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O (neo)constitucionalismo e a possibilidade de superação enquanto negação do positivismo:

uma questão de paradigma

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04/02/2015 às 11:55
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IV.  Conclusão

Procurou-se ao longo deste trabalho, ao dirigir-se à tese (neo)constitucionalista a partir da perspectiva defendida por Streck, fazer uso dos “parênteses” adotados pelo próprio autor, uma vez se observar necessária a distinção entre a tese que Lenio Luiz Streck afirma e as demais interpretações sobre o neoconstitucionalismo. Observa-se que, também este termo, assim como pós-positivismo, comporta uma indeterminação na literatura jurídica, como bem denunciou Alexandre Travessoni (2004), ao passo que a grosso modo é atribuído como feição dos pensamentos desenvolvidos a partir do advento de um Estado Constitucional de Direito, em acompanhamento ao movimento histórico observado em meados do século XX, que elevou a Constituição à categoria de norteadora do ordenamento jurídico.

As novas formas de se interpretar, compreender e aplicar a Constituição; a atribuição de uma força normativa a esta, bem como aos princípios jurídicos nela arraigados; a expansão da jurisdição constitucional e a integração da prática da ponderação ao antigo formalismo da mera subsunção; a concretização do reconhecimento de uma conexão necessária entre direito e moral e, assim, a valoração de uma abordagem ética voltada à primazia da justiça, podem ser observados como denominadores que circundam as teses neoconstitucionalistas, bem como as teses pós-positivistas, uns mais e outros menos.

Há que se alertar, portanto, como bem faz o jurista brasileiro Daniel Sarmento, para a enorme dificuldade ou até mesmo impossibilidade de sua conceituação. Este supõe que tamanha dificuldade resulte do fato de que talvez “não exista um único neoconstitucionalismo, que corresponda a uma concepção teórica clara e coesa, mas diversas visões sobre o fenômeno jurídico na contemporaneidade, que guardam entre si alguns denominadores comuns relevantes, o que justifica que sejam agrupadas sob um mesmo rótulo, mas compromete a possibilidade de uma conceituação mais precisa” (2009, p. 114).

Assim como se mostrou residir no cerne do debate instalado, a partir das críticas opostas à teoria jurídica de Robert Alexy, o embate entre a adoção de distintos “paradigmas” jurídico-filosóficos e, – a partir da não adoção daquele a que se filiam Trindade, Streck e seus defensores, entendeu-se possível atribuir à teoria do jurista alemão a problemática de não conter um necessário aporte filosófico e, sendo assim, caracterizá-lo como um neopositivista –  vislumbra-se como implicação do “problema do paradigma” a necessidade de distinção da tese  (neo)constitucionalista de Streck das demais.

Dá-se uma tal necessidade, tendo em vista que, a partir de um aprofundamento na abordagem perquirida pelo autor, o que se observa é que, o que na contemporaneidade se atribui a categoria de teses neoconstitucionalistas, se não partirem de um paradigma filosófico de matriz hermenêutica (mais especificamente, heideggeriana e gadameriana), em nada mais se caracterizarão que como “positivismos corrigidos”, aos quais Streck tece suas severas objeções. Faltaria aos neoconstitucionalistas serem (neo)constitucionalistas, para que se visse afastado o problema da “baixa-compreensão” enquanto fenômeno da “resistência positivista”, chave da crise do direito no Brasil, e pudesse se realizar o projeto constitucional que Streck vislumbra a partir do aporte hermenêutico filosófico. Ao que parece, somente a partir deste paradigma dar-se-á uma possibilidade de superação enquanto negação do positivismo. Tais considerações nos levam ao menos a compreender o que seria a “crise paradigmática” à qual Streck há muito vem se referindo.

Interessante mostrar-se-ia uma análise que pretendesse investigar em “Verdade e Método” se o fechamento em um paradigma filosófico, ainda que de embasamento hermenêutico, não recairia na própria crítica da hermenêutica filosófica; bem como, se o fechamento para a consideração de qualquer procedimentalização da aplicação jurídica remontaria, necessariamente, em uma ruptura ontológica, posicionando o momento da argumentação tão somente no nível apofântico da linguagem (da “mera justificação” ou “racionalidade II”[8]), se se admite, a partir de Gadamer, que a compreensão (“racionalidade I”) é um acontecimento que precede a própria predicação[9]. Estas não são, porém, reflexões que este breve ensaio poderia comportar.


