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Delação premiada

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01/01/2003 às 00:00
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INTRODUÇÃO

O legislador, influenciado principalmente pela legislação italiana, criou uma causa de diminuição da pena para o associado ou partícipe que entregar seus companheiros, batizada pela doutrina de "delação premiada".

Lei n.º 8.072/90, art.8º, § único – O participante que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços).

Também aplicou a redução ao crime de extorsão mediante seqüestro, através da adição do § 4º ao art. 159 do Código Penal.

§ 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.

A delação premiada vem sendo severamente criticada. Sob o ponto de vista sócio-psicológico ela é considerada imoral ou, no mínimo, aética, pois estimula a traição, comportamento insuportável para os padrões morais modernos, seja dos homens de bem, seja dos mais vis criminosos.

Sob o aspecto jurídico, indiretamente rompe com o princípio da proporcionalidade da pena, já que se punirá com penas diferentes pessoas envolvidas no mesmo fato e com idênticos graus de culpabilidade.

Questiona-se ainda sua aplicabilidade, argüindo que a delação premiada se revela um instrumento inócuo, de rara aplicação. Qual o criminoso, em sua sã consciência, ainda que tentado pelos benefícios oferecidos, se sujeitará a carregar a pecha de alcagüete, de traidor, ciente de que no submundo – incluindo a prisão – receberá a morte pela delação?

Em termos práticos, não basta a mera delação para que o criminoso se beneficie, deve resultar a delação na efetiva libertação do seqüestrado, ou, nos casos de quadrilha, associação criminosa ou concurso de agentes, na prisão ou desmantelamento do grupo.


1. CONCEITO DE DELAÇÃO PREMIADA

No sistema penal codificado brasileiro, tendo como fundamento o "estímulo à verdade processual" (Exposição de Motivos da Lei n. 7.209/84), está prevista a "confissão espontânea" (CP, art. 65, III, "d") como circunstância atenuante.

Com a evolução dos tempos e aumento da criminalidade, cada vez mais sofisticada, aos poucos se foi introduzindo "delação premiada" como forma de estímulo à elucidação e punição de crimes praticados em concurso de agentes, de forma eventual ou organizada, como se vê em diversos textos, como § 4º, do art. 159, do Código Penal, com redação dadas pelas Leis ns. 8.072/90 e 9.269/96; § 2º, do art. 24, da Lei n. 7.492/86, acrescentado pela Lei n. 9.080/95; par. único do art. 16,da Lei n. 8.137/90, acrescentado pela Lei n. 9.080/95; art. 6º, da Lei n. 9.034/95 e § 5º, do art. 1º, da Lei n. 9.613/98).

No entanto, dificilmente se encontrava algum agente, ou mesmo vítima ou testemunha capaz de delatar na linguagem corrente, "esta palavra adquiriu conotação pejorativa, tomando o sentido de acusação feita a outrem, com traição da confiança recebida, em razão de função ou amizade" [1], porquanto não havia qualquer forma de garantia ou sistema de proteção da segurança do próprio delator ou de sua família, que ficava jogado à própria sorte; a doutrina reclamava a instituição de programa específico para proteção das vítimas e testemunhas, pois o "código do silêncio" revelou-se ser uma das principais dificuldades no combate à criminalidade, diante do temor das pessoas em testemunhar fatos delituosos presenciados ou dos quais tenham sido vítima ou deles participado [2].

As raras testemunhas que assim o fizeram, em crimes de repercussão, "geralmente eram levadas para conventos ou igrejas" enquanto outro, com ajuda da Anistia Internacional, foi retirado do país.

Com a publicação e vigência imediata da Lei n. 9.807, de 13.7.99, foram estabelecidas "normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas", instituiu-se "o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas" e dispôs-se "sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal" [3].

A lei está imbuída de nobre propósito, qual seja de proteger vítimas e testemunhas ameaçadas por sua colaboração na elucidação de fatos criminosos; de outro lado, todavia, representa falência do Estado no cumprimento de um de seus objetivos básicos (segurança pública), mormente quando pressionado pela opinião pública a dar respostas rápidas e eficazes no tratamento desta questão, na busca substituir os meios normais de investigação e suprindo o "déficit" estrutural investigatório do Estado, estimula a delação que é forma não ética de revelação da verdade, premiando-a em relação aos réus colaboradores, como já fizeram outros textos penais [4].

