1 INTRODUÇÃO
Os adeptos da religião chamada Testemunha de Jeová (TJ), por concepções puramente religiosas se recusam a receber transfusão de sangue em procedimentos cirúrgicos de caráter eletivo e de urgência. Embasados em argumentos bíblicos, as testemunhas de Jeová, enfrentam vários problemas, o maior deles é o de ter sua vontade respeitada perante a comunidade médica e jurídica, que por sua vez, tendo por base o Código de ética médica e as legislações vigentes, se veem na obrigação de salvar vidas independente de convicções particulares e/ou religiosas.
O bem da vida resguardado pela Constituição Federal/88(CF/88) está sobresponsabilidade do médico e este se vê na obrigação de preservá-la. Os adeptos das Testemunhas de Jeová, por outro lado, querem que sua vontade seja respeitada argumentando ter direito de liberdade de culto e de expressão resguardados pela CF/88, bem como o princípio da dignidade humana.
Diante do conflito de princípios e direitos constitucionais, como o Direito deve resolver esta questão? Onde as Testemunhas de Jeová podem encontrar fundamentação para resguardar seus direitos no ordenamento jurídico e no Código de ética médica?
A sociedade tem se manifestado através de várias discussões a cerca desse tema procurando refletir sobre qual a melhor solução para resolver esta questão da transfusão de sangue em pacientes testemunhas de Jeová. A legislação existente ainda não resolveu esta lide, existem muitos conflitos de princípios e direitos a serem resguardados. Por serem minoria as Testemunhas de Jeová ainda sofrem preconceitos e discriminações.
O estudo busca identificar quais as normativas éticas médicas e quais as fundamentações no ordenamento jurídico que assegure aos Testemunhas de Jeová seu direito pretendido, bem como, destacar a participação da Bioética e da Hermenêutica Jurídica na resolução desse problema apresentado.
Trata-se de um artigo de revisão bibliográfica realizado no período de agosto a novembro de 2013. Realizou-se um corte epistemológico no ano de 2001, estendendo-se a busca até o ano de 2012. Buscaram-se dados nas bases de dados da Literatura Latino Americana em Ciências da Saúde (LILACS),
Scientific Eletronic Library Online (SciELO), O maior site jurídico brasileiro (JUS NAVIGANDI), Revista Bioética, Rede de informação legislativa e jurídica (LEXML), Jurisprudências, doutrinas jurídicas, pareceres jurídicos por meio dos descritores: transfusão de sangue, testemunhas de Jeová, recusa de transfusão de sangue, autonomia, bioética, hermenêutica jurídica, analogia, dignidade da pessoa humana.
A relevância desse trabalho manifesta-se na apresentação dos resultados para a comunidade acadêmica, uma vez que se encontra uma pequena amostra de artigos sobre o tema e pela ausência de leis e normas especificas que auxiliem na resolução desse conflito ético e moral. Contribui também para desmistificar o preconceito que muitas pessoas das diversas áreas, ainda possuem em relação a recusa das Testemunhas de Jeová em receber tratamento com sangue.
O interesse pelo tema foi despertado diante da propositura de uma atividade da disciplina Hermenêutica Jurídica, ministrada pela Prof. Especialista Dione Cardoso.
2 ORIGEM DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ
Para Martinez apud (SANTOS; DUARTE,2011) a comunidade religiosa conhecida por Testemunhas de Jeová iniciou suas atividades em 1870, em Alleghny, Pensilvânia, nos Estados Unidos da América, quando Charles Taze Russell publicou a revista A Sentinela, com o fim de expor suas idéias sobre o que considerava como verdade bíblica em contraste com erros doutrinários atribuídos a outras denominações religiosas. A partir desse movimento as pessoas que recebiam a revista começaram a reunir-se em grupos para estudo da Bíblia, tornando-se conhecidos por “Estudantes da Bíblia” e mais tarde por “Testemunhas de Jeová”.
Através de seu trabalho porta a porta obtiveram uma divulgação grandiosa e se espalharam pelo mundo inteiro. Fundamentados na interpretação de textos bíblicos os seguidores da comunidade de Testemunhas de Jeová não aceitam receber transfusão de sangue, nem mesmo em iminente risco de óbito.
Os fundamentos bíblicos pelo quais baseiam sua argumentação foram citados por Leiria(2009, p.1) em seu artigo. São eles transcritos da Bíblia:
Livros de Gênesis, 9:3-4: “3 Todo animal movente que está vivo pode servirvos de alimento. Como no caso da vegetação verde, deveras vos dou tudo. 4 Somente a carne com a sua alma – seu sangue – não deveis comer”; Levítico, 17:10 : "Quanto a qualquer homem da casa de Israel ou algum residente forasteiro que reside no vosso meio, que comer qualquer espécie de sangue, eu certamente porei minha face contra a alma que comer sangue, e deveras o deceparei dentre seu povo.”
E Atos 15:19-21: 19 Por isso, a minha decisão é não afligir a esses das nações, que se voltam para Deus, 20 mas escrever-lhes que se abstenham das coisas poluídas por ídolos, e da fornicação, e do estrangulado, e do sangue. 21 Pois, desde os tempos antigos, Moisés tem tido em cidade após cidade os que pregam, porque ele está sendo lido em voz alta nas sinagogas, cada sábado.
Por esta fundamentação e postura das Testemunhas de Jeová quanto a recusa da transfusão sanguínea, as comunidades médica e jurídica veem, através de várias reflexões e auxiliados pela Bioética, apresentando mudanças de postura diante de situações conflituosas como as referente a negativa das testemunhas de Jeová em receberem transfusão sanguínea mesmo diante de iminente perigo de morte.
3 TRANSFUSÃO DE SANGUE E INOVAÇÕES.
A transfusão sanguínea embora seja considerada como uma forma eficaz de salvar vidas, também apresenta perigo, já que é porta de entrada para transmissão de doenças e até mesmo pode levar a morte decorrente de transfusão entre tipos sanguíneos incompatíveis.
No entanto, esta postura de recusa das Testemunhas de Jeová frente a transfusão sanguínea trouxe pontos positivos para a humanidade, pois houve grande investimento científico para a descoberta de formas alternativas de procedimentos médicos que oferecessem segurança quando estivesse diante de situações que pusessem suas vidas em risco evitando a transfusão de sangue. Ao recusarem a transfusão sanguínea os Testemunhas de Jeová não comentem atitudes suicidas, pelo contrário, eles querem sim viver. Porém optam por tratamentos alternativos que não utilizem a transfusão sanguínea. Eles possuem médicos especializados em procedimentos alternativos e diante de situações de perigo de vida recorrem a estes profissionais para poderem ter seus direitos de escolha respeitados.
As Testemunhas de Jeová organizaram uma rede internacional, a "Comissões de Ligação com Hospitais" (COLIH), a qual atualmente trabalha com cerca de 100.000 médicos ao redor do globo em programas de desenvolvimento de tratamentos e técnicas cirúrgicas sem sangue (MARINI,2005).
O trabalho dos membros da COLIH apresenta-se principalmente pela divulgação e informação para os profissionais das áreas da saúde e jurídica sobre as técnicas alternativas existentes para a execução de tratamentos sem a utilização de transfusão sanguínea, por meio de vídeos, bem como pela divulgação de pareceres jurídicos que fundamentam seus direitos de recusa à transfusão de sangue.
