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Aspectos do superendividamento do consumidor idoso

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25/04/2023 às 15:20

Resumo:


  • O superendividamento do idoso é uma realidade preocupante, causada muitas vezes por estratégias de mercado predatórias que exploram sua vulnerabilidade, levando a contratos de crédito sem a devida compreensão das condições onerosas.

  • Legislações como o Estatuto do Idoso e o Código de Defesa do Consumidor buscam proteger os direitos dos idosos, garantindo práticas de crédito responsável e medidas para prevenir e tratar o superendividamento.

  • Decisões judiciais têm reconhecido a necessidade de limitar os descontos em folha de pagamento a um percentual que não comprometa a subsistência do idoso, resguardando o mínimo existencial e a dignidade humana.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2. O IDOSO E SUA PROTEÇÃO

Com o desenvolvimento das ciências biológicas, a expectativa de vida da população brasileira vem crescendo bastante. Tal crescimento pode ser observado da seguinte forma:

[...] a população brasileira de 60 anos e mais era de 14,2 milhões de pessoas em 2000, representando 8,1% da população total, sendo que, em 2050, a população idosa deve chegar a 66,9 milhões, representando 29% do total populacional do país. Enquanto a população brasileira como um todo vai crescer 1,3 vezes (30%), a população de 60 anos e mais deve crescer 4,7 vezes. O envelhecimento é, desta forma, um processo inquestionável e irreversível, podendo estar sujeito a pequenas mudanças de ritmo em função das taxas de fecundidade e da migração internacional. (DINIZ ALVES, 2014, online)

Pode-se perceber que existe uma considerável tendência de aumento populacional de pessoas idosas, inclusive maior que o crescimento geral da população brasileira. Com tal aumento, tornou-se necessária a discussão dos direitos dessas pessoas.

Neste sentido, no dia primeiro de outubro de 2003, com o objetivo, entre outros, de assegurar todas as oportunidades e facilidades, para preservação da saúde física e mental do idoso e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade, foi sancionada a lei 10.741/2003, conhecida como Estatuto do Idoso.

O Estatuto do Idoso assimilou as leis já existentes, organizou-as por tópicos, discorreu sobre cada um dos direitos e especificou as punições para os infratores, ficando mais prática a compreensão e aplicação dos direitos dos idosos, até então dispostos de forma esparsa no ordenamento jurídico nacional (2007, MARTINS e MASSAROLLO, p. 27).

Além disso, complementam as autoras:

[...] se for feita uma comparação detalhada das leis relativas ao idoso com o Estatuto do Idoso, constata-se que houve uma ampliação dos direitos. Por exemplo: no Código Nacional de Direitos dos Usuários das Ações e dos Serviços de Saúde ele está protegido como usuário comum, no Estatuto do Idoso ele é considerado prioridade. (2007, p. 27).

Podemos concluir, então, que o idoso passou a ser melhor tratado pela legislação brasileira, inclusive no tocante aos seus direitos fundamentais relativos à saúde e à sua dignidade.

2.1 Conceito de pessoa idoso.

Conforme o artigo primeiro do Estatuto do Idoso, todas as pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos são consideradas idosas.

Tais pessoas representam o reflexo do passado do Brasil, pois construíram suas vidas em décadas passadas e vivenciaram conquistas e revoluções históricas mundiais. Sabe-se que as atuais gerações veem o mundo de modo diferenciado dos idosos e o encaram de forma completamente diferente.

Por ter o idoso desenvolvido sua vida em época, cultura e regras diferentes é que se faz imprescindível a proteção específica aos seus direitos básicos e fundamentais, afinal sua compreensão acerca do funcionamento do mundo e suas tecnologias tem por paradigma outro tempo, em que os costumes eram bastante diferentes.

Além disso, as debilidades físicas comuns na velhice, como a diminuição dos sentidos e mobilidade, são fatores que agravam a fragilidade do idoso e o torna mais suscetível às manobras dos fornecedores para a contratação dos seus serviços.