Conquanto tenha sido esperada como mais um elemento de apoio à apuração e punição de crimes, cada vez mais complexos e/ou violentos, a lei está direcionada às vítimas, testemunhas e réus colaboradores, silenciando sobre os agentes e servidores do aparato policial/judicial que eventualmente sejam coagidos ou sofram graves em virtude de suas atuações nas investigações ou processos criminais, não fosse a possibilidade de também figurarem como vítimas além das hipóteses mais comuns de serem as raras testemunhas.

Ao denominar "réus colaboradores" os acusados ou indiciados que tenham voluntariamente colaborado com a investigação e o processo criminal (art. 13), utiliza-se de eufemismo para evitar termos como ‘delator’ ou mesmo ‘traidor’, cabendo ressaltar, como enfatizou Damásio E. de Jesus ao referir-se à delação premiada na Lei 9.034/95, que não é pedagógica, porque ensina que trair traz benefícios; sendo eticamente reprovável (ou, no mínimo, muito discutível), deve ser restringida ao máximo possível.

Ao nada dispor sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) e comissões disciplinares, poder-se-ia entender que os programas teriam sido delimitados às investigações policiais (vide ementa da lei e seu art. 5º, III) e processos criminais; contudo, diante da amplitude da expressão solteira "investigação" contida no art. 1º, caput, tem-se que é possível estendê-la às investigações realizadas por estes órgãos não policiais, em face da natureza, finalidade e competência destes, uma vez preenchidos os demais requisitos da lei e se vislumbre apuração de crimes.

Quanto à espécie dos crimes, a lei não faz distinção entre aqueles de ação penal pública (condicionada ou não) ou privada, resultando em ser possível sua aplicação integral a qualquer deles, mesmo quando se tratar de crimes de ação penal exclusiva.

Especificamente em relação a vítimas e testemunhas a lei menciona "proteção especial" a ser prestada mediante programas especiais organizados com base em suas disposições (capítulo I – arts. 1 a 12); tal proteção tem-se revelado necessária pois, segundo dados fornecidos por ONG´s que já atuam nos Estados de Pernambuco, Bahia e Espírito Santo, a testemunha típica é homem, 18 anos, baixas escolaridade e rendas que, em 47% das vezes está denunciando crimes cometidos por policiais.

A proteção e as medidas decorrentes deverão ser consentidas e levar em conta a gravidade da coação ou da ameaça à integridade física ou psicológica, a dificuldade de preveni-las ou reprimi-las pelos meios convencionais e sua importância para a produção da prova, podendo ser estendidas ao cônjuge ou companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes que tenham convivência habitual com a vítima ou testemunha, excluindo-se expressamente os "indivíduos cuja personalidade ou conduta seja incompatível com as restrições de comportamento exigidos pelo programa, os condenados que estejam cumprindo pena e os indiciados ou acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades", sem prejuízo a eventual prestação de medidas de preservação da integridade física desses indivíduos por parte dos órgãos de segurança pública "(§ 2º, art. 2º).

A situação da testemunha que tenha sido condenada e cumpre pena restritiva de direito; se, por um lado resgata, a rigor, uma sanção penal, verifica–se, de outro, que o artigo também veda, expressamente, a proteção de condenados e indiciados que estejam sofrendo privação da liberdade por prisão cautelar sugerindo, com isso, que apenas busca evitar aplicação das medidas protetivas às pessoas que estejam privadas da liberdade, inclusive cautelarmente. Assim, a princípio, mesmo os condenados que foram beneficiados com a substituição da pena privativa de liberdade nos moldes previstos pela Lei n. 9.714/99, poderão ingressar nestes programas de proteção às testemunhas.

Em relação a vítimas e testemunhas com antecedentes criminais, a lei não obsta seu ingresso no programa, cabendo, contudo, ao representante do Ministério Público (art. 3º) a análise do comportamento e personalidade do agente (art. 2º, "caput"), requisitos que, em tese, poderão, conforme o caso concreto, impedir o acesso ao programa de proteção.