Leiria (2009 p.3) em seu artigo “Transfusões de sangue contra a vontade de paciente da religião Testemunhas de Jeová” apresenta algumas alternativas médicas a transfusão de sangue desenvolvida durante os últimos trinta anos. São elas:
a) Dispositivos cirúrgicos para minimizar a perda sanguínea: eletrocautério/eletrocirurgia; cirurgia a laser; coagulador com raio de argônio.
b) Técnicas e dispositivo para controlar hemorragias: pressão direta; agentes hemostáticos; hipotensão controlada.
c) Técnicas cirúrgicas e anestésicas para limitar a perda sanguínea: hipotermia induzida; hemodiluição hipervolêmica, redução de fluxo sanguíneo para a pele; recuperação sanguínea intraoperatória.
d) Dispositivos e técnicas que limitam a perda sanguínea iatrogênica: oxímetro transcutâneo; uso de equipamento de microcoletagem.
e) expansores de volume: lactato de Ringer; solução salina hipertônica; colóide Dextran (LEIRIA, 2009, p.3).
Com estas técnicas, Leiria (2009, p.3) afirma que “[...] foram feitas, sem sangue: cirurgias de coração aberto; cirurgias ortopédicas e oncológicas; transplantes de fígado, rim, coração e pulmão; transplantes de células-tronco periféricas”.
Marine (2005,p.2) apresenta resultados de uma pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, que diz:
[...] a utilização indiscriminada de sangue e derivados continua sendo muito grande no Brasil, apesar dos enormes riscos inerentes a estas transfusões... foram revisados os prontuários [de 75] pacientes para se determinar a indicação de cada transfusão. Do total, apenas 25% tinha uma indicação precisa... Estes resultados mostram a necessidade de educação continuada em hemoterapia, a fim de se evitarem as transfusões desnecessárias.(MARINE, 2005 p.2)
Estes dados ilustram o quanto a informação é benéfica. Quantas vidas já foram salvas por meio dessas técnicas, que foram desenvolvidas através da necessidade das Testemunhas de Jeová. Desmistifica também, a posição que a transfusão de sangue é difundida como único recurso em casos de riscos extremos de vida. E que eles(Testemunhas de Jeová) tem sim opções a tratamentos alternativos, precisando para isso que o Estado reconheça seus direitos e invista nestas técnicas que beneficiarão não somente aos Testemunhas de Jeová, mas toda comunidade. Principalmente na questão de custos. Pois a estrutura que hoje suporta a transfusão sanguínea é muito mais cara que muitos dos equipamentos que auxiliam em tratamentos sem a utilização da transfusão. Até a recuperação do paciente é mais rápida, onerando e ocupando menos os hospitais. Evitando outras consequências como contaminações por bactérias e internações prolongadas
4 FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA FAVORÁVEL PARA A RECUSA DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ À TRANSFUSÃO SANGUÍNEA.
O ordenamento jurídico pátrio prevê em diversas passagens argumentos jurídico que embasam a postura tomada pelas Testemunhas de Jeová, desde dispositivos constitucionais, passando pelos princípios fundantes da Ciência do Direito até dispositivos do Código Civil, dentre eles pode-se destacar:
4.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
Quando a vida de um ser humano está em perigo, o profissional de saúde tem em sua formação acadêmica a orientação de tomar uma atitude com o objetivo e o dever de salvar a vida deste paciente. Porém, na atualidade, antes de executar qualquer medida radical, deve em primeiro lugar consultar a vontade do paciente. Isto é, informar ao paciente todos os riscos que o mesmo corre e quais os tratamentos adequados para a situação em que ele se encontra. Aguardando o consentimento livre e esclarecido do paciente. Todo esse cuidado é para que o mesmo tenha uma vida digna de acordo com seus valores e crenças. Com base neste pensamento encontra-se o primeiro argumento para a questão em análise, que está pautado no princípio da dignidade humana, previsto no art. 1, inciso III da Constituição Federal de 1988, como princípio fundamental. Este princípio é a origem de todos os direitos fundamentais. Considerado para a maioria dos doutrinadores e estudiosos, como princípio fundante.
Lopez apud (LEIRIA, 2009, p 11) analisou com muita propriedade esse ponto, sendo importante para nós sua transcrição:
Não há dignidade quando os valores morais e religiosos mais arraigados do espírito da pessoa lhe são desrespeitados, desprezados. A pergunta que se faz é a seguinte: adianta viver sem dignidade ou com a dignidade profundamente ultrajada? Se a própria pessoa prefere a morte é porque o morte de seu espírito, de sua moral.
O Direito quer proteger a vida humana à custa da dignidade da pessoa? Quer proteger a vida de um indivíduo mesmo que isto represente ferir profundamente a sua dignidade? A resposta certamente é negativa para o Direito Brasileiro, do que se infere do art.1º, III, da CF, caso contrário este artigo teria proclamado como fundamento do Estado Democrático de Direito a vida humana, e não a dignidade da pessoa humana, como fez.
No âmbito jurídico o bem da vida teve sua supremacia em tempos remotos, a garantia da vida biológica bastava. No entanto com a evolução dos tempos e do homem e principalmente sem as amarras do preconceito para com as minorias, fica evidente que ter uma vida sem que sejam considerados os valores morais, psicológicos, espirituais e de pensamento, contraria o próprio sentido de viver em sua plenitude. A condição humana está ligada diretamente a dignidade.
Morais apud (AZEVEDO, 2010 p.13) ao se posicionar através de um parecer consubstanciado para as Testemunha de Jeová quanto a esta questão da recusa sanguínea em procedimentos médicos, afirma que a dignidade humana:
[...] concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerentes às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
Após este esclarecimento, fica demonstrado que a autonomia e a liberdade integram a dignidade. Dessa forma, fica evidente que cada direito fundamental contém uma expressão da dignidade, ou seja, de autonomia e de liberdade.
Diante do exposto quando, porém estiver o médico e o jurista, com um impasse que conflita o bem da vida e o principio da dignidade humana, devem analisar cuidadosamente cada caso, levando principalmente em consideração o principio da dignidade humana. Pesquisas relatam que em casos em que a transfusão de sangue foi efetuada desrespeitando a vontade da testemunha de Jeová, este que foi transfundido, ficou a margem de sua comunidade religiosa, não mais sendo aceito na congregação. Restando para este ser humano uma vida biológica apenas, isolado de toda comunidade que antes convivia. Então, é primordial a análise de cada caso concreto, para que enquanto vida houver, que seja uma vida digna em respeito as suas crenças, preceitos morais, psicológicos e culturais. Ao serem internadas e optarem por tratamento médico que dispensa o uso de transfusão de sangue, a Testemunha de Jeová esta exercendo o direito à vida em plenitude. Busca cuidados médicos de qualidade evitando os perigos transfusionais, zela por sua autonomia e liberdade de escolha de tratamento médico tendo como principal motivação sua crença religiosa. Não gera conflitos de direitos fundamentais, entre o direito a vida e o direito à liberdade religiosa, pelo contrário, exercita o direito de utiliza-los com sua postura.
Ao exercitar seu livre arbítrio, participa integralmente com o médico no que diz respeito ao melhor tratamento para sua saúde, esta postura, traduz o
entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso que em 2006 autorizou que um paciente Testemunha de Jeová fosse transferido para outro Estado da Federação onde possuía tratamento alternativo, no qual o paciente poderia se submeter à cirurgia cardíaca sem uso de hemocomponentes.