A Carta Magna brasileira de 1988 cria o dever do Estado, da família e da sociedade “de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

O Estatuto do Idoso, por sua vez, enriqueceu o rol de garantias previstas na Constituição Federal. Passou-se a exigir da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público a obrigação de assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Passa-se, então, à análise das medidas protetivas aplicáveis exemplificadas no Estatuto do Idoso.

2.2 Medidas de proteção

O Estatuto do Idoso busca proteger o idoso de possíveis violações causadas por terceiros ou de circunstâncias prejudiciais aos seus direitos.

Conforme seu artigo 43, “as medidas de proteção são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos forem ameaçados ou violados por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento; em razão de sua condição pessoal”.

O indivíduo idoso pode ter plena condição de administrar sua vida e seus bens, sem o intermédio de terceiros, entretanto, quando esta capacidade falhar, há a proteção legal que busca o melhor meio de evitar possíveis lesões.

As medidas aplicáveis encontram-se no artigo 45 do estatuto do idoso e preveem, entre outras: “encaminhamento à família ou curador, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários; requisição para tratamento de sua saúde, em regime ambulatorial, hospitalar ou domiciliar; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a usuários dependentes de drogas lícitas ou ilícitas, ao próprio idoso ou à pessoa de sua convivência que lhe cause perturbação; abrigo em entidade; abrigo temporário.

Percebe-se que tais medidas não se encontram em um rol taxativo, pois o próprio artigo 45 ressalva a possibilidade da execução de outras não discriminadas.

Tais medidas podem ser tomadas pelo Ministério Público ou Poder Judiciário (quando provocado) para resguardar os interesses do idoso e fazem com que o artigo 43 não seja uma mera norma programática, mas que tenha efetividade legal diante das necessidades sociais. (LEITE, 2007, p. 58).

É obrigação do Ministério Público tomar a devida medida para salvaguardar a integridade do idoso. Deve ele investigar os indícios de violação dos seus direitos indisponíveis, como a vida, liberdade, saúde etc., ou, quando disponíveis, caso sejam direitos coletivos, como a preferência no atendimento (FRANGE, 2004, p. 58).

Em suma, o Estatuto busca erradicar a violência ou descaso contra o idoso. Trata-se de um objetivo bastante difícil de ser alcançado, uma vez que:

[...] diante da constatação da violência diária nas mais diferentes formas, grande parte dos idosos maltratados ou violentados não tomam a iniciativa de denunciar seu agressor, pelos mais diferentes motivos, inclusive por não perceber o evento como agressão ou violência, dada sua “naturalização” (SILVA, OLIVEIRA, et al., 2008).

O desrespeito aos direitos do idoso pode ser considerado uma agressão psicológica, uma vez que tais direitos visam garantir a sua saudável convivência social, assim como sua dignidade.

Quando se fala de agressão psicológica, podem-se citar diversas circunstâncias, como, por exemplo, o desrespeito à prioridade no atendimento do idoso nas filas bancárias, lojas, falta de estacionamento adequado etc.

2.3 Política de Atendimento ao Idoso

A Política de Atendimento ao Idoso - PAI, prevista nos artigos 46 e 47 do Estatuto, “será efetuada por meio de ações articuladas entre a União, os Estados, o Distrito Federal, os municípios e as entidades não-governamentais” (FREITAS JUNIOR, 2008, p. 134).

De acordo com o artigo 47 e seus incisos, as linhas de ação da PAI criam caminhos estratégicos para o seu efetivo cumprimento. Ou seja, são criados programas assistenciais supletivos com o objetivo de prestar socorro aos idosos necessitados.

Além disso, devem ser criados serviços especiais para o devido atendimento aos idosos vítimas de maus-tratos ou abandonados, devendo haver a proteção jurídico-social por entidades especializadas, objetivando sempre melhores condições para os protegidos.

2.4 Entidades de Atendimento ao Idoso

Com o aumento da longevidade da população, o número de idosos tem crescido bastante e isso ensejou a necessidade de desenvolvimento de novas estruturas para o atendimento adequado destas pessoas.