Por fim, não estando condenados, podem ingressar e obter a proteção do programa os indivíduos processados mas cujo processo esteja suspenso face do art. 89, da Lei n. 9.099/95, com o que se possibilita até que usuários de drogas (art. 16, da Lei n. 6.368/76) colaborem na identificação e prisão de narcotraficantes (art. 12, da mesma lei).

Assim, como forma de garantia de posterior validade como meio de prova, as interceptações telefônicas deverão ser previamente autorizadas pelo juiz competente, na forma da lei reguladora (n. 9.296/96).

A imposição de um teto para a ajuda financeira mensal deverá ser definida pelo conselho deliberativo (art. 7º, par. único), cujo valor deverá equilibrar dois aspectos contrários entre si: a) a manutenção do nível de vida do protegido; e b) verba existente para o programa.

A falta de tipos penais específicos não impede, contudo e diante do disposto no art. 12, do Código Penal, a responsabilização penal dos agentes públicos que porventura venham a violar e desrespeitar o sigilo, pois se sua manutenção é dever de ofício, incorrerão nas sanções penais respectivas já existentes no Código Penal, restringindo-se a discussão sobre qual dispositivo será aplicável, se o previsto no art. 325 (violação de sigilo profissional) ou, considerada a manutenção do sigilo como dever de ofício e dependendo da motivação que gerou o comportamento do funcionário, o art. 319 (prevaricação) ou art. 317, §1º (corrupção passiva qualificada).

Sobre a importância de tal proteção ao sigilo, bem assentou Luiz Flávio Borges D´Urso [5]:

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Ainda quanto aos dados pessoais, inclusive endereços e telefones das vítimas e testemunhas, nestes casos não devem constar dos autos, devendo ficar registrados, sob sigilo, em cartório judicial, lembrando da criminalização da conduta, indicada acima, para aquele que quebrar tal sigilo decretado, em face de inclusão do protegido ao programa.

Formalmente, como figurarão nos autos os depoimentos da vítima ou testemunha colaborador? Serão qualificados como anônimos? Haverá lesão aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório pela impossibilidade de identificação de seu acusador?

Claro que não haverá qualquer conflito, desde que seja observado o procedimento previsto na lei; o depoente será qualificado com o nome verdadeiro (inclusive no caso de mudança de identidade – não revelando esta) quando comparecer perante a autoridade, protegido com a medida que se tenha verificado lhe seja mais compatível para cumprir os objetivos da lei.

Além disto, os princípios constitucionais não são absolutos em si mesmos, devendo ser analisados em conjunto em uma interpretação que os harmonize (Canotilho). Assim, como exemplo, a inviolabilidade da liberdade garantida no caput do art. 5º, CF, não implica em deixar livres as pessoas para fazerem o que bem quiserem, pois a própria Constituição logo assegura que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (inciso II), prescrevendo, ainda, que poderá haver prisão em flagrante ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente (inciso LXI), assim como as penas privativas de liberdade (inciso XLVI, a) para fatos tipificados na lei penal como crime, desde que exista lei anterior que o defina (inciso XXXIX).

A lei tem como ponto distintivo das medidas de proteção em relação às testemunhas e vítimas dos réus colaboradores, a impossibilidade de anonimato dos últimos, deixando-o mais "desprotegidos" do que aqueles, ainda que sejam mantidos em dependências separada dos demais presos.

A este respeito cabe destacar os importantes comentários do juiz federal Élio Wanderley de Siqueira Filho [6] sobre a Lei n.9.034/95:

