Promulgada a Lei 13.106/15 surgem as costumeiras manchetes jornalísticas desinformativas, marcadas pela falta de conhecimento e, especialmente, pela falta de cuidado e responsabilidade na divulgação de notícias. Uma das que mais chama a atenção é a que afirma: “Agora é proibido vender bebidas alcoólicas a menores no Brasil” (sic) (grifo nosso).
Agora? Para dizer o mínimo, pelo menos desde 1941 isso já é proibido e tipificado como Contravenção Penal nos termos do artigo 63, I, da Lei de Contravenções Penais (Decreto – Lei 3688/41).
O desserviço que a imprensa presta no Brasil e no mundo todo ao divulgar notícias sobre assuntos que requerem algum conhecimento técnico sem tomar o cuidado mínimo de consultar previamente algum especialista (verdadeiro, não pseudoespecialistas que surgem no próprio meio jornalístico) é incomensurável.
Fato é que é sabido que o comércio ou o ato de servir bebidas alcoólicas a menores de 18 anos teve previsão como Contravenção Penal, conforme acima consignado. Portanto, a preocupação do legislador pátrio com a questão não é novidade alguma.
Em obra clássica sobre o tema das Contravenções Penais, já aduzia Duarte a respeito do artigo 63, I, LCP:
“Tem-se em vista submeter a uma disciplina severa o consumo público de bebidas alcoólicas, fora dos casos em que a lei permite o livre comércio. Cura-se de sua inconveniente ministração ratione personae”. [1]
Entre 1941 e 1990 não havia qualquer dúvida quanto à proibição de servir bebidas alcoólicas a menores de 18 anos e inclusive quanto à tipificação legal de tal conduta que configurava a Contravenção Penal sobredita.
No ano de 1990 vem a lume o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e em seu artigo 243, prevê um crime com os seguintes dizeres:
“Art. 243. Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida”.
Essa conduta é erigida a crime e, consequentemente, há um agravamento da reprimenda legal, de modo que a pena contravencional de “prisão simples de 2 meses a 1 ano, ou multa” é suplantada pela pena criminal de “detenção, de 2 a 4 anos e multa”.
A partir desse fato, iniciam-se algumas celeumas jurídicas. Em primeiro plano é preciso saber que o crime previsto no artigo 243 do ECA não se confunde com o crime equiparado a hediondo do Tráfico de Drogas, hoje previsto no artigo 33 da Lei 11.343/06. O crime do artigo 243 do ECA é e sempre foi subsidiário, sendo essa subsidiariedade expressa, vez que em seu preceito secundário sempre constou a expressão “se o fato não constitui crime mais grave”, logo após a pena. Evidente que essa subsidiariedade expressa tem e sempre teve um alvo certo, qual seja, exatamente o Tráfico de Drogas. Para configuração do tráfico é necessário que a substância que causa dependência seja proscrita, proibida no Brasil, como, por exemplo, a maconha, a cocaína, o crack, o LSD etc. Já o artigo 243 do ECA é voltado para drogas lícitas, as quais podem, em regra, ser comercializadas normalmente. Apenas encontram óbices quando o adquirente é menor. Seriam exemplos as bebidas alcoólicas, o tabaco, o éter, a acetona, a cola de sapateiro, entre outras.
No sentido acima se manifesta Tavares em doutrina especializada:
“Entende-se, assim, que o art. 243 prevê crime na conduta de quem proceda ao abastecimento de produtos que são legalmente comercializados ao público em geral, menos a crianças e adolescentes, por lhes provocarem o vício condenável”. [2]
Feita essa importante distinção, pode-se partir para o conflito entre o artigo 243 do ECA e o artigo 63, I, LCP no que tange especificamente ao exemplo das “bebidas alcoólicas”. A partir da edição da Lei 8.069/90 esse comércio envolvendo menores poderia encontrar abrigo tanto no crime do ECA, como na antiga contravenção penal. A diferença era que a redação do dispositivo do ECA era geral, sem fazer menção expressa às bebidas alcoólicas, as quais entrariam num rol de substâncias variadas que podem causar dependência. Por outro lado o artigo 63, I, LCP fazia menção expressa e direta às bebidas alcoólicas.