TESTEMUNHA DE JEOVÁ – PROCEDIMENTO CIRÚRGICO COM POSSIBILIDADE DE TRANSFUSÃO DE SANGUE – EXISTÊNCIA DE TÉCNICA ALTERNATIVA – TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO – RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – DIREITO À SAÚDE – DEVER DO ESTADO – RESPEITO À LIBERDADE RELIGIOSA – PRINCÍPIO DA ISONOMIA – OBRIGAÇÃO DE FAZER – LIMINAR CONCEDIDA – RECURSO PROVIDO. (TJMT REc-AL 22395/2006 – Cuiabá, 5ª Camara Cível, Relator
Desembargador Leônidas Duarte Monteiro, j. em 31.05.2006).
Abaixo seguem transcritos alguns trechos dessa decisão:
Para delimitar o âmbito deste apelo, impõe-se esclarecer que não se está a debater ética médica ou confrontação entre o direito à saúde e a obrigação de o Estado proporcionar ao cidadão tratamento médico que não implique em esgarçamento à sua liberdade de crença religiosa.(...) O conflito não é entre direitos individuais do cidadão, mas entre o direito à liberdade religiosa e a obrigação e dever do Estado de garantir a saúde de todos, independente de crenças religiosas. O que importa-me bastante é a intransigência estatal em obrigar o recorrente a submeter-se a cirurgia que, pela técnica utilizada, ofenda os princípios religiosos dele.
(...) Se por motivos religiosos a transfusão de sangue apresenta-se como obstáculo intransponível à submissão do recorrente à cirurgia tradicional, deve o Estado disponibilizar recursos para que o procedimento se dê por meio de técnica que dispense-na, quando na unidade territorial não haja profissional credenciado a fazê-la (sic).
Azevedo (2010 p.14) ainda para fundamentar o princípio da dignidade humana utiliza o posicionamento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em um Agravo (nº191.519-6/001) julgado em 2007, em que cassou a antecipação de tutela que autorizava a transfusão de sangue em paciente adulto e capaz, com câncer. O Tribunal enfatizou que o direito à vida não se limita à parte biológica, devendo ser respeitada a autonomia do paciente. Segue trechos:
(...) o direito à vida não se exaure somente na mera existência biológica, sendo certo que a regra constitucional da dignidade da pessoa humana deve ser
ajustada ao aludido preceito fundamental para encontra-se conveniência que pacifique os interesses das partes. Resguardar o direito à vida implica, também, em preservar os valores morais, espirituais e psicológicos que se lhe agregam.
(...) É necessário, portanto que se encontre uma solução que sopese o direito à vida e a autodeterminação que, no caso em julgamento, abrange o direito do agravante de buscar a concretização de sua convicção religiosa, desde que se encontre em estado de lucidez que autorize concluir que sua recusa é legítima.
(sic).
Ainda sobre este Agravo, o parecerista, explica que não existe regra legal alguma que ordene à pessoa natural a obrigação de submeter-se a tratamento clinico de qualquer natureza; a opção de tratar-se com especialista objetivando a cura ou o controle de determinada doença é ato voluntário de quem dela é portador, sendo certo que, atualmente, o recorrente encontra-se em alta hospitalar e não há preceito normativo algum que obrigue a retornar ao tratamento quimioterápico se houver a perspectiva de ocorrer a transfusão sanguínea.
O referido parecerista esclarece que as Testemunhas de Jeová não se recusam a submeter a todo e qualquer outro tratamento clinico, desde que não envolva a aludida transfusão; portanto, quando se tratar de pessoa que tem condições de discernir os efeitos da sua conduta, é inaceitável obrigar alguém a receber transfusão, principalmente quando existem outras formas alternativas de tratamento clinico.
Nas decisões acima o Poder Judiciário não buscou qual direito era hierarquicamente superior na ordem jurídica ou qual teria mais valor, com a finalidade de um se sobrepor sobre o outro. O foco das decisões foi preservar a dignidade humana, considerando o direito a vida em sua inteireza, o direito de viver e a liberdade de escolha dos pacientes. Tendo a dignidade humana como um norte, dificilmente um direito fundamental será excluído.
Borges apud (AZEVEDO 2010 p.17) diz que:
Constatando a dignidade da pessoa humana de preceito constitucional, seu valor torna-se, explicitamente, um princípio, uma norma de dever ser, com caráter jurídico e vinculante, cuja carga axiológica tem caráter obrigatório e, por estar no topo do ordenamento jurídico como principio fundamental, vincula todas as esferas jurídicas, informando, em especial, os direitos de personalidade, salientando a necessidade de se fazer uma interpretação civilconstitucional das normas presentes no Código.
Dessa forma, fica evidente a importância do princípio da Dignidade da pessoa humana para fundamentar este posicionamento das Testemunhas de Jeová.
4.2 Liberdade de crença religiosa
Na história das constituições, a Constituição republicana, de 24 de janeiro de 1891, foi a primeira a consagrar no §3º de seu artigo 72, as liberdades de crença e de culto, garantindo a todos os cidadãos e de confissões religiosas o direito de exercer pública e livremente seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, nos moldes da legislação vigente do direito comum.
Esse mesmo entendimento serve de norte para as Constituições seguintes.
Na Constituição Federal de 1988, o capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos, estabelece, no inciso VI de seu artigo 5º., que é “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
Morais apud (AZEVEDO, 2010, p.18) assevera que a conquista constitucional da liberdade religiosa é verdadeira consagração de maturidade de um povo, pois, como salientado por Themístocles Brandão Cavalcanti, é ela verdadeiro desdobramento da liberdade de pensamento e manifestação. E acrescenta que a abrangência do preceito constitucional é ampla, pois, sendo a religião o complexo de princípios que dirigem os pensamentos, ações e adoração do homem para com Deus, acaba por compreender a crença, o dogma, a moral, a liturgia e o culto. O constrangimento à pessoa humana de forma a renunciar sua fé representa o desrespeito à diversidade democrática de ideias, filosofias e à própria diversidade espiritual.
As Testemunhas de Jeová ao escolherem receber tratamento médico sem sangue estão em harmonia com os progressos da medicina, tendo respaldo científico e se baseiam na liberdade religiosa. Esse posicionamento ganha especial relevância. Pois qualquer pessoa, por qualquer motivo e convicções pode escolher por um tratamento médico sem sangue. O respaldo religioso fortalece e amplia o direito estando ligado diretamente a liberdade de pensamento, `a própria condição humana e do direito a vida as quais formam as convicções mais íntimas de um ser humano. Neste aspecto a própria identidade pessoal é pautada nestes valores condicionando o modo de vida. Dessa forma, a Constituição garante ao ser humano o direito de conduzir a vida de acordo com seus preceitos frente a terceiros e ao Estado, inclusive professar uma determinada religião.
Para Faria apud (AZEVEDO, 2010, p.19) em se tratando de Testemunhas de Jeová, o que está em causa (e tenha-se em vista os bens jurídicos em jogo) não são meros desejos arbitrários, opiniões, vontades, de relevância discutível ao nível da personalidade do indivíduo, mas sim uma decisão responsável que contém a força de um credo, de uma convicção, absolutamente imperativa, e cujo desrespeito implica em sérias consequências em termos de personalidade individual.