Tratam-se das entidades de atendimento que, conforme o Estatuto do Idoso, podem ser instituições governamentais e não governamentais responsáveis pela concretização da Política Nacional do Idoso cujo objetivo é, conforme o artigo 1º da lei 8.842/94, “assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade”.

Existe grande diversificação na forma de atendimento ao idoso em nossa sociedade e, atualmente, observa-se uma crescente procura por instituições que garantam abrigo e atendimento adequado a esta população.

Esse atendimento tem assumido diferentes modalidades, desde os estabelecimentos que atendem apenas durante o dia (Centro-Dia), continuando a família responsável por seus idosos à noite e nos finais de semana; passando pelas “colônias” ou “condomínios” de casas onde os idosos moram só ou acompanhados e que possuem uma supervisão externa; até unidades de internamento, também muito diferenciadas entre si – em algumas os idosos têm autonomia para se deslocar sozinhos, em outras os idosos saem, mas sempre acompanhados por funcionários da instituição ou por seus familiares, e também há aquelas onde os idosos não podem sair, o chamado regime fechado (IPARDES, 2008, p. 18).

As instituições de atendimento ao idoso são organizações derivadas dos antigos asilos que tinham como objetivo cuidar do idoso sem lar e sem familiares dispostos a dar-lhe o adequado tratamento. Atualmente, tais instituições, conforme o Estatuto, são fiscalizadas pelo Conselhos do Idoso, Ministério Público, Vigilância Sanitária e outros órgãos previstos em lei.

De acordo com o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social, estas instituições devem:

[...] prestar atendimento integral institucional ao seu público-alvo, pessoas de 60 anos e mais, dependentes ou independentes, que não dispõem de condições para permanecer com a família ou em seu domicílio. Elas devem buscar proporcionar serviços nas áreas social, médica, psicológica, de enfermagem, fisioterapia, terapia ocupacional, odontologia, entre outras, conforme necessidades desse grupo etário (IPARDES, 2008, p. 18).

Percebe-se que tais instituições buscam o bem-estar de idosos incapazes de subsistir sem o auxílio de terceiros e que não têm família ou esta os abandonou.

Qualquer indivíduo lesado, que preencha os requisitos para a assistência do advogado público, tem direito a um defensor que postule por seus direitos. No caso do idoso, este direito encontra-se mais acentuado, uma vez que, conforme veremos no próximo item, ele é detentor do direito à prioridade no atendimento e na tramitação processual.

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Percebe-se, então, que o atendimento nos órgãos de defesa do consumidor, quando este for um idoso, deverá ser priorizado e, inclusive, feito por pessoa capacitada para lidar com indivíduos mais velhos com possíveis limitações.

2.5 Acesso do idoso à Justiça.

O acesso à justiça, conforme o Estatuto do Idoso, utiliza subsidiariamente o procedimento sumário, previsto no CPC, sendo resguardados os prazos previstos no Estatuto. O seu art. 82 exemplifica os instrumentos para a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos (LEITE, 2007 p. 59).

Costa e Vale (apud Capelleti, 1988, p. 11) explicam que:

O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental — o mais básico dos direitos humanos — de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir e não apenas proclamar os direitos de todos.

Leite (apud Martinez, 2004, p. 156), por sua vez, explica que os interesses individuais “dizem respeito exclusivamente a uma pessoa, isto é, os que apresentam as características de um único indivíduo”. Por outro lado, os interesses coletivos “[...] pertencem a um grupo com identificador comum a todos os seus membros”, enquanto que os interesses difusos seriam interesses individuais referentes a pessoas indeterminadas, contudo relacionados entre si por pontos conexos.

Os interesses coletivos são aqueles pertencentes a um grupo de pessoas determináveis. Tais pessoas podem ser individualizadas, inclusive acerca dos seus casos específicos. É o caso, por exemplo, do grupo de pessoas vítimas de um acidente de avião. Todas sofreram o acidente e seus direitos foram lesados.