Nesse contexto, houve quem entendesse, a nosso ver acertadamente, que ocorrera uma revogação tácita do artigo 63, I, LCP pelo artigo 243 do ECA. Tendo em vista a sucessão de normas penais no tempo e sendo o ECA lei posterior em relação à LCP, a revogação se impunha. É certo que não houve revogação expressa, mas a lei posterior tratava inteiramente da matéria de que tratava a lei anterior, tanto que no dispositivo do ECA poderiam ser enquadradas várias outras substâncias além das bebidas alcoólicas (inteligência do artigo 2º., § 1º., da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). O que teria acontecido é que a antiga contravenção penal teria se convolado em crime. Uma “novatio legis in pejus”. [3]
Entretanto, esse pensamento não logrou unanimidade. Duas outras posturas o afastavam:
a)Uma primeira afirmava que o artigo 243 do ECA até poderia ser uma “novatio legis in pejus” em relação à antiga contravenção penal. Não obstante, seria uma norma inaplicável porque se tratava de uma norma penal em branco a depender de regulamentação que explicitasse quais seriam os tais “produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida”. Como essa norma complementar nunca surgiu o tipo penal seria inútil e então somente com relação às bebidas alcoólicas é que se teria uma reação penal de acordo com a vetusta contravenção prevista no artigo 63, I, LCP. Para essa linha de pensamento não se poderia lidar com os acontecimentos casuisticamente, ou seja, simplesmente apreendendo o produto suspeito e o submetendo a exame pericial toxicológico que determinaria se causa ou não dependência, independentemente de não ser proscrito por normativa do Ministério da Saúde.
Veja-se, a título de exemplo, a manifestação de Tavares:
“A autoridade pública terá que emitir o conceito de produtos que, embora não sejam os previstos na legislação contra entorpecentes e drogas afins, sejam, entretanto, vedados à população infanto – juvenil.
Norma penal em branco, no conceito dos criminalistas, e que para ter eficácia carece de complementação a ser feita por serviço sanitário oficial. O Ministério da Saúde terá que definir a natureza dos produtos designadamente como causadores desse tipo de dependência na faixa etária inferior a 18 anos, a clientela específica.
Sem isso, a norma incompleta não será aplicada, pois ninguém pode ser apenado por ato que não esteja previamente tipificado como crime. Em respeito ao princípio da reserva legal, garantia democrática da Constituição, e do Código Penal brasileiro”. [4]
b)Outra corrente de pensamento, embora não considerando o artigo 243, ECA como uma norma penal em branco, defendia o entendimento de que ao não fazer menção expressa às bebidas alcoólicas em seu corpo tal dispositivo não teria revogado o artigo 63, I, da LCP. Além disso, por fazer alusão expressa às bebidas alcoólicas na parte administrativa do mesmo diploma (Lei 8.069/90 – artigo 81, II), teria o legislador pretendido tratar a questão do álcool no ECA apenas sob o prisma administrativo e não penal. Dessa forma, também permaneceria incólume a contravenção penal do artigo 63, I, LCP.
Em obra específica de comentário ao Estatuto da Criança e do Adolescente, Riezo, traz à colação diversas decisões de Tribunais de Justiça e inclusive do STJ, com base nos argumentos supra, indicando que “a venda de bebidas alcoólicas a crianças e adolescentes não configura o tipo penal do artigo 243, do ECA, mas sim a contravenção penal do artigo 63, I do DL 3.688/41”. [5]
Como afirmado no início, entendemos que essas duas interpretações sempre foram equivocadas. A consideração do artigo 243 do ECA como norma penal em branco é um absurdo porque caberia então, talvez ao Ministério da Saúde, elaborar uma Portaria ou Resolução, arrolando todas as substâncias que, ainda que por uso indevido, possam causar dependência. Ora, isso é humanamente impossível e essa listagem seria infinita. Uma simples visita a uma indústria química que produza um produto específico já daria um trabalho interminável para a catalogação de eventuais substâncias. Então, para afastar essa hipótese esdrúxula, bastaria levar em conta um velho brocardo principiológico geral do Direito: “ad impossibilia nemo tenetur” (“não se pode exigir o impossível de ninguém”). Com relação ao entendimento que advoga a não revogação pela inexistência de menção expressa às bebidas alcoólicas e sua previsão