Complementando este entendimento encontra-se na Constituição Federal de
1988, em seu art. 5º, inciso II que diz: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. As pessoas só são obrigadas a fazer algo em virtude da lei. E o art. 5º inciso VI, CF/88 – liberdade de consciência e de Crença. Nos dois incisos impera o princípio da legalidade. E na ausência de lei para a questão, as testemunhas de Jeová devem ter sua vontade respeitada.
Azevedo(2010), afirma em seu parecer que as Testemunhas de Jeová acreditam na medicina e desejam ser tratadas da melhor maneira possível e com toda a tecnologia disponível, desde que não se utilize de sangue. Da mesma forma, embora a crença religiosa e a consciência moral possam vir como motivadoras da decisão, ao recusar transfusão de sangue e optar por outro tratamento, estão na verdade, exercendo em primeiro plano seu direito constitucional à autonomia estribada na dignidade da pessoa humana. Não se trata, portanto, de mero exercício de culto às custas da Medicina, do médico ou do hospital, mas sim, exercício do direito de escolha, independente do motivo. Desrespeitar os desejos do paciente Testemunha de Jeová, que deseja viver e manter seu direito à vida por meio de tratamento sem hemotransfusão, aniquilará sua esfera mais intima da vida, e sua própria condição humana.
4.3 Direitos da personalidade
Tartuce (2012, p. 85) esclarece que o Código Civil de 2002, inovou por tratar dos direitos da personalidade entre os seus art. 11 a 21. Inovação bastante festejada. Ele destaca que essa proteção de direitos dessa natureza já se faziam presentes na Constituição Federal de 1988 não apresentando uma total novidade no sistema jurídico. A Constituição enumerou os direitos fundamentais postos à disposição da pessoa humana. Em suas palavras ele informa que:
Sabe-se que o Título II da Constituição de 1988, sob o título “Dos Direitos e
Garantias Fundamentais”, traça as prerrogativas para garantir uma convivência digna, com liberdade e com igualdade para todas as pessoas, sem distinção de raça, credo ou origem. Tais garantias são genéricas, mas também são essenciais ao ser humano, e sem elas a pessoa humana não pode atingir sua plenitude e, por vezes, sequer pode sobreviver.
Diniz apud (TARTUCE, 2012 p 86) define direitos da personalidade da seguinte forma:
São direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio, vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual ( liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária) e sua integridade moral (honra, recato, segredo pessoal, profissional e doméstico, imagem, identidade pessoal, familiar e social).
Azevedo (2010 p21) destaca os caracteres dos direitos da personalidade, com a finalidade de que seja possível sentir neles as conformações do direito de não ser constrangido ou submetido, com risco de morte, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. Para ele alguns autores:
[...] têm declinado esse caracteres, concluindo que os direitos da personalidade são, em princípio, direitos subjetivos privados, porque, respeitando às pessoas, como simples seres humanos, propõem-se a assegurar-lhes a satisfação do próprio ser, físico e espiritual; são direitos não patrimoniais, extrapatrimoniais, tipicamente pessoais, porque não visam a uma utilidade de ordem econômica e financeira; são direitos originários ou inatos, porque se adquirem, naturalmente, sem o concurso de formalidades externas; são direitos absolutos ou de exclusão, visto que são oponíveis erga omnes; são direitos intransmissíveis, pois que inerentes à pessoa do seu titular, que deles, assim, não pode dispor; são direitos irrenunciáveis, porque não podem ser desprezados ou destruídos, sendo, dessa fora, insuscetíveis de rejeição; e são direitos imprescritíveis, porque podem ser exercidos a qualquer tempo.
Com esta exposição de caracteres, fica evidente que as Testemunha de Jeová podem fundamentar sua recusa também no direito da personalidade. Onde a decisão de qual tratamento médico ela irá submeter-se, só caberá a própria pessoa decidir. Pois as consequências e riscos recairão exclusivamente nela.
Diante de casos de difícil solução e que seja recorrido ao judiciário, Tartuce (2012, p. 89) explica que deve ser utilizada a técnica da ponderação, onde os princípios e direitos fundamentais deverão ser sopesados no caso concreto pelo aplicador do Direito com a finalidade de se buscar a melhor solução. O autor afirma ainda que existe assim um juízo de razoabilidade de acordo com as circunstâncias do caso concreto. E que a técnica exige dos aplicadores do direito ampla formação, inclusive interdisciplinar, para que não conduza a situações absurdas.
Pelo exposto, fica nítido a necessidade de constantes atualizações por parte do aplicador do direito, bem como, dos profissionais da saúde. Afim de que, estando estes, atualizados, terão uma outra forma de olhar cada caso concreto. Interagindo com respeito, e compreensão junto a vontade do paciente Testemunha de Jeová.
4.4 Análise do artigo 15 do código civil brasileiro e a autonomia do paciente.
De acordo com o Código Civil Brasileiro, sem correspondência no Código Civil anterior, o artigo 15 diz que “ Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”.
Para Leiria (2009, p.7) essa inovadora disposição legal tem aparência protetora dos direitos individuais, devendo ser lida como „ninguém, nem com risco de vida, será constrangido a tratamento médico ou intervenção cirúrgica?. Com efeito, se o médico acreditar na necessidade urgente de uma transfusão de sangue, é porque o paciente estará correndo risco de vida, o que impõe que nenhum procedimento seja realizado sem o seu prévio consentimento; ou, olhando a questão de outro ângulo, refira-se que a própria transfusão de sangue é, incontestavelmente, um tratamento de risco, seja pela insegurança e precariedade dos testes sorológicos efetuados, quer pelo desconhecimento do comportamento de vírus e outros agentes potencialmente patogênicos existentes eventualmente no material biológico a ser objeto da transfusão.
Na análise de Azevedo (2010, p.22) o respeito à negativa de transfusão sanguínea pelas Testemunhas de Jeová, prima pela autonomia da vontade sendo a manifestação da dignidade humana. Permitindo dessa forma que o paciente possa se posicionar com tranquilidade e consciência perante sua escolha quanto a determinado tratamento clinico, obtendo do médico respeito e concordância por sua escolha.
Nas palavras do parecerista ao comentar este tema tem-se que:
[...] tivemos a oportunidade de realçar que ele visa à preservação da integridade do corpo humano, diante de situações em que o tratamento médico necessário a longo prazo para o restabelecimento do enfermo possa colocar em risco a sua própria vida. Ressalta-se aqui o papel do médico, não apenas daquele que está por realizar o tratamento ou dita intervenção, mas de outro que ateste eventual risco neste procedimento. O bem jurídico maior tutelado é a própria vida do cidadão, que estaria em risco por conta de um tratamento apontado como necessário (AZEVEDO, 2010 p. 22).
O dispositivo legal inserido no artigo 15 do Código Civil funciona como um mandamento ao médico para que em casos graves não atue sem expressa autorização do paciente. Assegurando à pessoa humana o direito de recusa a submeter-se a um tratamento perigoso, se assim entender. O foco está no campo do direito da personalidade e no campo da responsabilidade civil.
Basílio (apud LEIRIA, 2009, p.7) em suas considerações judiciais se posiciona de maneira clara, merecendo o destaque para as seguintes transcrições:
[...] pela nova regra do Código Reale, o pressuposto para que o médico não atue sem o consentimento do paciente é a própria gravidade da situação em si, de maneira que não será o caso emergencial ou a situação gravosa que lhe permitirá agir sem o consentimento.