Os interesses difusos, por sua vez, versam sobre direitos individuais, entretanto, as pessoas protegidas não são determinadas. Trata-se do caso da luta do Ministério Público por uma boa prestação de serviço de um órgão de auxílio às pessoas carentes. Sabe-se que existem as pessoas que serão protegidas, todavia, não se sabe quem de fato elas são.

Conforme Leite, os interesses indisponíveis referem-se às normas de caráter público. Já os interesses homogêneos são aqueles que possuem origem comum (2007, p. 59).

O Poder Público tem o dever de assegurar em qualquer instância judicial ou da Administração Pública a prioridade na tramitação dos processos e procedimentos em que figure como parte ou interveniente pessoa considerada idosa. Para isso basta que o indivíduo comprove sua idade e requeira da autoridade judiciária as devidas providências (LEITE, 2007, p. 61).

O atendimento preferencial é aplicável, além do Poder Judiciário e os órgãos da administração pública, às entidades de direito privado. O Estatuto do Idoso impõe à família, à comunidade, à sociedade, e ao Poder Público, a obrigação de conceder absoluta prioridade do atendimento à pessoa idosa. (FREITAS JUNIOR, 2008, p. 133)

COSTA E VALE, sobre o Estatuto do Idoso, aduz que:

[...] no que diz respeito a matéria processual, não instituiu nenhuma norma singular que agilize o processo e o procedimento, somente dispõe o art. 71, a prioridade na tramitação e cumprimento de diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos, em qualquer instância (2009, online).

A prioridade objetiva garantir de forma efetiva o direito à vida, saúde, alimentação, educação, cultura, cidadania, dignidade, convivência familiar e comunitária, esporte, lazer, e trabalho, conforme art. 3º da Lei 10.741/2003 (FREITAS JUNIOR, 2008, p. 133).

Moraes assim explica:

Ao garantir atendimento preferencial, imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços da população, viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações, capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos, estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento e garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais, entre outras formas de prioridade à terceira idade, a nova legislação brasileira reconheceu, como se faz nos países europeus, o envelhecimento como um direito social, a ser devida e especificamente protegido (2004, p. 709).

A prioridade na tramitação processual garante que o idoso tenha seus direitos resguardados com maior eficiência, uma vez que é notório o alto número de processos e, consequentemente, a demora para sua apreciação e conclusão.

Além disso, em uma determinada idade, o idoso não tem expectativa de viver muitos anos para usufruir dos benefícios de uma indenização oriunda de um dano sofrido. Ou seja: o dano sofrido e indenizado ao fim de todo o moroso processo judicial não surtirá o efeito de reparar a lesão. Na verdade, a indenização servirá, apenas, como pecúnia para os herdeiros, ou, no melhor dos casos, como auxilio em tratamentos de mazelas oriundas do próprio estresse advindo da mora processual e do envelhecimento natural (COSTA E VALLE, 2009, online).

Em outras palavras, “para efetivação dos direitos e garantias fundamentais da pessoa idosa, em todos os níveis, deve lhe ser concedida primazia de atendimento” (FREITAS JUNIOR, 2008, p. 133).

Note-se, contudo, que a preferência de atendimento ao idoso deve respeitar o direito de atendimento, absolutamente prioritário, concedido à criança e ao adolescente, nos moldes do artigo 227 da Constituição Federal. O texto constitucional deve prevalecer em eventual confronto com as disposições do Estatuto do Idoso (FREITAS JUNIOR, 2008, p. 133).

Conforme o art. 70 do Estatuto do Idoso, pode o Poder Público criar varas especializadas e exclusivas do idoso. A existência destas varas é uma boa alternativa quando se tem por objetivo a ágil tramitação processual.

Além do Estatuto do Idoso, o CPC, em seu art. 1.211-A determina a tramitação processual prioritária nos casos em que o idoso figure como parte no processo, em todas as instâncias.