expressa como infração administrativa, há que afirmar, sem peias, que somente pode partir de pessoas que não atentaram minimamente para o regramento do ato ilícito. Isso porque a afirmação de que a previsão como infração administrativa obsta a previsão como infração penal, tal qual uma espécie de “bis in idem”, é totalmente insustentável. Sabe-se que o ato ilícito pode ser penal, administrativo e civil e que cada uma dessas esferas é independente, de modo que a sanção em uma delas não impede de forma alguma a sanção em outra. Apenas a título de exemplo: se um sujeito dirige embriagado e colide num muro residencial, causando danos. Pois bem, ele responde penalmente pelo artigo 306, CTB, sofre multas e suspensão de CNH, bem como apreensão do veículo como medidas punitivas administrativas e, finalmente, é responsável pela indenização ao dono da residência cujo muro destruiu (responsabilidade civil). Não há “bis in idem”. Há aplicação das responsabilidades respectivas por atos ilícitos em distintas searas que não são e nunca foram excludentes. Por outro lado é mais que evidente que o legislador na época não fez menção expressa às bebidas alcoólicas porque queria abranger um universo maior de produtos no qual, sem a menor dúvida, estavam estas. Na estranha construção sob comento haveria ainda uma violação tremenda da proporcionalidade. Vejamos: a venda de um cigarro a um menor configuraria crime nos termos do artigo 243, ECA. Já a venda de duas garrafas de cachaça seria mera contravenção penal! Nesse passo então melhor seria a não previsão do artigo 243, ECA e até mesmo sua consideração como norma penal em branco, pois que pelo menos nesse caso haveria apenas a sanção às bebidas alcoólicas, sem a desproporção acima indicada.
Quando se lida com uma ciência “dura” ou da “natureza”, como a física, a química etc., erros de interpretação ou cálculo similares aos acima expostos não prosperam porque a aplicação prática da hipótese logo demonstra sua insustentabilidade de forma bem eloquente: o laboratório explode, o carro não anda ou não para, o foguete cai no mar ao invés de chegar ao seu destino estelar etc. Porém, no campo das ciências humanas ou das ciências sociais aplicadas o mesmo não ocorre e erros grosseiros podem sim prosperar cegamente por tempos sem que sua crítica seja acatada. Pois foi exatamente o que ocorreu com a interpretação que preponderou em relação ao artigo 243 do ECA e ao artigo 63, I, LCP, tendo em vista o comércio de bebidas alcoólicas envolvendo menores.
Prevaleceu, inexplicavelmente, a tese de que, mesmo após o advento do artigo 243 da Lei 8069/90, no que tange às bebidas alcoólicas, permanecia em vigor a contravenção penal do artigo 63, I, LCP. O artigo 243, ECA não atingia, segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial dominante, o problema das bebidas alcoólicas. Foram seguidos cegamente os raciocínios tortuosos acima elencados.
Frise-se que a culpa quanto a isso não foi do legislador, mas sim da própria doutrina e dos operadores do direito que fizeram uma interpretação absolutamente inviável da norma que era clara e evidente. Contudo, uma culpa é atribuível ao legislador. Ela se refere à demora em sua reação a essa aplicação espúria de seu comando. Entre o vigor do artigo 243 do ECA (1990) e a elaboração da Lei 13.106/15 permeiam aproximadamente 25 anos! Este é um “tempo de reação” um tanto quanto lento e dilatado não é?
Pois bem, mas como ensina o dito popular, “antes tarde do que nunca”. Enfim veio a lume a Lei 13.106/15 que reescreveu de forma induvidosa o texto do artigo 243 do ECA, mencionando com todas as letras as “bebidas alcoólicas” e sanando de uma vez por todas qualquer dúvida porventura existente de que a conduta é criminosa e não meramente contravencional. Eis o novo texto:
“Art. 243. Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica” (grifo nosso).
Agora já ninguém pode pretender afirmar que a lei não faz menção expressa e clara às “bebidas alcoólicas”. Ademais, para não restar qualquer margem de questionamento, muito bem agiu o legislador, revogando expressamente o inciso I do artigo 63, LCP (artigo 3º., da Lei 13.106/15). Doravante, o fornecimento de bebidas alcoólicas a menores configura o crime do artigo 243 do ECA e jamais qualquer contravenção penal. Além disso, o dispositivo continua contemplando “outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica”.
