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Contradições do ajuste fiscal

03/04/2015 às 13:38
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Buscar o equilíbrio das contas públicas apenas pelo aumento da receita, sem se preocupar com o corte de despesas improdutivas ou inúteis é um grande equívoco.

O ajuste fiscal anunciado pelo novo Ministro da Fazenda encerra contradição, se analisado no contexto global.

Em sutil crítica à política de desoneração fiscal comandada pelo Ministro Mantega disse que seu antecessor andava na quarta marcha e engasgava na subida, quando pisava no acelerador. Asseverou o novo Ministro que andará sempre na segunda marcha para evitar que o motor da economia engasgue.

Pelo que vejo da parte do pacote fiscal já executado (elevação ao dobro do IOF e retorno da CIDE) e outra parte a executar (forte taxação do setor de cosméticos) a segunda marcha significa possibilidade e probabilidade de acelerar o peso da carga tributária a qualquer momento, sempre que houver desequilíbrio das contas públicas, qualquer que seja a causa desse desequilíbrio. É o mesmo que andar em segunda marcha no plano, na descida e na subida. É prejuízo na certa para o proprietário do veículo.

Buscar o equilíbrio das contas públicas apenas pelo aumento da receita, sem se preocupar com o corte de despesas improdutivas ou inúteis[1] é um grande equívoco. É a política de atirar no que vê. Assim, os cortes anunciados no lado da despesa pública acaba atingindo benefícios trabalhistas e previdenciários (redução da pensão; aumento do prazo para concessão de auxílio doença, redução do salário-desemprego etc.).

Essa política fiscal, aplaudida por parcela dos estudiosos da economia é contraditória.

Ao mesmo tempo em que se pretende agravar o nível de tributação já saturada, a Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, prorroga uma quantidade enorme de desonerações tributárias[2] até o final do atual governo, isto é, até 2018, nas áreas do Imposto de Renda, CSLL, IPI , PIS/PASEP-COFINS e PIS/PASEP-importação e COFINS-importação. Outrossim, alarga os incentivos fiscais existentes, favorecendo a importação e comercialização de produtos consistentes em partes utilizadas em aerogeradores e beneficiando  o setor de bebidas frias. Essa Lei, ao enumerar as prorrogações de incentivos fiscais outorgados por infindáveis instrumentos normativos,  tem a grande virtude de trazer à tona  tantos favores fiscais concedidos em diferentes momentos por instrumentos normativos casuísticos, com impressionantes detalhes técnicos para sua fruição. Benefícios atentatórios ao princípio da isonomia que não eram visíveis, agora, tornaram-se transparentes.  São os incentivos fiscais personalizados que a todos espantam pela quantidade incrível.

Dir-se-á que o atual Ministro da Fazenda não participou das deliberações do governo que resultaram na outorga daqueles favores fiscais  e nem da proposta de prorrogação daqueles benefícios personalizados até o final do exercício de 2015.

Isso é certo, mas é irrelevante para demonstrar as contradições do governo na política de ajuste fiscal. O que está acontecendo é apenas a política de vestir um santo e desvestir outro. O florescente setor de cosmético em que o Brasil  conquistou o 3º lugar no ranking mundial, ultrapassando o Japão que passou a figurar em 4º lugar,[3] foi eleito para ceder suas vestes a contribuintes de outros setores.

Enquanto não houver governança, que pressupõe capacidade de o governo planejar, formular e programar políticas públicas e sobretudo de dar execução fiel ao programado para o exercício,  as contradições do governo continuarão. A ação isolada de um Ministro, por mais capaz e competente que ele seja não resultará no equilíbrio orçamentário, no alcance da meta do superávit primário previsto para 2015 e no desejado crescimento econômico. O ano de 2015, como nos anos anteriores, será mais um ano de sacrifícios inúteis para a parcela da população diretamente atingida pelo pacote de ajuste fiscal e o restante da sociedade indiretamente atingida pela repercussão econômica do encargo tributário agravado. Basta atentar para a execução orçamentária do exercício findo, onde se verifica que as verbas dotadas para setores essenciais, como educação, cresceram bastante em relação aos anos anteriores, mas as despesas efetivamente executadas não passaram de 77% do orçado. Posto que  houve excesso de arrecadação[4] é de se perguntar, onde foram parar  o resto? Ninguém sabe, nem se descobre.


Notas

[1] Os cortes de despesas quando acontecem têm recaído sobre as produtivas ou reprodutivas, isto é,  aquelas que criam utilidades por meio de atuação estatal, ou aquelas destinadas a aumentar a capacidade produtiva do País no longo prazo.

[2] Só a ementa da Lei ocupa uma página.

[3] Em primeiro lugar, os Estados Unidos; em segundo lugar, a China.

[4] Não se confunde com o superávit financeiro que é a diferença positiva entre o ativo financeiro e o passivo financeiro, conjugando-se, ainda, os saldos dos créditos adicionais transferidos e as operações de crédito a eles vinculados.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Contradições do ajuste fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4293, 3 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37646. Acesso em: 22 nov. 2024.

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