REFERÊNCIAS

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TRIVISONNO, Alexandre Travessoni Gomes; OLIVEIRA, Júlio Aguiar de. Trindade e Streck, seus defensores e a filosofia. Em: Consultor Jurídico. 26 abril 2014. Acessível em: <http://www.conjur.com.br/2014-abr-26/trindade-streck-defensores-filosofia-logica-ornamental?> Acesso em: 28 abril 2014.

_____. Uma teoria do direito sem filosofia?! Crítica às objeções de Trindade e Streck à teoria de Alexy. Em: Os Constitucionalistas. 15 abril 2014. Acessível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/uma-teoria-do-direito-sem-filosofia-critica-as-objecoes-de-trindade-e-streck-a-teoria-de-alexy> Acesso em: 16 abril 2014.


Notas

[1] TRIVISONNO, Alexandre Travessoni Gomes; OLIVEIRA, Júlio Aguiar de. Uma teoria do direito sem filosofia?! Crítica às objeções de Trindade e Streck à teoria de Alexy. Em: Os Constitucionalistas. 15 abril 2014; Trindade e Streck, seus defensores e a filosofia. Em: Consultor Jurídico. 26 abril 2014.

[2] OLIVEIRA, Rafael Tomaz de; ROSA, Alexandre Morais da. Alexy, seus defensores e a filosofia como lógica ornamental. Em: Consultor Jurídico. 19 abril 2014; MORAIS, Fausto Santos de. A hermenêutica e a insuficiência da teoria de Alexy. Em: Consultor Jurídico. 29 abril 2014.

[3] Expressão adotada no presente trabalho para diferenciação metodológica entre as distintos significados observados à temática da superação do positivismo.

[4] SILVA, Vírgilio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, v. 798, São Paulo, p. 23-50, 2002; Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. São Paulo, Del Rey, v. 1, p. 607-630, 2003.

[5] PERON, Flávio Quinaud. A ponderação de princípios pelo STF: balanço crítico. Revista CEJ, Brasília, Ano XII, n. 40, p. 20-30, jan./mar. 2008.

[6] SAPUCAI, Rafael Vieira Figueiredo. A aplicação da máxima da proporcionalidade no STF: um caso. Revista SJRJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 36, p. 193-204, abr. 2013.

[7] Vide §§ 31, 32, 33, 34 e 44 em Ser e Tempo de Martin Heidegger para aprofundamento no significado das categorias Seind (ente), Dasein (ser) e Ereignis (desvelamento).

[8] Referência à crítica à teoria da argumentação e à ponderação em Alexy, a partir da questão dos níveis de racionalidade como racionalidade I e II (Hilary Putnam), a partir da qual “mostrando que o nível II é estruturado e que tem uma relação de profundidade com o nível I, estruturante, Streck afirma que a teoria da argumentação e a própria fórmula da ponderação apresentam-se insuficientes do ponto de vista da interpretação do direito, porque permanecem apenas no nível de racionalidade II, não alcançando as questões estruturantes de profundidade hermenêutica, que o paradigma hermenêutico permite acessar” (OLIVEIRA; ROSA, 2014, p. 4).

[9] Vide para confirmação dessa interpretação Verdade e Método de Hans Georg Gadamer, Terceira Parte – A virada ontológica da hermenêutica como fio condutor da linguagem, Subitem 3 – A linguagem como horizonte de uma ontologia hermenêutica.

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Sobre a autora
Vanessa Nunes Kaut

Mestranda em Teoria do Direito no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais . Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG. Pesquisadora integrante do Núcleo de Estudos Constituição e Diversidade da Universidade Federal de Ouro Preto (Linha de Pesquisa: Constituição, reconhecimento e diversidade). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto. Professora e tradutora autônoma do idioma alemão. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KAUT, Vanessa Nunes. O (neo)constitucionalismo e a possibilidade de superação enquanto negação do positivismo:: uma questão de paradigma. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4235, 4 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36012. Acesso em: 21 nov. 2024.

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