Com a nova redação também a tese da suposta norma penal em branco cai por terra. Isso porque fica evidente a aplicação pela lei da chamada “interpretação analógica” em que um ou mais exemplos casuísticos são apresentados, seguidos por uma fórmula genérica cuja concreção se dá por similitude aos exemplos expressos. No caso do artigo 243, ECA as bebidas alcoólicas são o exemplo casuístico e os demais produtos constituem a fórmula genérica de encaixe para substâncias como a cola de sapateiro, o éter, a acetona, o cigarro etc. A seleção é feita pelo interprete e aplicador da norma mediante uma comparação com o exemplo casuístico. Destaque-se que a “interpretação analógica” não pode ser confundida com “analogia”, a qual, aliás, é vedada, ao menos “in malam partem” no Direito Penal.
Segundo escólio de Greco:
“Interpretação analógica quer dizer que a uma fórmula casuística, que servirá de norte ao exegeta, segue-se uma fórmula genérica”. [6]
Essa técnica da interpretação analógica é largamente utilizada nos casos, por exemplo, de homicídios qualificados quando o legislador, nos incisos do artigo 121, § 2º., CP, inicia dando exemplos casuísticos e encerra sempre com uma fórmula genérica. Veja-se o caso do inciso I do § 2º. do artigo 121, CP: “mediante paga ou promessa de recompensa” (exemplos casuísticos) ou por “outro motivo torpe” (fórmula genérica para casos não expressamente previstos, mas que tenham o mesmo grau de reprovabilidade motivacional de matar por dinheiro ou cupidez).
De agora em diante, não há dúvida da desnecessidade de uma tabela de substâncias fornecida por algum órgão governamental. As bebidas alcoólicas já estão expressamente descritas no tipo e os demais produtos serão aferidos caso a caso. Em todas as ocorrências o produto e mesmo a bebida supostamente alcoólica deverá ser apreendido e submetido a exame químico toxicológico para sua devida descrição em termos de composição, bem como conclusão quanto à sua capacidade de ocasionar dependência física e/ou psíquica, ainda que seja por uso indevido.
Entendemos que a prisão em flagrante nesses casos somente é viável se houver possibilidade de emissão imediata do laudo toxicológico. Caso contrário deverá ser lavrada a ocorrência e tomadas as medidas para o exame respectivo. Com a chegada do laudo conclusivo é que se poderá proceder à instauração do respectivo Inquérito Policial. Isso porque não há previsão no ECA (Lei 8069/90) nem mesmo no CPP de eventual “laudo de constatação provisória” como ocorre, por exemplo na Lei de Drogas (Lei 11.343/06 – artigo 33, § 1º.).
Com o advento da Lei 13.106/15 continua intacta a conclusão de que o artigo 243, ECA não constitui Tráfico de Drogas e se refere a drogas lícitas que sejam fornecidas a menores. As drogas ilícitas fornecidas a menores configuraram infração ao artigo 33 c/c 40, VI da Lei 11.343/06 (há previsão de aumento de pena – artigo 40, VI – quando o tráfico de drogas ilícitas envolve ou visa menores). Ademais o Tráfico de Drogas é crime equiparado a hediondo nos termos do artigo 5º., XLIII, CF c/c artigo 2º., da Lei 8.072/90, o que não alcança de forma alguma o artigo 243 do ECA. Este permanece como crime subsidiário expresso se distinguindo nitidamente do tráfico de drogas.
Também o “quantum” da pena não foi alterado pela Lei 13.106/15, permanecendo no patamar de “detenção, de 2 a 4 anos e multa”. Não se trata de crime hediondo, como já visto, mas também não se trata de infração penal de menor potencial ofensivo, pois que a pena máxima é maior do que 2 anos (inteligência do artigo 61 da Lei 9099/95). Pode-se dizer que é uma infração de “médio potencial ofensivo” de acordo com a classificação doutrinária corrente.
O crime também permanece como de conteúdo variado, ação múltipla ou tipo misto alternativo, vez que contempla vários verbos: vender, fornecer, servir, entregar, ainda que gratuitamente. A novidade nos verbos é tão somente a conduta de “servir” que não era prevista na anterior redação.
Mantido ainda o “elemento normativo do tipo” contido na expressão “sem justa causa”. Perceba-se que esse elemento normativo só é aplicável às outras substâncias, pois que é impossível haver alguma “justa causa” para fornecer bebida alcoólica a menores. No caso de outras substâncias pode haver, por exemplo uma necessidade clínica de uso de uma droga medicamentosa, dentre outras situações a serem avaliadas em cada caso concreto.