A delação é uma figura jurídica que, caso bem empregada, muito auxiliará na busca da verdade material acerca das infrações penais, devendo o legislador procurar disciplinar a adoção de tal expediente em outras hipóteses, além das acima consignadas. De qualquer maneira, deve-se reconhecer que, para que possa ser plenamente utilizada, é fundamental que se garanta a própria segurança do delator, já que, pela sua estrutura, em regra, as organizações criminosas conseguem, sem maiores obstáculos, eliminar os eventuais "traidores´´, praticando a "queima de arquivo´´. Nesta situação, caso detido o colaborador, tal eliminação seria ainda mais fácil, diante dos tentáculos que estas organizações mantêm no interior dos estabelecimentos prisionais. Aliás, na prática, tem-se constatado que uma das principais dificuldades em se combater a criminalidade reside no temor das pessoas que presenciaram os fatos delituosos em testemunhar. Talvez, caso se assegurasse o anonimato, a delação fosse viabilizada como um instrumento mais eficaz para a instrução criminal. Mas tanto a legislação antecedente como a Lei 9.034/95 nada trazem no sentido de se garantir dito anonimato. Eis um ponto a reclamar um disciplinamento detalhado, sob pena de se tornar letra morta a regra e sem conseqüências práticas positivas a modificação introduzida no ordenamento jurídico pátrio.


2. DELAÇÃO PREMIADA PARA OS RÉUS

Para os réus colaboradores, a lei prevê, no art. 13, que o juiz lhes poderá, de ofício ou a requerimento das partes (inclusive dos próprios réus), conceder perdão judicial com a conseqüente extinção da punibilidade, desde que, sendo primários, tenham efetiva e voluntariamente colaborado com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado" na identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; localização da vítima "com a sua integridade física preservada" e "recuperação total ou parcial do produto do crime.

Não há previsão sobre a cumulatividade dos resultados, pois bem pode ser que os demais co-autores já tenham sido identificados mas, em crimes com vítima desaparecida (seqüestro, etc...) esta não tenha ainda sido encontrada; ou, sem o desaparecimento de vítima pessoa física (casos de assalto a banco), se saibam os co-autores mas ainda não se recuperou total ou parcialmente o "produto do crime".

Não se pode entender como cumulativos os resultados a serem obtidos com a delação para premiá-la, sob pena de se criar, sem reserva legal, uma restrição não contida na lei e mesmo porque daí seria cabível apenas em caso de extorsão mediante seqüestro, ou roubo com restrição da liberdade da vítima.

A colaboração do réu deve ser voluntária, e não induzida. Mas, e se o réu não colaborou na fase policial e posteriormente, em juízo, auxilia na identificação dos demais co–autores ou partícipes com a localização da vítima e recuperação do produto do crime, será possível agraciá-lo com o perdão judicial?

Poderão surgir, em tese, três correntes de entendimento:

a) impossibilidade, pois sendo possível a colaboração e eventual "retribuição" legal na fase de investigação, o réu deverá colaborar espontaneamente desde o início, e, assim, a reticência na fase policial afastaria a voluntariedade da colaboração;

b) possibilidade, sendo válida a colaboração pois atingiu aos objetivos almejados previstos nos incisos I a III do art. 13, constituindo–se direito público subjetivo do réu diante da delação eficaz consumada;

c) moderada, sendo possível a aplicação dos benefícios legais se os co–autores ou partícipes foram identificados somente na fase judicial, em virtude da colaboração do réu, alcançando-se também os demais objetivos; ou já identificados, mas a vítima ainda não tenha sido localizada, assim como o produto do crime.

Quanto à vítima, importante destacar que a lei expressamente exige no inciso II, do art. 13, seja localizada com "sua integridade física preservada", para que o agente faça jus ao perdão judicial; caso contrário, se da colaboração voluntária resultar na "identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços" (art. 14).

Assim (e porque salvo interpretação contrária a lei não contém palavras inúteis), deve-se atentar para a pessoa da vítima com sua integridade física preservada (= perdão judicial), ou somente sua localização com vida, neste caso aliada à recuperação total ou parcial do produto do crime (= redução da pena de um a dois terços).

Todavia, surgirá um questionamento: lesões corporais leves permitem, ou não, a concessão do perdão judicial?

À luz do parágrafo único do art. 13, entendo que caberá ao prudente arbítrio do juiz, levando em conta as circunstâncias subjetivas no caso concreto (personalidade do agente e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do crime).

Ponto interessante é que a lei não exige a recuperação total do produto do crime podendo, eventualmente, o réu colaborador sigilosamente "guardar" parte deste (não se sabe em que percentual – pode ser mínima?) e, mesmo assim ser beneficiado tanto com a extinção de sua punibilidade, via perdão judicial, como com a diminuição especial da pena.

