro do STF, depois de empossado e até a sua aposentadoria, não é escrutinado nem sabatinado por ninguém, ou seja, ele não presta contas nem dá satisfações. O máximo que se exige dele é que fundamente as suas manifestações. Essa é a satisfação que um magistrado dá a sociedade: a justificação de suas decisões.

9. Diante desse quadro normativo e das práticas político-sociais, a tensão político-normativa se instala sempre que o STF se vê na contingência de decretar a inconstitucionalidade ou ilegalidade de um ato legislativo ou administrativo. Em que situações deve o STF invalidar um ato normativo governamental? Sempre que esse ato estiver em conflito “chapado” com o texto normativo da Constituição. Na dúvida, o ato governamental (legislativo ou administrativo) deve ser preservado. Somente se houver flagrante violação do texto da Constituição deve o STF decretar a invalidade desse ato normativo.

10. E a defesa dos direitos fundamentais das minorias (qualitativas ou quantitativas)? Se houver direitos violados, deve o STF protegê-los. Mas a proteção há de ser aos direitos fundamentais, e não aos interesses, desejos ou sonhos das minorias.

11. Com efeito, segundo o art. 5º, inciso XXXV, CF, a lesão ou a ameaça aos DIREITOS é que deve ser apreciada pelo Poder Judiciário. O que não for direito (aquilo que se é obrigado a fazer ou a se deixar de fazer em virtude de LEI, art. 5º, II, CF, ou as expectativas normativas decorrentes das práticas socialmente aceitáveis e tidas como obrigatórias ou vinculantes) não deve ser submetido ao crivo dos magistrados. Logo, nos Tribunais se defendem os direitos, mas não os interesses ou os desejos ou sonhos das pessoas, mas aquilo que está plasmado no ordenamento jurídico.

12. Os interesses ou desejos ou sonhos das pessoas devem ser juridicizados nos Parlamentos. O Parlamento consiste no espaço de criação dos direitos. Nos Tribunais se defendem os direitos criados pelos parlamentares. E aqui surge a figura do deputado Tiririca. Quem tem interesses ou desejos ou sonhos que necessitam de ser normatizados não deve provocar o ministro Barroso, mas deve procurar o deputado Tiririca, pois este é o representante do povo, e tem sua legitimidade fundada no princípio constitucional da soberania popular (art. 1º, parágrafo único, CF).

13. Essa nossa perspectiva vai de encontro ao que se tem denominado de “ativismo judicial” à brasileira. É preciso que os magistrados brasileiros tenham cuidado e não transformem a sua atuação em “arbítrio judicial”, no sentido de impor a sua visão particular de mundo, independentemente dos preceitos inscritos no ordenamento jurídico, ou de “autismo judicial”, que vem a ser a tomada de decisões sem levar em consideração a complexa realidade social ou as dificuldades científico-tecnológicas ou a escassez de recursos econômicos. Os magistrados devem ser “consequencialistas”. Ou seja, devem julgar a partir do ordenamento jurídico sem desprezar as circunstâncias fáticas.

14. Um exemplo de decisão judicial “consequencialistas” ocorreu no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 9 (ADC 9) [3], que cuidou do regime tarifário especial da energia elétrica a partir do ano de 2001, diante da crise que se conseguiu evitar com aquelas medidas normativas. Naquela oportunidade, as medidas normativas eram necessárias para a proteção dos interesses e direitos de toda a coletividade.

15. Nem sempre, todavia, o Tribunal decide em plena conformidade com o ordenamento jurídico, e utiliza o “consequencialismo” contra o Direito. Exemplo de decisão dessa categoria ocorreu no julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 534[4] (ADI 534 – MC) que cuidou do bloqueio dos “cruzados” feito pelo governo Collor. A decisão governamental era violação chapada do texto da Constituição, mas o STF se esquivou de decretar a inconstitucionalidade daquele ato normativo.

16. Na mesma toada foi a decisão do Tribunal nos autos da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.458[5] (ADI 1.458 – MC) que cuidou da inconstitucionalidade real do valor do salário mínimo. O Tribunal reconheceu a insuficiência do valor do salário mínimo, que efetivamente o preceito do art. 7º, IV, CF, não estava sendo plenamente respeitado, mas não decretou a invalidade do salário mínimo, porque a sua decisão poderia “piorar” o que já era “ruim”.

17. Essas aludidas decisões do STF revelam que os problemas constitucionais nem sempre se esgotam na “mera” normatividade. Os magistrados devem considerar não apenas o todo normativo (o ordenamento jurídico como um todo, na dicção de Eros Grau), mas o todo da realidade, sob pena de tomar decisões que serão descumpridas pelos fatos ou pela natureza.