Costa e Valle aduzem que:

[...] a criação das varas especializadas é facultativa, o que causa inevitável inquietação, pois estamos falando de pessoas maiores de 60 anos, e estas podem acabar sendo prejudicadas pelo desgaste enfrentado, ou até mesmo por doenças que podem ser contraídas no decorrer do processo (2009, online).

De acordo com o já mencionado art. 70, pode-se concluir que a lei não impõe uma obrigação à administração do Tribunal de criar tais varas. Na verdade, o Estatuto, de forma bastante clara, apenas autoriza a criação. Em outras palavras, trata-se apenas de uma sugestão da lei à administração dos Tribunais de Justiça.

Além disso, conforme explica Costa e Valle, caso o idoso venha a falecer, “a prioridade estende-se ao cônjuge, companheira ou companheiro, desde que também possua idade superior a 60 anos”. (2009, online).

Ou seja, sendo o sucessor processual do idoso outra pessoa idosa, a prioridade processual será garantida. Os direitos ao acesso à Justiça serão priorizados da mesma forma que eram ao de cujos.

Mesmo havendo previsão constitucional acerca da absoluta prioridade do atendimento à criança ou ao adolescente, é possível que o idoso, em determinados casos, tenha prioridade no atendimento ou em demandas públicas em detrimento dos menores. Trata-se de um conflito de princípios que pode ser resolvido com um estudo teleológico do caso.

Pela Teoria de solução de conflitos de Princípios Fundamentais de Robert Alexy:

[...] a ponderação deverá ser feita mediante a situação concreta, ou seja, quando da criação e implementação de Políticas Públicas de assistência, ou da efetividade dos direitos das crianças e adolescentes. Assim, a prioridade dos direitos das crianças e dos adolescentes é ponderada, podendo ter seu grau de aplicação diminuído em relação a algum direito fundamental de uma pessoa maior de 18 anos (GIMENEZ, 2006, online).

Caso o idoso esteja em risco de morte, o atendimento a ele seria prioritário em um hospital. Mas e se a circunstância for equivalente? O idoso e a criança encontram-se em um hospital bastante doentes. Quem seria atendido com prioridade?

[...] à ponderação dos bens tutelados pelo ECA e pelo Estatuto do Idoso, pela tese da prioridade relativa da criança e do menor frente ao idoso, colocando seu atendimento como prioritário apenas se ambos estiverem sob risco iminente de vida, visto que a garantia material ao direito à vida ao menor, em face de sua juventude e potencial ao Estado e à sociedade, ser mais robusta até mesmo por razões biológicas, sociais, culturais e históricas (MOREIRA, 2003, online).

Havendo conflito de direitos equivalentes entre um idoso e uma criança, em que o direito de atendimento preferencial tenha que ser sacrificado, percebe-se que a prioridade para evitar o risco é da criança ou adolescente. Entretanto, deve-se verificar cada caso com suas peculiaridades e ponderar, visando sempre garantir da melhor forma possível a efetivação dos direitos fundamentais.

2.6 O endividamento do idoso

O endividamento é algo que independe da faixa etária e sempre ocorrerá quando o consumidor utilizar sua capacidade econômica para consumir. Este endividamento pode ser facilmente sanável, seja por meio dos frutos do próprio trabalho ou por empréstimos bancários.

O consumidor, ao utilizar-se dos benefícios do crédito, estará sujeito aos juros ali embutidos e, consequentemente, a uma redução da sua capacidade para o consumo.

O cartão de crédito, o cheque especial e o empréstimo consignado são exemplos de formas de concessão de crédito com a característica peculiar do fácil acesso, baixo risco para a instituição financeira e altos juros contra o consumidor.

Nos próximos itens serão estudados os impactos do crédito e o endividamento do consumidor idoso.

2.7 O endividamento como resultado do crédito fácil.

O consumo ocorre em uma relação bilateral cujo objetivo é a troca. O consumidor entrega a pecúnia e, o fornecedor, um determinado produto ou serviço. Consumismo, por sua vez é um “consumo compulsivo, sem regra, é comprar o que não se precisa com o dinheiro que não se tem” (CARDOSO, 2010, online).