Como crime plurissubsistente admite a tentativa. Pode também ocorrer em certos casos concretos um erro de tipo quanto à idade da pessoa a quem se fornece a bebida ou outra substância imprópria para menores. Para a configuração da infração deve ser comprovado que o agente sabia da menoridade da pessoa a quem forneceu o produto ou que, pelo menos, assumiu o risco de fornecer o produto a um menor. Por exemplo, em casos duvidosos, não exigindo a apresentação de documento de identidade.
Esse reconhecimento da possibilidade do erro de tipo não é novidade e já ocorria com a aplicação casuística do ora revogado artigo 63, I, LCP, conforme bem lembra Sznick. [7]
A concomitância da punição administrativa com a penal é explícita quando a Lei 13.106/15 dá redação ao artigo 258 – C do ECA (Lei 8069/90), prevendo penalidade pecuniária administrativa (multa) e interdição do estabelecimento sempre que houver infração à proibição contida no artigo 81, II do mesmo diploma, ou seja, a vedação administrativa de fornecimento de bebidas alcóolicas a menores (vide artigo 2º., da Lei 13.106/15). Novamente o legislador atua bem, deixando clara sua noção quanto à abrangência do ato ilícito que pode muito bem ocorrer simultaneamente nos campos penal e administrativo sem qualquer infração à regra do impedimento de dupla apenação pelo mesmo fato (“non bis in idem”).
A Lei 13.106/15 entrou em vigor na data de sua publicação (17.03.2015) e só poderá ser aplicada aos casos ocorrentes a partir de tal data. Isso porque constitui “novatio legis in pejus” em relação à situação anterior, ao menos tendo em vista a interpretação predominante doutrinária e jurisprudencialmente que apontava para a prevalência da contravenção penal prevista no ora revogado artigo 63, I, LCP. Isso diz-se em relação às “bebidas alcoólicas”, porque quanto aos demais produtos, nada se alterou, tratando-se de mera “continuidade normativo típica pura”, nem “novatio legis in pejus”, nem “novatio legis in mellius”. A única exceção neste caso dos demais produtos é a do verbo “servir” que não era anteriormente previsto e então somente poderá ser aplicado daqui em diante.
Conclui-se, portanto, que a Lei 13.106/15 é uma iniciativa louvável, vez que vem aclarar de forma definitiva e escorreita uma celeuma jurídica que se arrastava há aproximadamente 25 anos e que, infelizmente tendia, por obra dos próprios juristas e operadores do Direito, a uma solução inadequada. A Lei 13.106/15 põe cobro a quaisquer dúvidas e adota o sistema que deveria ter prevalecido já há muito tempo.
REFERÊNCIAS:
DUARTE, José. Comentários à Lei de Contravenções Penais. Volume II. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958.
FRANCO, Alberto Silva, et al. Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: RT, 1995.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Volume I. 17ª. Ed. Niterói: Impetus, 2015.
SZNICK, Valdir. Contravenções Penais. 2ª. Ed. São Paulo: LEUD, 1991.
JESUS, Damásio Evangelista de. Lei das Contravenções Penais Anotada. 2ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
RIEZO, Fernão Barbosa. Prática do Estatuto da Criança e do Adolescente. 18ª. Ed. São Paulo: Tradebook, 2011.
TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
Notas
[1] DUARTE, José. Comentários à Lei de Contravenções Penais. Volume II. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense1958, p. 309. Anote-se que a primeira edição dessa obra data de 1944.
[2] TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 193.
[3] Este foi o entendimento apresentado por Silva Franco, Silva Júnior, Betanho, Coltro, Stoco, Feltrin e Ninno, ainda citando Renato Cramer Peixoto. Cf. FRANCO, Alberto Silva, et al. Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: RT, 1995, p. 387.
[4] TAVARES, José Faria. Op. Cit., p. 193.
[5] RIEZO, Fernão Barbosa. Prática do Estatuto da Criança e do Adolescente. 18ª. Ed. São Paulo: Tradebook, 2011, p. 1060 -1064.
[6] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Volume I. 17ª. Ed. Niterói: Impetus, 2015, p. 90.
[7] SZNICK, Valdir. Contravenções Penais. 2ª. Ed. São Paulo: LEUD, 1991, p. 310. No mesmo sentido, apresentando diversos julgados: JESUS, Damásio Evangelista de. Lei das Contravenções Penais Anotada. 2ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 210 – 211.