18. E o que o ministro Barroso (STF) e o deputado Tiririca (Parlamento) têm a ver com isso? Tudo. Os magistrados, por mais bem intencionados e por mais preparados intelectualmente que sejam, não são constitucionalmente qualificados para tomar decisões que dependem dos consensos (ou dissensos) políticos e das possibilidades sociais ou econômicas ou tecnológicas. Os magistrados são qualificados para decidir em conformidade com o ordenamento jurídico, sem desprezar, obviamente, os “fatores extrajurídicos”. Quem tem qualificação e legitimação para tomar as decisões, a partir dos “fatores extrajurídicos” são os parlamentares, são os políticos.

19. Ou seja, os interesses ou os desejos ou sonhos ou as utopias devem ser concretizadas mediante a luta política na arena adequada: Parlamento. O Judiciário é o espaço para se reivindicar direitos. E nessas oportunidades que, em vez de se ir para o Parlamento, se vai para o Judiciário, há um enfraquecimento da legitimidade democrática e um fortalecimento da aristocracia republicana. A Democracia se fortalece no Parlamento. Se a democracia cometer excessos, compete à República limitar-lhes.

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20. Nessa perspectiva, nada obstante as inquestionáveis “virtudes” cívicas e intelectuais do ministro Luís Roberto Barroso, digno “guardião republicano da Constituição”, quem efetivamente é o representante da soberania popular é o deputado federal Tiririca, pois foi ele quem se submeteu e se submete ao escrutínio eleitoral. O eleitorado pode substituir os seus “maus” representantes. Mas nada pode em relação aos seus “maus” magistrados. Daí que ao STF compete limitar os eventuais excessos cometidos pelos parlamentares, em nome da Democracia, e assim defender a Constituição e as leis da República. Talvez não seja o ideal, mas é o que temos.


Notas

[1] O ministro Luís Roberto Barroso possui notável saber jurídico e reputação ilibada. O seu vasto currículo pode ser acessado no seguinte endereço: http://lattes.cnpq.br/2430424576721113. Ou na página virtual do STF (www.stf.jus.br) ou em sua homepage (www.luisrobertobarroso.com.br).

[2] O deputado federal Tiririca não possui um currículo profissional e acadêmico tão invejável quanto o do ministro Barroso, mas foi eleito em 2010 com 1.353.820 de votos, e reeleito em 2014 com 1.016.796 votos, tudo em conformidade com o ordenamento jurídico brasileiro. O currículo do deputado Tiririca pode ser acessado em sua homepage: www.tiriricafantardigo.com.br. Ou na página virtual da Câmara dos Deputados: www.camara.gov.br.

[3]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 9. Tribunal Pleno. Relator originário ministro Néri da Silveira. Relatora do acórdão ministra Ellen Gracie. Brasília, 2001. Ementa do acórdão: AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA nº 2.152-2, DE 1º DE JUNHO DE 2001, E POSTERIORES REEDIÇÕES. ARTIGOS 14 A 18. GESTÃO DA CRISE DE ENERGIA ELÉTRICA. FIXAÇÃO DE METAS DE CONSUMO E DE UM REGIME ESPECIAL DE TARIFAÇÃO. 1. O valor arrecadado como tarifa especial ou sobretarifa imposta ao consumo de energia elétrica acima das metas estabelecidas pela Medida Provisória em exame será utilizado para custear despesas adicionais, decorrentes da implementação do próprio plano de racionamento, além de beneficiar os consumidores mais poupadores, que serão merecedores de bônus. Este acréscimo não descaracteriza a tarifa como tal, tratando-se de um mecanismo que permite a continuidade da prestação do serviço, com a captação de recursos que têm como destinatários os fornecedores/concessionários do serviço. Implementação, em momento de escassez da oferta de serviço, de política tarifária, por meio de regras com força de lei, conforme previsto no artigo 175, III da Constituição Federal. 2. Atendimento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, tendo em vista a preocupação com os direitos dos consumidores em geral, na adoção de medidas que permitam que todos continuem a utilizar-se, moderadamente, de uma energia que se apresenta incontestavelmente escassa. 3. Reconhecimento da necessidade de imposição de medidas como a suspensão do fornecimento de energia elétrica aos consumidores que se mostrarem insensíveis à necessidade do exercício da solidariedade social mínima, assegurada a notificação prévia (art. 14, § 4º, II) e a apreciação de casos excepcionais (art. 15, § 5º). 4. Ação declaratória de constitucionalidade cujo pedido se julga procedente.