As facilidades exageradas juntamente com a publicidade, que mais se assemelha com “lavagem cerebral”, promovidas pelas empresas, causam o fenômeno, responsável por dificuldades e superendividamento do consumidor, originado não somente por descontrole financeiro individual, mas por falta de condições para satisfação das necessidades básicas ou pela irresponsabilidade na concessão do crédito (CARDOSO, 2010, online).

Por endividamento, entende-se como o saldo devedor de um agregado familiar. Este conceito está diretamente ligado aos contratos de concessão de crédito. O saldo devedor pode decorrer da existência de apenas um compromisso de crédito ou pode resultar de vários compromissos de crédito (LOPES, NOGUEIRA, et al., 2003, online).

Um dos principais fatores da ocorrência do endividamento pessoal é o crédito fácil. Em virtude da falta de dinheiro no ato da compra, as pessoas recorrem a essas “facilidades de crédito”, sem a preocupação com as taxas de juros (LORENSI, PESSINI, et al., 2011, p. 2).

Outro fator, explica o supracitado autor, é a falta de planejamento no orçamento pessoal ou familiar. Lorensi, Pessini, et al. (apud DOUAT, 1994) dizem que:

[...] as pessoas têm gastos que vão além do que a renda permite. Ao se deparar com este tipo de situação, o endividado recorre a bancos ou agiotas. A princípio isso pode parecer uma solução, mas também é um risco de piorar a situação. Dessa forma, o endividado pode ficar com o nome cadastrado no SPC e no Serasa.

Complementam os autores:

Existe ainda outro motivo que leva ao consumo desenfreado e consequentemente ao endividamento: a busca pelo status e pela satisfação pessoal. No mercado de consumo há pessoas que se lançam como verdadeiros consumidores compulsivos, adquirindo produtos, marcas e objetos com o objetivo de diminuir a angústia e o desprestígio social que sentem. (LORENSI, PESSINI, et al, 2013, p. 2).

A concessão de crédito tem se demonstrado demasiadamente inconsequente, uma vez que a contratação, muitas vezes, é feita pelo consumidor sem a necessária verificação da possibilidade de pagamento das prestações, sem o comprometimento do mínimo necessário para a subsistência e, por parte do fornecedor, sem a completa explicação de todos os ônus do contrato.

O crédito, conforme Sarmento (apud Costa de Lima, 2010, p. 12):

Tornou-se uma força que se impõe para o desenvolvimento do país e não mais um mal necessário. Entretanto, a banalização do crédito e a sua concessão irresponsável, em descumprimento ao direito de informação e aconselhamento ao consumidor, aumentam ainda mais os riscos do superendividamento.

Não existem muitas dificuldades para a contratação de crédito. Atualmente, por exemplo, basta que o consumidor comprove estar matriculado em alguma instituição de nível superior e que seu nome não esteja inscrito nos bancos de dados de proteção ao crédito.

No caso do idoso, conforme o site da Caixa Econômica Federal - CEF, a concessão de crédito consignado é muito simples. Basta procurar uma agência bancária, apresentar os documentos exigidos e assinar o contrato que a negociação está efetuada e o dinheiro disponibilizado na conta (2014, online).

Nota-se que o fornecedor enfatiza bastante a questão da facilidade. No site da CEF, são apresentados três passos para a contratação do empréstimo consignado.

Primeiramente requer-se que sejam verificadas as condições do benefício (aposentadoria ou pensão); depois é exigido que o consumidor se dirija à agencia bancária para entregar os documentos necessários e assinar o contrato e, por fim, o banco explicita ao indivíduo o seguinte: “Depois que empréstimo estiver disponível, você poderá usar para o que quiser” (Caixa Econômica Federal, 2014, online).

