A nova legislação, ao instituir prazo de carência para a pensão por morte, prevendo o mínimo de 24 contribuições mensais, cometeu uma inquestionável excrescência, dentre outras, ao deixar de estipular uma regra de transição.
Como se sabe, não há direito adquirido a regime jurídico. O STF, contudo, em diversas manifestações, já entendeu que uma mudança abrupta na legislação previdenciária deve atender aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Faz-se menção, por exemplo, ao benefício de aposentadoria por idade, cuja carência era de 60 contribuições antes da Lei n. 8.213/91 e passou a ser 180 contribuições mensais. Ante a mudança substancial no prazo de carência e para não penalizar sobremaneira quem já estava inscrito no Regime Geral de Previdência Social – RGPS antes da mudança normativa, o art. 142 do citado diploma legislativo previu uma tabela progressiva de carência.
O mesmo deveria ter sido processado em relação à mudança perpetrada pela MP n. 664/2014, eis que é injusto exigir carência de 24 contribuições para pessoas que já estavam contribuindo para o RGPS e hipoteticamente poderão falecer antes de completar o novo requisito.
A mudança ofende, portanto, os postulados da proporcionalidade e da segurança jurídica, pois o escopo precípuo do regime previdenciário é exatamente amparar os previdentes que se planejam para ter o devido amparo garantido pelo regime de caráter contributivo. O correto, portanto, seria estabelecer uma carência diferenciada para quem já estava contribuindo para o INSS e tinha ciência (ainda que presumida) acerca da inexigibilidade do requisito da carência de acordo com a regra anterior.
A inexistência de uma regra de transição, sobretudo em se tratando de um benefício previdenciário cujo fato gerador é totalmente imponderável, acaba por mitigar a confiança dos segurados nos regimes previdenciários brasileiros. Aliás, tal alteração também vai ser aplicada, a partir de primeiro de março de 2015, para os servidores públicos federais, cujo regime previdenciário não contemplava carência para qualquer benefício de risco. A alteração é substancial e mereceria uma regra de transição proporcional.
As impropriedades não param por aí. Como é possível admitir que a carência para o auxílio-doença e aposentadoria por invalidez seja de 12 contribuições mensais enquanto para a pensão por morte é de 24 contribuições mensais?
O maior grau de imprevisibilidade do evento morte recomenda uma carência menor em relação ao risco da incapacidade laborativa em atenção ao postulado da razoabilidade.
Poder-se-ia argumentar que a exigência dessa carência maior da pensão por morte em relação ao auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez visa a atender ao princípio do equilíbrio financeiro. Essa assertiva, contudo, é falaciosa, sobretudo considerando que, segundo o Boletim Estatístico do Ministério da Previdência Social de novembro de 2014, o INSS mantém pensões por morte (de todas as modalidades) no valor de pouco mais de 36 milhões de reais, enquanto os auxílios-doença consomem mais de 190 milhões reais de recursos e aposentadoria por invalidez supera o valor de 14 milhões de reais.
O Ministro Gilmar Mendes do STF, ao apreciar as mudanças introduzidas nos regimes próprios de previdência social, por ocasião do julgamento da ADI n. 3.104/DF, ressaltou a importância de preservação da expectativa de direito no âmbito do Direito Previdenciário em consonância com o princípio da proporcionalidade, destacando a importância das regras de transição:
“Ora, será que não sabemos responder a isso? Claro que sabemos. Temos aqui, no próprio Plenário, consagrado a segurança jurídica como expressão do Estado de Direito. Em alguns sistemas jurídicos é muito comum dizer-se: esta norma é válida, porém, ela tem que ter uma cláusula de transição, porque senão desrespeita de forma arbitrária situações jurídicas que estavam em fieira, estavam se constituindo. Claro, vamos precisar de um conceito de razoabilidade e proporcionalidade.
(....) em se tratando da chamada não-existência do direito adquirido a um dado regime jurídico, podemos ter abusos notórios. Em regime de aposentadoria, é muito fácil imaginar. O indivíduo que esteja a inaugurar sua vida funcional, se altera o regime jurídico, pouco se lhe dá. Isso não tem nenhum reflexo em nenhum aspecto do seu patrimônio afetivo.
Outra é a situação para aquele que está em fim de carreira e, eventualmente, esperando cumprir os últimos dias, quando se dá a mudança do regime, eventualmente, acrescentando mais dez anos.
Daí ter o Ministro Carlos Britto chamado a atenção para a necessidade quase que imperativa de cláusula de transição.”
Sempre destaco que o esforço de inclusão previdenciária está umbilicalmente atrelado à segurança jurídica, sendo notório o grande contingente de pessoas que poderiam contribuir para o INSS, ainda que não obrigadas a fazê-lo (na qualidade de segurados facultativos), ou aqueles que se encontram na informalidade. Tais mudanças abruptas introduzidas por Medidas Provisórias, sem qualquer debate democrático e sem previsão de regras de transição, acabam por fustigar o sentimento de confiabilidade que tanto o Ministério da Previdência Social tenta fomentar para albergar um maior número de brasileiros no Regime Geral de Previdência Social.