"As consequências jurídicas só surgirão no caso de atuação médica sem consentimento e o efeito danoso se dará por agir sem autorização, pelo que responderá por perdas e danos. Por este artigo, o risco de morte do paciente cria a obrigação do médico de colher o seu consentimento sobre o método terapêutico a ser aplicado, sob pena de responder civilmente pelos danos aos seus direitos de personalidade que o tratamento forçado pode causar.
Nessa linha de pensamento, Leira (2009 p. 7) afirma que o artigo 15 do Código Civil revogou, então, quaisquer normas de hierarquia igual ou inferior que autorizavam a intervenção médica contra a vontade do paciente
(especialmente os artigos 46 e 56 do Código de Ética Médica, vindo a lume por mera resolução do Conselho Federal de Medicina, e o art. 146, § 3º, inciso I, do Código Penal), mesmo naqueles casos de iminente risco de vida.
Venosa (apud AZEVEDO, 2010 p. 23) informa que esta norma aborda toda uma gigantesca problemática sobre a Ética Médica, “[...] o dever de informação do paciente e a responsabilidade civil dos médicos. Levando em conta que qualquer cirurgia apresenta maior ou menor risco de vida, sempre haverá em tese, necessidade de autorização do paciente ou de alguém por ele”.
Fica evidente que a finalidade da Lei é proteger a inviolabilidade do corpo humano. Sendo necessária a importância de informações detalhadas fornecidas ao paciente pelo médico sobre seu estado de saúde e que tratamento deve ser aplicado.
Azevedo (2010, p. 23) informa que importantes decisões do Tribunal de Justiça de Santa Catarina devem ser analisadas, e que admitem, em face da Lei 8.213, de 1991 (artigo 101), que o segurado não está obrigado a submeter-
se a intervenção cirúrgica e nem a transfusão de sangue, sem que isso importe a cessação do benefício que lhe é devido.
Diante do exposto o respeito pela manifestação da vontade das Testemunhas de Jeová deve ser compreendido e atendido, tanto pelos profissionais da saúde, bem como pelos profissionais da área jurídica.
4.5 Autonomia da vontade do paciente no estatuto do idoso e na lei de transplantes.
De acordo com Azevedo (2010 p. 24) a autonomia da vontade do paciente vem sendo reconhecida e prestigiada amplamente na legislação infraconstitucional brasileira, pois, além do Código Civil, encontramos disposições nesse sentido na Lei do SUS, na Lei Mario Covas em São Paulo, no Estatuto do Idoso e na Lei de Transplantes. Nossa atenção se aterá às duas últimas.
A Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003, Estatuto do Idoso, traz em seu artigo 17 que: “ Ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades mentais é assegurado o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável(caput).”
Este artigo deixa claro que ao paciente que esteja consciente, independente do seu estado de saúde, deve ser esclarecido pelo médico quanto ao seu tratamento e somente após o devido esclarecimento manifestar sua vontade. O médico nesta situação não pode agir sozinho. Deve colher o consentimento do paciente idoso.
Prosseguindo com a análise desse artigo, em seu parágrafo único fica bem claro que:
Não estando o idoso em condições de proceder à opção, esta será feita:
I – pelo curador, quando o idoso for interditado;
II – pelos familiares, quando o idoso não tiver curador ou este não puder ser contactado em tempo hábil;
III – pelo médico, quando ocorrer iminente risco de vida e não houver tempo hábil para consulta a curador ou familiar;
IV – pelo próprio médico, quando não houver curador ou familiar conhecido, caso em que deverá comunicar o fato ao Ministério Público.
É importante notar que, estando o idoso em condições que impossibilitem sua manifestação da vontade, o médico deve consultar o curador e os familiares, podendo agir somente em terceiro e quarto plano
quando não puder de forma alguma obter contato com algum responsável pelo idoso. Neste momento, antes de qualquer intervenção o que é recomendado é que o médico, estando com um paciente idoso, procure se resguardar de todas as informações necessárias para poder realizar um atendimento satisfatório e que contemple principalmente a vontade do paciente. Obtendo o consentimento informado do mesmo.
Outro ponto em que se pode encontrar claramente positivado o consentimento informado é na Lei de Transplantes de Órgãos e Tecidos (Lei n.º 9.434/97). Segue transcrição do artigo 10.
Art. 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, assim inscrito em lista única de espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)
§ 1º Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas condições de saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida da sua vontade, o consentimento de que trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsáveis legais. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)
O poder de decisão do paciente, está claro, evidente. Esta legislação determina que o médico somente poderá proceder com o transplante após o consentimento do paciente. Independente de iminente risco de morte, quem decide é o paciente.
Leiria (2009, p. 8) atenta para o teor do parágrafo único do art. 1º da Lei de Transplante de Órgãos e Tecidos: "Para os efeitos desta Lei, não estão compreendidos entre os tecidos a que se refere este artigo, o sangue, o
esperma e o óvulo?. Entretanto, a exclusão expressa do sangue „para os efeitos da lei? jamais poderia significar que, de fato, sendo um tecido, pudesse ser transfundido contra a vontade do paciente.
Nery Junior (2009 p. 29) sugere o seguinte confronto:
Se o ordenamento jurídico (1) proibiu que o paciente seja constrangido a submeter-se a tratamento ou intervenção cirúrgica com risco de vida; (2) se permitiu que o idoso opte pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável; (3) se exigiu que o potencial receptor de um órgão transplantado consinta com o transplante e que este só ocorra quando o paciente tiver sido esclarecido quanto à sua excepcionalidade e aos riscos do procedimento; por que o paciente Testemunha de Jeová não poderia recusar submeter-se à transfusão de sangue?
A única resposta que o parecerista entende para essa pergunta seria a intolerância por motivo religioso pelo qual a Testemunha de Jeová se recusa a receber transfusão de sangue. Se for constatada esta opção, Nery Junior(2009 p. 30) afirma que se está diante de “clara discriminação religiosa”.
Sendo assim, inconcebível para os dias atuais, tais postura dos profissionais que se depararem com esta situação( tanto da área da saúde como da área jurídica). Desconsiderando todos os preceitos levantados anteriormente a cerca do ordenamento jurídico garantista dos direitos das Testemunhas de Jeová.
5 ARGUMENTAÇÃO CONTRÁRIA PARA A RECUSA DOS TESTEMUNHOS DE JEOVÁ À TRANSFUSÃO SANGUÍNEA.
Existe uma corrente contrária que defende a vida como um direito fundamental garantida constitucionalmente como bem inviolável, devendo o Estado defendê-la a qualquer custo. Neste aspecto e com base no juramento de Hipócrates alguns médicos entendem que diante do risco de morte a transfusão sanguínea deve ser realizada.
O Código Penal(CP) em seu art. 146, § 3º inciso I, prescreve que não configura o delito de constrangimento ilegal a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou representante legal, se justificada por iminente perigo de vida.
Neste aspecto, Lenza (apud SANTOS; DUARTE 2011 p. 2), complementa:
(...) se estiver o médico diante de urgência ou perigo iminente, ou se o paciente for menor de idade, pois, fazendo uma ponderação de interesses, não pode o direito à vida ser suplantado diante da liberdade de crença, até porque, a Constituição não ampara ou incentiva atos contrários à vida.
Outro artigo do Código Penal que está diretamente ligado a postura do médico é o que preceitua a omissão de socorro (art. 135 CP).
Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o
socorro da autoridade pública:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.