[4]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.458 – Medida Cautelar. Tribunal Pleno. Relator ministro Celso de Mello. Brasília, 1996. Ementa do acórdão:

 ADIN - LEI N. 8.024/90 - PLANO COLLOR - BLOQUEIO DOS CRUZADOS - AUSÊNCIA DO PERICULUM IN MORA - LIMINAR INDEFERIDA. - O tardio ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade, quando já decorrido lapso temporal considerável desde a edição do ato normativo impugnado, desautoriza - não obstante o relevo jurídico da tese deduzida - o reconhecimento da situação configuradora do periculum in mora, o que inviabiliza a concessão da medida cautelar postulada. - Votos vencidos dos Ministros CELSO DE MELLO (Relator), PAULO BROSSARD e NÉRI DA SILVEIRA, que ordenavam a liberação imediata dos cruzados bloqueados, por entenderem que a salvaguarda do padrão monetário não justifica o desrespeito, pelo Estado, de princípios inscritos na Constituição da República: "O poder normativo reconhecido a União Federal para atuar, legislativamente, sobre a disciplina da moeda, quer para adaptar o volume dos meios de pagamento as reais necessidades da economia nacional, quer para regular o seu valor intrínseco, prevenindo ou corrigindo os surtos inflacionários ou deflacionários (...), quer para impedir situações de anormalidade e outros desequilíbrios oriundos de fenômenos conjunturais, não dispensa e nem exonera o Estado, na formulação e na execução de sua política economico-financeira, inclusive monetária, de observar e de respeitar os limites impostos pela Constituição" (Ministro CELSO DE MELLO, Relator).

[5]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 534 – Medida Cautelar. Tribunal Pleno. Relator ministro Celso de Mello. Brasília, 1996. Ementa do acórdão: DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. - O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná- los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. SALÁRIO MÍNIMO - SATISFAÇÃO DAS NECESSIDADES VITAIS BÁSICAS - GARANTIA DE PRESERVAÇÃO DE SEU PODER AQUISITIVO. - A cláusula constitucional inscrita no art. 7º, IV, da Carta Política - para além da proclamação da garantia social do salário mínimo - consubstancia verdadeira imposição legiferante, que, dirigida ao Poder Público, tem por finalidade vinculá-lo à efetivação de uma prestação positiva destinada (a) a satisfazer as necessidades essenciais do trabalhador e de sua família e (b) a preservar, mediante reajustes periódicos, o valor intrínseco dessa remuneração básica, conservando-lhe o poder aquisitivo. - O legislador constituinte brasileiro delineou, no preceito consubstanciado no art. 7º, IV, da Carta Política, um nítido programa social destinado a ser desenvolvido pelo Estado, mediante atividade legislativa vinculada. Ao dever de legislar imposto ao Poder Público - e de legislar com estrita observância dos parâmetros constitucionais de índole jurídico-social e de caráter econômico-financeiro (CF, art. 7º, IV) -, corresponde o direito público subjetivo do trabalhador a uma legislação que lhe assegure, efetivamente, as necessidades vitais básicas individuais e familiares e que lhe garanta a revisão periódica do valor salarial mínimo, em ordem a preservar, em caráter permanente, o poder aquisitivo desse piso remuneratório. SALÁRIO MÍNIMO - VALOR INSUFICIENTE - SITUAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PARCIAL. - A insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo, definido em importância que se revele incapaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família, configura um claro descumprimento, ainda que parcial, da Constituição da República, pois o legislador, em tal hipótese, longe de atuar como o sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração (CF, art. 7º, IV), estará realizando, de modo imperfeito, o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica. - A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. - As situações configuradoras de omissão inconstitucional - ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política, de que é destinatário - refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário. INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO - DESCABIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de proclamar incabível a medida liminar nos casos de ação direta de inconstitucionalidade por omissão (RTJ 133/569, Rel. Min. MARCO AURÉLIO; ADIn 267-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), eis que não se pode pretender que mero provimento cautelar antecipe efeitos positivos inalcançáveis pela própria decisão final emanada do STF. - A procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do estado de inércia do Poder Público, confere ao Supremo Tribunal Federal, unicamente, o poder de cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional. - Não assiste ao Supremo Tribunal Federal, contudo, em face dos próprios limites fixados pela Carta Política em tema de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º), a prerrogativa de expedir provimentos normativos com o objetivo de suprir a inatividade do órgão legislativo inadimplente.

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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

LUIS CARLOS é piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; orador da Turma "Sexagenária" - Prof. Antônio Martins Filho; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA, do Centro Universitário de Brasília - CEUB e do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; e "Lições de Direito Constitucional".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. “Barroso versus Tiririca”.: Uma breve reflexão sobre as delicadas tensões entre o “guardião da Constituição” e o “representante do povo”. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4227, 27 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35845. Acesso em: 22 dez. 2024.

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