Em relação à repercussão social do crime, ter-se-á com circunstância legal de caráter duvidoso, cuja aplicação poderá determinar situações absurdamente injustas. Exemplificando, determinado réu, arrependido de participado de crime de extorsão mediante seqüestro, resolve "trair" seu grupo e colaborar com a investigação policial, auxiliando na localização da vítima, identificação dos co–autores e recuperação total do numerário já entregue à quadrilha, sujeitando–se, por tudo isto, à futura vingança. Todavia, entendendo existir repercussão social (leia–se: exploração noticiosa da mídia), o magistrado deixa de conceder o benefício do perdão judicial, quando não fosse a delação do agente nada teria sido alcançado. É situação subjetiva a ser bem analisada.

Ao réu colaborador que não seja agraciado com o perdão judicial (art. 13), mas com a pena reduzida pela causa de especial prevista no art. 14, deverá cumpri-la no regime determinado na sentença; assim, provavelmente estará à mercê de seus ex–comparsas, mesmo que a lei determine seja custodiado em local separado dos demais presos, medida que o princípio da razoabilidade e as máximas de experiência ditadas pelo que normalmente ocorre indicam que poderá ser inviável ou, então, insuficiente e ineficaz.

Tanto o perdão judicial (art. 13), como a causa de especial redução da pena (par. único, art. 14), constitui-se, claramente, em institutos benéficos advindos com lei posterior, aplicáveis aos fatos anteriores à vigência da lei, ainda que já decididos por sentença condenatória transitada em julgado (CP, par. único do art. 2º) [7].

Por fim, não sendo necessária efetividade à colaboração, verifica–se que a hipótese prevista no art. 14 da Lei n. 9.807/99 trata, em verdade, de confissão espontânea com a denominada chamada do co–réu, que, aliada à localização da vítima com vida e recuperação total ou parcial do produto do crime transmuda-se em causa de especial redução da pena.

2.1. Da Proteção aos Réus Colaboradores

A Lei protege o co-réu ou partícipe de forma diferente da vítima e da testemunha. Como já se disse, o programa de proteção só existe para as vítimas e as testemunhas, mas não para os co-autores e partícipes dos crimes que estão sendo investigados.

Não há inclusão em programa, com todas as conseqüências, mas sim algumas medidas especiais de segurança e proteção da sua integridade física (a Lei não fala em proteção da integridade psicológica do co-réu ou partícipe), mas somente se houver ameaça ou coação eventual ou efetiva à sua pessoa. As medidas principais serão: a) estando em prisão cautelar, deverá ficar em dependência separada dos demais presos; b) estando cumprindo pena em regime fechado, o juiz criminal determinará medidas especiais para a segurança.

Como é público e notório, as nossas penitenciárias, cadeias públicas, colônias agrícolas, industriais ou similares, casa do albergado, centro de observação, hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e cadeias públicas, quando existem realmente, estão em condições animalescas, sem nenhuma atenção séria, de modo geral, do Poder Executivo, havendo inúmeras fugas e crimes cometidos pelos fugitivos ou por aqueles que conseguiram a progressão de regime ou estão em liberdade condicional. Assim, seria até ilusão pensar em tratamento diferenciado a presos em Cadeias Públicas ou em Penitenciárias, como lembra o art. 15 da lei em análise.

A falta de estrutura, obviamente, impedirá a realização da intenção da Lei, o que é uma lástima, mas com a previsão legal, os operadores jurídicos, com criatividade e até com muita sabedoria, saberão manter afastados os colaboradores dos demais presos (certamente taxados de "traidores", o que para o "Código Penal Informal" dos presos merece até a morte), até mesmo porque interessará à autoridade policial e à judicial a preservação do colaborador, para desvendar o crime.

A Lei estabeleceu normas penais materiais importantes, e que precisam ser bem compreendidas.