Neste sentido, em que o médico deve, diante de iminente perigo de morte, executar os procedimentos necessários para salvar a vida do paciente, independente do seu consentimento ou não, vários tribunais já se posicionaram a favor do médico, em favor da vida do paciente, merecendo destaque de Minas Gerais(AC 70020868162 - 5ª C. Cível - rel. Des. Umberto Guaspari Sudbrack - j. 22.08.2007).
APELAÇÃO CÍVEL. TRANSFUSÃO DE SANGUE. TESTEMUNHA DE JEOVÁ. RECUSA DE TRATAM ENTO. INTERESSE EM AGIR. [...] Não há necessidade de intervenção judicial, pois o profissional de saúde tem o dever de, havendo iminente perigo de vida, empreender todas as diligências necessárias ao tratamento da paciente, independentemente do consentimento dela ou de seus familiares.
Ainda complementando com Lenza (apud SANTOS; DUARTE, 2011 p. 3) :
Conforme noticiado pela Assessoria de Comunicação Social do TRF1, no julgamento do Agravo de Instrumento 2009.01.00.010855-6/GO (26/02/2009), o desembargador federal Fagundes de Deus registrou que no confronto entre os princípios constitucionais do direito à vida e do direito à crença religiosa importa considerar que atitudes de repúdio ao direito à própria vida vão de encontro à ordem constitucional - interpretada na sua visão teleológica. Isso posto, exemplificou o magistrado que a legislação infraconstitucional não admite a prática de eutanásia e reprime o induzimento ou auxílio ao suicídio. Dessa forma, entende o magistrado que deve prevalecer 'o direito à vida, porquanto o direito de nascer, crescer e prolongar a sua existência advém do próprio direito natural, inerente aos seres humanos, sendo este, sem sombra de dúvida, primário e antecedente a todos os demais direitos.
Esta corrente defende a necessidade de tratamento hemoterápico em respeito à própria vida biológica. Sustenta não haver alternativas à transfusão sanguínea para todos os casos que dela necessite, principalmente, naqueles casos em que o tratamento (chamado alternativo), não é suficiente para manter a vida do paciente, como quando há grande perda de sangue. (SANTOS. DUARTE, 2011 p. 3).
6 PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA E O CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA
A colisão de direitos fundamentais é entendida quando num caso concreto, existem um ou mais direitos, consagrados pela Constituição, em
colisão com o outro, isto é, um direito fundamental interfere diretamente no âmbito de proteção do outro.
Para melhor ser entendido como se estabelece a resolução dos conflitos quando se estar diante de regras e princípios, serão transcritas as palavras de Hertel (2005, p. 2), que discorreu muito bem sobre o assunto:
Não se confundem os princípios, as regras e as normas. Na verdade, princípios e regras são espécies de normas. A distinção entre regra e princípios, portanto, é uma distinção entre dois tipos de normas. Os princípios são normas de grau de generalidade alto e as regras são normas de grau relativamente baixo de generalidade. Os princípios estão mais próximos da noção de justiça, enquanto as regras podem ter um conteúdo apenas formal. No conflito entre regras, uma regra exclui a outra. Os princípios, de outro lado, não se excluem. Na verdade, apenas preponderam uns em relação aos outros em determinados casos. As regras ou são válidas ou não; já os princípios, ao contrário, podem ser ponderados.
No âmbito dos princípios pode-se contar também com os quatro princípios da Bioética para respaldar esta análise e relacioná-los ao Código de Ética Médica, quais sejam: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça.
Segundo Bonamigo (2011, p. 69): “ Autonomia significa que o indivíduo é quem decide aquilo que é bom para si e seu bem-estar. Nada pode ser feito sem o seu consentimento pessoal ou do seu representante”. O princípio da Autonomia assegura ao indivíduo o respeito por sua vontade, valores, crenças e opções. A liberdade de pensamento e de poder fazer escolhas é levado em consideração.
Nas palavras de d?Avila (2009, p. 23), presidente do Conselho Federal de Medicina e Coordenador da Comissão Nacional de Revisão do Código de Ética Médica afirma que:
Subordinado à Constituição Federal e à legislação brasileira, o novo Código reafirma os direitos dos pacientes, a necessidade de informar e proteger a população assistida. Buscou-se um Código justo, pois a medicina deve equilibrar-se entre estar a serviço do paciente, da saúde pública e do bem-estar da sociedade. O imperativo é a harmonização entre os princípios das autonomias do médico e do paciente. Permeando o novo Código, esse é o contrato tácito e implícito de todo ato médico.
No Código de Ética Médica Brasileiro(2009) é possível identificar vários dispositivos normativos sobre autonomia. Tais como:
Dos Princípios Fundamentais, Capítulo I, inciso XXI – No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas.
Direitos Humanos, Capítulo IV. É vedado ao médico: Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.
Direitos Humanos, Capítulo IV. É vedado ao médico Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.
Relação com pacientes e Familiares. É vedado ao medico: Cap. V. Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.
Embora fique evidenciado o respeito do médico pela vontade/ autonomia do paciente ou de seu representante, existem três situações em que a responsabilidade pela decisão é transferida para o médico: quando em caso de emergência o paciente não tiver capacidade de decidir; quando diante da incapacidade do paciente não existir representante legal e quando o paciente renunciar em decidir ou manifestar sua vontade.
Neste momento o médico é amparado pelo princípio da Beneficência, que se origina dos termos latinos bene facere (fazer o bem). É a disposição de fazer o bem, de agir corretamente para o bem do doente (BONAMIGO, 2011p. 81).
É preciso que o médico procure saber o máximo sobre o paciente, saber os seus reais desejos, manifestados anteriormente como presunção de sua vontade, para poder decidir de forma adequada para a vida do paciente.
O princípio da Beneficência está claramente identificado no Código de Ética
Médica em seu Capítulo I, artigo II, transcrito a seguir: “II - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.”
O importante neste momento é lembrar que a visão hipocrática tradicional não se adapta mais ao contexto atual, o fazer o bem agora, leva em consideração a opinião do paciente, o médico não tem mais a postura autoritária da Idade Média. A relação médico-paciente é uma relação de confiança e respeito, onde o médico é visto como amigo, parceiro, companheiro, conselheiro e consultor.
Para alcançar este tipo de relacionamento entre médico e paciente, o médico utiliza-se do consentimento livre e esclarecido que permite ao paciente obter todas as informações necessárias e assim poder decidir de forma segura e consciente sobre que procedimento o médico deverá proceder.
De acordo com Bonamigo, (2011, p. 71) o médico tem três formas de diálogo com o paciente:
a) diálogo informativo: o médico presta as informações sobre a doença do paciente, ajudando-o em sua livre decisão. A forma de revelar a verdade sobre más notícias deve ser a mais adequada possível;
b) diálogo terapêutico: em determinados atendimentos, apropria informação já é um tratamento. É a palavra e escuta ao mesmo tempo, melhorando o componente psicológico. É eficiente em distúrbios de ordem nervosa;
c) Diálogo decisório: é o paciente quem decide sobre a sua saúde, após ser adequadamente informado. A decisão termina com o pedido de consentimento ao paciente. Os médicos sabem o que é melhor para o paciente, mas não podem substituir os valores dos pacientes pelos seus.
O consentimento livre e esclarecido é ferramenta primordial, ou melhor, basilar, para que os outros princípios possam de fato ocorrer.