Percebe-se que não há o cuidado de verificar se o consumidor terá condições de arcar com as prestações praticadas. Na verdade, não é atrativo à instituição financeira agir com cautela em relação a isso, afinal, o empréstimo será realizado e o pagamento da prestação será feito antes mesmo de o consumidor ter acesso ao dinheiro.

Criar mecanismos para prevenir o superendividamento do idoso não é prioridade para nenhuma instituição financeira, já que seu objetivo comercial é o lucro e não a saúde financeira do consumidor.

2.8 O idoso e o empréstimo consignado

O empréstimo consignado foi instituído no Brasil pela lei 10.820/03. De acordo com Sasse, “com taxas de juros entre as mais baixas do mercado, prazos dilatados e pouca burocracia na contratação, o contrato de mútuo tornou-se uma das modalidades favoritas de concessão de crédito dos brasileiros” (2013, online).

Complementa a autora:

A facilidade foi comemorada pelos beneficiários da Previdência. Na época, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrava que 40% das famílias eram sustentadas por idosos, a maioria com proventos de até dois salários mínimos. Porém, com o acesso ao crédito, vieram os abusos, o assédio das instituições financeiras e as fraudes (2013, online).

O empréstimo consignado é um contrato de mútuo bancário:

[...] pelo qual a instituição financeira se compromete a entregar determinada quantia de dinheiro ao mutuário, devendo este autorizar o desconto das parcelas devidas diretamente na sua folha de pagamento, durante determinado período, a fim de saldar seu débito integral (BARRETO, 2011, p. 47).

De acordo com a supracitada autora, a lei do empréstimo consignado “estabeleceu para a população a possibilidade de contratação de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil por meio de autorização irrevogável de desconto de prestações em folha de pagamento” (2011, p. 47).

Pode-se, então, afirmar que:

[...] a Lei 10.820/03 – que regula a consignação em pagamento – sob a redação do dispositivo civil supracitado, inicialmente, não desvia da perspectiva do princípio geral da obrigatoriedade das convenções, ao conter, em seu art. 1°, a característica da irretratabilidade. Contudo, não se pode olvidar que em casos excepcionais – como no abuso de direito ou do enriquecimento ilícito – tem-se admitido a flexibilização desta concepção, por meio do princípio da função social do contrato, havendo a revisão dos acordos de longa duração, por meio da intervenção judicial, que por substituir a vontade de uma das partes, deve, prioritariamente, colocar o contrato em bons e atuais limites de cumprimento, sem rescindi-lo. Tal preceito encontra-se esculpido nos arts. 317, 478 e 479 do Código Civil e no art. 6° do estatuto consumerista (BREZOLIN FERREIRA, 2008, p. 13 e 14).

Em julho de 2013, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS - mudou as regras de contratação com o objetivo de evitar fraudes e endividamentos excessivos. Os descontos indevidos nos benefícios serão suspensos e, a margem consignada, bloqueada até que o INSS apure a denúncia (SASSE, 2013, online).

Segundo Julia Wiltgen:

O percentual da renda comprometido com o empréstimo suspenso ficará bloqueado para a obtenção de novos empréstimos até que o caso seja solucionado. Assim, se 10% da renda estivessem comprometidos com um empréstimo consignado, e este fosse denunciado como indevido ao INSS, a margem de 10% ficaria bloqueada até a apuração ser finalizada (2013, online).

O contrato de mútuo bancário em discussão, conforme a lei que o instituiu, é irretratável e irrevogável. Ou seja, após firmado, as partes não poderão desfazer unilateralmente o negócio jurídico.

Objetivando evitar o superendividamento do consumidor, o legislador limitou o montante máximo que pode ser descontado mensalmente dos vencimentos do mutuário.

Complementa Barreto:

O limite de desconto permanece no percentual de 30% (trinta por cento) da verba do benefício, excluídas as consignações obrigatórias e voluntárias, sendo dividido no montante de 20% (vinte por cento) para empréstimo pessoal e de 10% (dez por cento) para cartão de crédito, e podendo ser amortizado no máximo em 60 vezes (art. 3°, § 1°, da Instrução Normativa n° 28/08). (BARRETO, 2011, p. 49).