Antes de qualquer coisa, consideramos que, com a Lei 9.807/99, está superada a polêmica sobre a natureza jurídica da sentença que concede o perdão judicial. Como se sabe, existe ainda a polêmica, uns entendendo que se trata de condenação, mas sem aplicar a pena, com as conseqüências naturais de possibilidade de reincidência, custas processuais, lançamento do nome do réu no rol dos culpados e até na reparação dos danos (só não se aplicaria os efeitos principais: pena privativa de liberdade, restritiva de direitos e multa), já que o art. 120 do CP diz que só não se considera o perdão judicial para a reincidência; outros entendem que se trata de sentença absolutória, sem qualquer efeito secundário, pois trataria de sentença declaratória da extinção da punibilidade. A divergência maior está entre o STJ, que até já sumulou o assunto, no sentido da inexistência de efeitos secundários, e o STF que, com supedâneo também nos ensinamentos de Damásio Evangelista de Jesus, ainda mantém alguns posicionamentos no sentido da existência dos efeitos secundários da sentença concessiva do perdão judicial.

A Lei põe uma pá de cal na divergência, pois diz expressamente que o perdão judicial extingue a punibilidade, caracterizando que é uma declaração de extinção da punibilidade. Não subsiste, deste modo, qualquer efeito condenatório secundário.

Para o co-réu ou partícipe colaborador, a Lei concedeu duas benesses: o perdão judicial e a redução da pena de um terço a dois terços.

O perdão judicial só será concedido pelo juiz se o acusado for primário e tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa, a localização da vítima com a sua integridade física preservada e a recuperação total ou parcial do produto do crime (art. 13, "caput" e incisos I, II e III).

2.2. Primariedade

Primariedade não se confunde com bons antecedentes, é bom dizer. Primário é quem, apesar de estar sendo processado criminalmente, não tem qualquer sentença penal condenatória transitada em julgado contra si. Relaciona-se com a reincidência que, ao contrário, só existe quando transita em julgado a sentença penal condenatória. Pessoa com bons antecedentes é aquela que, além de inexistir indiciamento ou processamento, tem uma conduta social imaculada, cujo comportamento demonstre que sua responsabilidade, honestidade e comportamento são aceitos moralmente. Para receber o perdão judicial, não é preciso ter bons antecedentes, mas deve ter o co-autor personalidade adequada, além dos outros requisitos subjetivos adiante mencionados.

O legislador, intencionalmente, usou a expressão "voluntariamente", ao invés de "espontaneamente".

A diferença é fundamental. Quando alguém age sem coação física ou psicológica, mas incentivada, motivada por outras pessoas, está agindo voluntariamente.

Voluntário é antônimo de pressão. Se não há pressão ou coação física ou psicológica para alguém tomar alguma atitude, esta atitude será voluntária.

Diferentemente, só haverá ato espontâneo se não houver incitação ou qualquer motivação. A pessoa, por si, julga conveniente tomar a atitude, e toma, sem que ninguém a incite. Como segue a seguinte ementa [8]:

Direito Penal - Furto qualificado - Tentativa - Prisão em flagrante - Confissão espontânea - Pena. O fato de ser observado por vizinhos, quando se fazia presente no interior da residência, de onde subtrai os objetos que foram apreendidos em seu poder, ao empreender fuga, não afasta a tentativa de furto; não configura a atenuante da confissão espontânea, mas confissão voluntária, se a autoria do delito já era conhecida e de parte do acusado não houve arrependimento e intenção de auxiliar a justiça.

Por exemplo, comparação com o art. 15 e o art. 65, III, b, ambos do Código Penal, já que somente a procura espontânea para minorar as conseqüências do crime, e não voluntariamente, pode gerar a atenuante, do mesmo modo que a confissão espontânea, como foi visto (art. 65, III, "d", do CP, e até o legislador originário do CPP, no art. 318, protegeu a espontaneidade, e não a voluntariedade, mesmo não mais tendo eficácia tal dispositivo).

Assim, se o legislador tivesse usado a expressão "espontaneamente", o indiciado ou o acusado, conforme o caso, só seria beneficiado se ele mesmo tomasse a atitude de colaborar com a investigação, impedindo a incitação do delegado e do juiz para que o indiciado ou acusado colaborasse. Em muitos casos, o indiciado fica recalcitrante em colaborar, e com muito jeito o delegado consegue que o mesmo colabore.