O princípio da Não Maleficência, proveniente do princípio Primun non nocere ( antes de qualquer coisa, não causar dano) normalmente é interpretado como uma abstenção enquanto que o principio da Beneficência, uma ação. Neste princípio ao médico compreende a abstenção de causar danos, prevení-los e corrigí-los. Em virtude de evitar erros e acidentes, o médico pode associar-se a Prudência para auxilia-lo junto a este princípio.
Quanto ao princípio da Justiça, Marini (apud LEIRIA, 2009, p.25) informa que a:
[...] justiça envolve respeitar as diferenças existentes na comunidade, e ao invés de discriminá-las ou segregá-las, deve-se buscar meios de compreendêlas e satisfazê-las", o que impõe a obrigação de o Estado possibilitar o acesso, especialmente na rede pública, de tratamentos alternativos às transfusões de sangue para os objetores de consciência.
Porém, voltando a pensar na situação do paciente testemunha de Jeová que diante de risco de morte e estando inconsciente, o médico, respaldado por seu Código de Ética Médica, decide por transfundi-lo, qual postura que o médico deve ter quando o paciente estiver consciente e fora de perigo? Deve contar a verdade ou não? Em caso afirmativo em que o médico revele que optou por transfundi-lo, ele assim o fez optando em favor da vida biológica, não levando em consideração sua vida em comunidade. A partir desse momento o paciente Testemunha de Jeová ficará desassociado de sua comunidade sendo excluído até mesmo do convívio familiar. A este fato denomina-se morte social.
Para estas situações em que o médico não tinha outra saída, entende-se que é possível utilizar de mais um princípio da Bioética. O princípio do Mal Menor, que de acordo com Bonamigo, (2011), quando em determinadas situações, em que o agente deve optar por duas alternativas e ambas apresentam efeitos negativos, gerando conflitos de consciência pelos inconvenientes que as alternativas apresentam; deve ser escolhida a que causar o menor mal. Então utilizando este raciocínio, se o medico, estando com um paciente inconsciente e sem responsáveis por perto, correndo risco de morte, tivesse que optar por salvar a vida do paciente ou deixa-lo morrer. Defende-se que antes de tudo deve salvar sua vida.
7 DA HERMENÊUTICA JURÍDICA NAS TRANSFUSÕES SANGUÍNEAS EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ: O USO DA ANALOGIA.
Utilizando as palavras de Engish (apud Amaral 2001, p. 1) partindo-se de um conceito não muito burilado, porém de grande alcance, aceitação e utilização pelos juristas, que estabelece o direito como sendo um ordenamento que visa regular a conduta humana de forma externa, bilateral e coercitiva, o direito se ocupa da vida.
Então, diante da recusa de transfusão sanguínea pelas Testemunhas de Jeová, e pelo que foi demonstrado no ordenamento jurídico de que eles têm seus direitos preservados e garantidos. Esta situação exige do aplicador do direito uma postura flexível e coerente ao interpretar a lei ao caso concreto. Esta postura é alcançada através da utilização da Hermenêutica Jurídica.
Nader (2006) ao explanar sobre a origem da palavra hermenêutica, afirma que provem do grego, Hermeneúein, interpretar, e deriva de Hermes, deus da mitologia grega, filho de Zeus e de Maia, considerado o interprete da vontade divina. Era considerado o melhor amigo dos homens, pois habitava a Terra e era um deus próximo à Humanidade. O autor explica que:
O vocábulo interpres expressava, em Roma, a figura do intérprete ou adivinho, daquele que lia o futuro da pessoa pelas entranhas da vítima. Daí dizer-se que interpretar consiste em desentranhar o sentido e o alcance das expressões jurídicas.(NADER, 2006, p. 303)
Na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB), no seu artigo 4°, preceitua que “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” (DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942).
Este artigo fundamenta a escolha pela Analogia para auxiliar nesta questão onde ainda não existe lei especifica.
Nas palavras de Tartuce (2012, p.14) a analogia é a aplicação de uma norma próxima ou de um conjunto de normas próximas, não havendo uma norma específica prevista para um determinado caso.
O autor explica que diante de um caso concreto, sendo uma norma jurídica omissa, o aplicador do direito deve procurar respaldo no próprio ordenamento jurídico sendo permitida a aplicação de uma norma além do seu campo de atuação sem confundir a analogia com interpretação extensiva. Neste sentido a norma jurídica tem em sua aplicação, através da analogia, sua função ampliada, isto é, no sentido de ter mais abrangência, de amplitude (TARTUCE,2012 ).
Maximiliano(2008) ressalta que existem duas possibilidades de registro quanto ao uso da analogia. 1. Analogia Legis, em situações que faltam uma só disposição, uma artigo de lei então se recorre ao que regula um caso semelhante. 2 Analogia Juris, quando não existe nenhum dispositivo aplicável à espécie nem sequer de modo indireto. O Juiz diante de um dispositivo inteiramente novo deve recorrer a um complexo de princípios jurídicos. E segue com os esclarecimentos:
A primeira hipótese é mais comum e mais fácil de resolver; apenas se trata de espécie não prevista, inesperada controvérsia acerca de instituto já disciplinado pelo legislador; argumenta-se com a solução aplicável a um fato semelhante. É o caso da segunda quando não existe regra explicita, nem caso análogo; reconstrói-se a norma pela combinação de muitas outras, que constituem visível aplicação de um princípio geral, embora não expresso; elabora-se preceito completamente novo, ou um instituto inteiro, segundo os princípios de todo sistema em vigor.(MAXIMILIANO,2008.p. 173)
Recorrendo a Robert Aléxy e Dworkin, embora estes filósofos tenham pontos em comum, foi encontrado alguns desdobramentos polêmicos, quando na utilização da Analogia é utilizado a teoria dos princípios constitucionais. Para ambos, o conceito de princípios desempenha papel relevante, porém quanto a sua natureza e aplicabilidade é que existe divergência.
Na concepção de Alexy(apud CADERMATORI, DUARTE, 2009,p 126) “ao tratar da estrutura normativa dos direitos fundamentais, os princípios, considerados espécie – juntamente com as regras- do gênero norma, possuem o caráter de “mandatos de otimização” pela razão de que determinam que algo seja realizado, na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes”.
[... os princípios seriam mandatos de otimização caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos ou não, em graus diferentes, sendo a medida do seu cumprimento dependente, não somente das possibilidades fáticas (determinadas no caso concreto a partir do qual são invocados princípios opostos pelas partes) mas também jurídicas(relacionada com os princípios mesmos que se encontram em colisão e precisam ser
ponderados).(CADEMARTORI, DUARTE, 2009,p 126-127)
Alexy (apud CADEMARTORI, DUARTE, 2009) aponta as diversidades jurídicas dos princípios quando os diferencia das regras, por meio da forma como analisa as soluções dentro do ordenamento jurídico, quando existe conflito interno entre regras e princípios. Quanto ao conflito de regras, a solução ocorre de duas maneiras: “ou através de uma clausula de exceção que cada uma delas teria, a qual eliminaria o conflito, ao estabelecer uma solução especifica para o caso, ou então, uma delas estando inválida e, portanto, deveria ser expelida do mesmo ordenamento”.
Quanto ao conflito de princípios (ou colisão de princípios) o autor diferente da forma que estabelece entre o conflito entre regras, aponta outra solução. Enquanto para as regras é utilizado o plano da validade, para os princípios o conflito deve ser resolvido pela utilização do plano da ponderação do seu peso valorativo.