O crédito consignado pode ter um poder excepcionalmente vulnerante sobre o consumidor e, inclusive, como já visto, existem grupos que, por sua natureza, são mais vulneráveis que o restante da população. Trata-se dos hipervulneráveis, que contém a figura do consumidor idoso, “o qual demanda uma proteção mais intensa, e melhor atenção do Estado para algumas formas de contratação, em que a idade se apresenta como fator de vulnerabilidade mais aguda” (SCHMITT, 2008, online).

A instituições financeiras encontraram no idoso um nicho de mercado especialmente lucrativo, onde o consumidor é aposentado ou pensionista e, caso firme o contrato de mútuo, o risco de prejuízo é mínimo.

O idoso confia na instituição financeira e firma o contrato sem a certeza da possibilidade de arcar com os descontos originados do contrato. Nesse sentido, Barreto explica que “geralmente, a pessoa visualiza naquela oportunidade de crédito a solução dos seus problemas, e, aderindo ao contrato, confia na boa-fé e na palavra do vendedor” (BARRETO, 2011, p. 54).

A hipervulnerabilidade afeta o idoso no momento da contratação do crédito consignado e isso faz com que ele efetive o contrato de mútuo sem a necessária preocupação com o ônus daquele contrato.

Além disso, o representante da instituição financeira é remunerado por comissão por contrato firmado. Há um incentivo financeiro para que o vendedor force o consumidor a firmar o contrato e isso, evidentemente, o leva a não ter o necessário interesse em alertar o mutuário dos riscos e ônus da contratação.

Barreto (apud Oliveira) explica que:

Os idosos, que apresentam redução em sua capacidade de julgamento, são mais fáceis de ser iludidos e conduzidos à aquisição do crédito. A omissão da informação do quantum de juros, substituída pela disponibilização da informação de juros "mais baixos", atrai esse consumidor, sem que tenha plena consciência dos malefícios do contrato que está prestes a firmar (2010, online).

A autora complementa que também é motivo relevante à contratação, a coação psicológica e emocional feita pelos familiares do consumidor idoso, que são indiferentes acerca do bem-estar do indivíduo, desejando somente satisfazer próprio desígnio (2011, p. 55).

Certamente o contrato de mútuo bancário é bastante atrativo e, não necessariamente, findará por superendividar o consumidor idoso. Na verdade, o idoso, mesmo sendo demasiadamente vulnerável, pode encontrar no empréstimo consignado a única saída de uma crise financeira existente em sua vida. É importante que se tenha o devido cuidado no ato da contratação para evitar a aquisição de dívidas incompatíveis com sua condição financeira.

Percebe-se que, estando o idoso endividado, a forma mais atrativa para solucionar o problema é o crédito consignado, pois para a concessão deste a instituição financeira não exige que o consumidor esteja com o “nome limpo”, basta apenas que seja aposentado, pensionista ou que a empresa ou órgão que o indivíduo trabalha possua convênio com a instituição financeira para a consignação em folha de pagamento. (2014, Banco do Brasil, online).

Como o crédito consignado pode consumir até 30% (trinta por cento) dos vencimentos do idoso e, considerando a hipótese deste empréstimo ter sido efetivado com o intuito de quitar outras dívidas e retirar a restrição existente no nome do consumidor junto às instituições de proteção ao crédito, então pode o consumidor passar novamente a se endividar.

Com o novo endividamento e com o débito oriundo do contrato de mútuo, o consumidor não terá mais meios de manter-se. Ele estará superendividado e não terá mais crédito nem recursos financeiros para se manter com dignidade.

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Sobre o autor
Igor de Alencar Salgado

Especialista em Direito e Processo do Trabalho e em Processo Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALGADO, Igor Alencar. Aspectos do superendividamento do consumidor idoso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7237, 25 abr. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36742. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade 7 de Setembro, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Professora orientadora: Ms. Ângela Teresa Gondim Carneiro Chaves.

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