Em muitos casos, o indiciado não sabe dos benefícios que terá se colaborar com a Polícia, e o delegado, sabendo, poderá incitar o mesmo pela análise das conseqüências práticas do que a Lei diz, como a possibilidade de não dever nada para a justiça, de falta de perseguição por parte da polícia, assim como possibilidade de não cumprimento de pena em regime fechado, se houver a redução, segurando ao mesmo, com fluidez de raciocínio, que os co-autores não conseguirão atentar contra a vida do mesmo porque ele terá a ajuda da Polícia na sua proteção, além das benesses naturais de manter contado com Policiais etc.

Enfim, o delegado usa da sua experiência e da sua própria autoridade para arrancar do co-réu dados importantes para o desbaratamento do fato delituoso. Nestes casos, se o legislador tivesse usado o termo "espontaneamente", seria uma lástima para tentar convencer o co-réu ou partícipe, pois os benefícios não seriam devidos.

Para o perdão judicial ser realmente concedido, necessário se faz uma colaboração efetiva. Isto quer dizer que de nada adiantará todo o esforço, a voluntariedade (e até a espontaneidade) do co-autor em ajudar na investigação, se esta colaboração não influenciar em nada na identificação dos demais co-autores ou partícipes, na recuperação total ou parcial do produto do crime e na localização da vítima com a sua integridade física preservada.

É que pode acontecer do co-indiciado ou co-réu que foi capturado dar informações à autoridade responsável pela investigação, mas desta informação não se consegue nem mesmo um vestígio do produto do crime, da própria vítima e dos demais participantes da ação criminosa. Como se trata de perdão judicial, foi bem a lei ao estipular requisitos sérios para a concessão do mesmo, pois somente quando houver um efetivo merecimento do co-réu ou co-indiciado tal benefício será realmente concedido.

2.3. Cumulatividade

Cabe indagar sobre a cumulatividade ou alternatividade dos incisos do art. 13.

Salvo impossibilidade de efetivação dos três requisitos, como o caso de homicídio onde não se fala em recuperação total ou parcial do produto do crime, necessário sempre que a colaboração do co-autor seja efetiva, voluntária, que ele seja primário e que desta colaboração tenha resultado a identificação dos demais participantes, a localização da vítima com sua integridade física preservada e a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Quando a lei fala que a vítima deverá ser localizada com sua integridade física preservada, nos parece que não quis ela vislumbrar uma vítima "sem qualquer arranhão". A intenção foi de recuperar a vítima que não tenha sofrido tortura, que não esteja correndo risco de vida, que não tenha sido machucada significativamente etc. Pode acontecer da vítima, em função de um cativeiro, no caso de seqüestro, sofra limitações físicas (desnutrição, infecção etc.) em função da falta de boa comida, ou de permanecer em local escuro ou conviver com insetos e/ou ratos.

Nestes casos, nos parece que o perdão judicial ainda será devido, caso haja realmente um merecimento do co-autor, em função de que sua colaboração foi decisiva para a localização da vítima. Talvez por isso mesmo a Lei não defende a integridade psicológica da vítima como pressuposto do perdão judicial, uma vez que o estado emocional, inevitavelmente, não será o mesmo e, assim, haveria um incentivo para que o co-autor não colaborasse, sabendo-se que não conseguiria localizar a vítima com sua integridade psicológica preservada.

Mesmo com tais requisitos objetivos, a Lei, também com acerto, estabeleceu requisitos subjetivos.

Dentro da visão de que a Justiça Penal é uma Justiça de casos concretos, deu ao julgador a possibilidade de não conceder o perdão judicial mesmo presente todos os requisitos subjetivos, substituindo pela redução da pena.

O parágrafo único do art. 13 exige que a personalidade do possível perdoado seja conducente a merecer o perdão judicial, assim como a natureza do crime, as circunstâncias que o envolvem, a sua gravidade e, também, a repercussão social do mesmo.