Considerados prima facie, os princípios são todos válidos e hierarquicamente iguais, sendo que a colisão somente ocorre nos casos concretos, quando um princípio limita a irradiação de efeitos do outro. Quando se depara com a colisão de princípios, o interprete deverá valer-se de um critério hermenêutico de ponderação dos valores jusfundamentais que Alexy denomina de “máxima da proporcionalidade”, a qual é composta de três máximas parciais: adequação, que ao estabelecer a relação entre o meio empregado e o fim atingido, mede seus efeitos a partir de hipóteses comprovadas ou altamente prováveis; necessidade, que estabelece que a medida empregada (vale dizer, norma) deve considerar, sempre, o meio mais benéfico ao destinatário, e a proporcionalidade em sentido estrito que é a ponderação com base nos valores jusfundamentais propriamente ditos, os quais na jurisprudência da Suprema Corte da Alemanha, encontram na noção de dignidade da pessoa humana uma espécie de meta-valor a orientar a interpretação dos demais direitos fundamentais. (CADEMARTORI, DUARTE, 2009,p.127)
Em resumo, para Alexy, as possibilidades fáticas advindas do caso concreto são consideradas pela adequação e a necessidade, enquanto possibilidades jurídicas são consideradas pela proporcionalidade em sentido estrito. “Somente após a realização do processo de ponderação é que o princípio considerado
prevalente torna-se uma regra a estabelecer um direito definitivo para aquele caso. (CADEMARTORI, DUARTE, 2009,p.127-128).
CADEMARTORI, DUARTE, 2009, explicam que para Dwokin, existe uma primeira divergência entre ele e Alexy, a respeito do papel dos princípios fundamentais quanto a relação à natureza de tais mandamentos.
Para Dworkim, os princípios não são espécies do gênero “norma”, como quer Alexy, e sim proposições que descrevem direitos. Sendo assim, embora sejam derivados do campo da moral, os princípios referem-se à justiça e equidade (fairness). Estes irão interagir com o direito quando se deparar, o julgador, com o caso difícil (hard case) onde o repertório de normas ou os precedentes judiciais sejam insuficientes para a solução do caso, ao menos nos termos do que se possa considerar uma solução justa, ....
Entretanto, Dworkin reconhece que, ao contrário das regras que jogam um papel do “tudo ou nada” (and all or nothing), os princípios apresentam razões não condicionais, do tipo se [...], então [...], comuns nas regras para determinadas condutas, podendo ser determinantes para o processo de decisão judicial quando sua força argumentativa for maior para o caso. Portanto, segundo Dworkin, não haverá a necessidade de regras preestabelecidas semanticamente sobre como devam estruturar-se os conflitos entre regras ou entre princípios, tal como afirma Aléxy, quando da sua aplicação. Nesses termos, a concepção principiológica de Dworkin opera sob uma concepção pragmática que se revelará mais abrangente e que também dispensa um critério técnico de ponderação, tal como máxima da proporcionalidade, para solucionar colisões entre princípios.
Após estas explanações o que se percebe é a necessidade de que diante de um caso como este das Testemunhas de Jeová e que até o presente momento não tem lei especifica que assegure seu direito do recusa de receber transfusão sanguínea. O operador do direito que estiver diante desse conflito deve ter uma formação multidisciplinar e está muito atualizado quanto ao pensamento desses grandes filósofos. Para que possa encontrar a melhor forma de aplicação da Analogia através da Hermenêutica Jurídica e dessa forma, resolver o conflito tendo sempre o cuidado de fundamentar sua decisão na valorização do ser humano frente a sua dignidade e valores morais. Neste aspecto os princípios sempre serão ferramentas úteis para que a Analogia possa encontrar uma solução justa e eficaz.
8 CONCLUSÃO
As Testemunhas de Jeová investiram muito em estudos e tecnologias benéficas para a sociedade como um todo. O Estado precisa admitir que essas tecnologias devam ser incorporadas na Saúde Pública, pois reduziriam em muitos casos riscos de morte, e até mesmo custos hospitalares.
É notável o avanço que a classe médica e jurídica tem apresentado em relação ao respeito da dignidade humana da pessoa Testemunha de Jeová diante de sua recusa pela transfusão sanguínea.
Torna-se imperioso que a disciplina de Bioética seja ministrada nos cursos de Direito com o objetivo de sensibilizar desde o início do curso os alunos a pensarem e produzirem artigos referentes a várias situações conflituosas existentes na sociedade como esta das Testemunhas de Jeová. Esta disciplina já é uma constante nos currículos da área das ciências da saúde.
O Código de Ética Médica ainda orienta os médicos, que diante de risco de vida e o paciente estando inconsciente, devem os mesmos optar por salvar a vida do paciente. Valorizando a vida biológica em detrimento aos outros princípios abordados neste artigo. Desconsiderando principalmente a dignidade da pessoa humana e o respeito por suas crenças.
O médico deve obter o máximo de informações do paciente para poder tomar decisões dessa gravidade visto que as consequências têm reflexos diretos em suas vidas. Existe uma necessidade constante de aprofundamento nesta área. A própria evolução do ser humano e o amadurecimento das relações pessoais, através do cuidado com o outro, fortalecerá o respeito pela dignidade humana de cada um nesta situação.
As Testemunhas de Jeová através da COLIH tem feito um trabalho de divulgação e sensibilização com a divulgação de material que apresenta as técnicas alternativas diante da recusa de transfusão de sangue, para os profissionais das diversas áreas que lidam com esta questão.
A maioria dos juristas e médicos ainda tem no direito à vida um posicionamento dominante diante de risco de morte. Esse posicionamento é o reflexo das relações humanas. Porém, o atual momento vivido, reflete o amadurecimento do homem e com este amadurecimento o principio da dignidade humana ganha destaque e tem se difundido nas mais diversas formas de relacionamento como princípio fundante. Juristas renomados como Álvaro de Azevedo (2010) e Nelson Nery Junior (2009) já se posicionaram em pareceres demonstrando o quanto o principio da dignidade humana fundamenta todo o direito a elas garantido.
O consentimento livre e esclarecido esta ganhando destaque na prática medico-paciente. Bem como a divulgação das diretivas antecipadas, onde as Testemunhas de Jeová antecipadamente, através de documentos válidos, apresentam sua vontade.
A Hermenêutica Jurídica através da Analogia deve fundamentar seu posicionamento sempre respeitando o ser humano em questão, valorizando sua dignidade e seus valores morais. O tema oferece inúmeros aspectos de aprofundamento do estudo. Principalmente no aspecto filosófico- jurídico, quanto as teorias de Robert Alexy e Dworkin. Enquanto não houver lei que regulamente esta questão, o profissional do direito deve ter conhecimentos aprofundados sobre essas teorias e buscar constantemente está atualizado e interdisciplinarmente ligado com as áreas afins.
O bom senso deve reger as relações dos seres humanos diante de conflitos como este abordado. O respeito pelas diferenças pode possibilitar uma convivência possível e pacífica, sem agressões e desrespeitos às opções de cada comunidade
Finalizo com as palavras de Castilho(2013): “De nada adianta proteger-se a vida de um indivíduo se ele se sentirá tolhido de sua dignidade humana ao ser isolado de seu grupo de convívio em virtude de haver recebido transfusão de sangue”.
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