Com tais requisitos subjetivos, não cabem críticas no caso de crime contra o patrimônio, onde, em uma excogitação, vislumbra-se uma quadrilha roubando vários objetos de valores, ou uma quantia significativa de um banco e, capturado um dos co-autores, este, maliciosamente, indica onde está somente parte do produto do crime e ajuda na captura dos demais co-autores, vindo a receber o perdão judicial e, assim, livre para desfrutar da outra parte. É que, nestes casos, já que a Lei exige a presença de requisitos subjetivos, o juiz saberá, mediante informações do delegado, se realmente merece o perdão judicial.

Neste caso, a personalidade do co-autor impedirá o perdão judicial, merecendo somente a redução.

Também deste dispositivo retiram-se conclusões importantes.

Mesmo não podendo receber "perdão judicial" (caso não seja primário), o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente na investigação criminal, terá a pena reduzida.

Com o texto do artigo 14, parece bem claro que mesmo que não haja localização da vítima, identificação dos demais co-autores ou partícipes e nem se recupere total ou parcialmente o produto do crime, o indiciado ou o acusado que colaborar voluntariamente com a investigação será beneficiado com a redução de um a dois terços. Nem é necessário ser primário.

Isto porque no art. 14, em nenhum momento, há a exigência de que a colaboração seja "efetiva", e nem repete as expressões "desde que" utilizadas pelo art. 13 para haver o perdão judicial, e nem menção faz à primariedade, sendo proibida a interpretação contra a liberdade e contra maiores favores dado pela própria lei para se restringi-la (favorabilia amplianda, odiosa restringenda).

Portanto, para haver o perdão judicial, não é necessária apenas a colaboração. Para a extinção da punibilidade é preciso que realmente seja efetiva a colaboração e desde que tenha resultados significativos, além de merecimento pessoal diante dos requisitos subjetivos.

Para a redução da pena, é necessária apenas a colaboração voluntária do co-autor, e nem mesmo foi exigido requisitos subjetivos.

Como se vê, a Lei, neste caso, pecou, uma vez que, além de desproporcional, não fez maiores exigências, não colocou os mesmos requisitos subjetivos para o merecimento do perdão judicial e nem uma eventual necessidade de não reincidência. E foi desproporcional porque reduziu a pena do crime consumado na mesma quantidade como se fosse ele uma mera tentativa (parágrafo único do art. 14, CP) ou que tenha havido um arrependimento posterior (art. 16, "in fine"), mesmo havendo consumação e até violência ou grave ameaça.

Do jeito que está, e não havendo uma nova lei acrescentando outros requisitos, haverá agente beneficiado com tamanha redução sem ter colaborado espontaneamente, que não é primário, que a colaboração não tenha ajudado em nada na investigação e que a personalidade, as circunstâncias, a natureza, a gravidade e a repercussão do crime sejam desfavoráveis.

Não é justo, e pode até surgir argumentos de ordem constitucional, em função do princípio da isonomia e da proporcionalidade.

Não será difícil imaginar o constrangimento de autoridades tendo que reconhecer que houve a colaboração, mesmo sendo infrutíferos todos os gastos na investigação e com o co-autor ajudando. Também não raras vezes haverá um certo obstáculo por parte das autoridades policiais de dizerem que houve realmente a colaboração, e advogados requerendo que se reduza a termo a colaboração que será feita, para, assim, incidir a redução sem o perigo da negativa das autoridades que investigam o fato delituoso de que não houve colaboração.

Evidentemente que maior atenção exigirá das autoridades quando existirem indícios de que o co-autor, na verdade, está blefando em alguma informação. Poderá, claro, haver casos em que o participante indica local, nomes e indícios falsos, com a intenção predeterminada de alcançar a redução, sem, contudo, a vontade efetiva de colaborar.

Para autoridades experientes, talvez seja fácil saber da má-fé dos co-autores, mas será sempre necessária uma atenção especial, principalmente quando o co-autor já foi devidamente esclarecido pelo advogado no que tange às benesses da Lei.

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Sobre o autor
Marcelo de Freitas Gimenez

bacharel em Direito, pós-graduando em Direito Penal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GIMENEZ, Marcelo Freitas. Delação premiada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3620. Acesso em: 28 mar. 2024.

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