EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98. LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADA. CONTAGEM EM DOBRO PARA FINS DE APOSENTADORIA. DIREITO ADQUIRIDO.
"O direito subjetivo: é um direito que existe em favor de alguém e que pode ser exercido por esse alguém. É, pois, um direito exercitável segundo a vontade do titular e exigível na via jurisdicional quando seu exercício é obstado pelo sujeito obrigado à prestação correspondente." (...)
"Se o direito subjetivo não foi exercido, vindo a lei nova, transforma-se em direito adquirido, porque era direito exercitável e exigível à vontade de seu titular. Incorporou-se no seu patrimônio, para ser exercido quando lhe conviesse. A lei nova não pode prejudicá-lo, só pelo fato de o titular não o ter exercido antes. (...)
"O direito subjetivo vira direito adquirido quando lei nova vem alterar as bases normativas sob as quais foi constituído". (...)
"A lei nova não se aplica a situação subjetiva constituída sob o império da lei anterior." (JOSÉ AFONSO DA SILVA).
Ainda que o servidor público não tenha completado o tempo de serviço necessário para aposentar-se antes da Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.98, tem direito adquirido (direito subjetivo) a contar em dobro, em conformidade com as leis anteriores, o tempo de serviço correspondente à licença-prêmio não gozada, porque este direito não pode ser desrespeitado por força de mera interpretação de conveniência de emenda constitucional posterior.
É que o direito ao gozo ou ao cômputo em dobro é direito potestativo do servidor, que era, como é, irrecusável, pois independia, como ainda independe, para ser exercido, de qualquer condição ou do arbítrio de quem quer que seja.
A emenda constitucional, conforme reiteradamente afirmado pela doutrina mais autorizada e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não pode desrespeitar os direitos adquiridos, sendo, aliás, vedado até seu processamento nesta hipótese.
Não há confundir o direito à aposentadoria, cujo tempo de serviço não haja sido completado antes da Emenda Constitucional nº 20, com o direito adquirido antes, a contar em dobro, o tempo de licença-prêmio não usufruído pelo servidor, pois este é independente do novo tempo e das novas regras exigidas para aposentar-se.
Há limitações materiais ao poder de reforma constitucional, conhecidas como cláusulas pétreas, previstas no § 1º do art. 60 da Lei Maior, onde se proíbe a apreciação de emenda tendente a abolir: "I a forma federativa de Estado; II o voto direto, secreto, universal e periódico; III a separação dos Poderes; IV os direitos e garantias individuais".
O Parecer é no sentido do deferimento de deferimento da segurança impetrado por servidores que tiverem o direito ao cômputo em dobro do período de licença-prêmio não gozado.
A QUESTÃO DE QUE SE TRATA
Em 16 de dezembro de 1998, foi publicada a Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, que modificou o sistema de previdência social, estabelecendo, entretanto, regras de transição e adotando outras providências.
O art. 1º da referida Emenda alterou vários dispositivos da Constituição Federal, dentre os quais o art. 40, ao qual ficou acrescido o § 10, assim redigido:
"Art. 40 (...)
"§ 10 A lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício."
Interpretando este dispositivo, a Administração Pública, desde logo, proibiu, sem qualquer ressalva, o cômputo do tempo de licença-prêmio não gozada em dobro, ignorando e desrespeitando, de imediato, o que assegurava a legislação pretérita, a não ser que o servidor já houvesse, em 16 de dezembro de 1998, implementado o tempo de serviço necessário à aposentadoria, única hipótese em que, por incrível que pareça, lhe foi reconhecido o direito adquirido ao cômputo em dobro do período de licença-prêmio ainda não usufruído.
O entendimento oficializado na Administração Pública é, em síntese, no sentido de que "os servidores que implementaram o tempo para a sua inativação após a data da publicação da Emenda Constitucional nº 20 (16.12.98), não poderão utilizar a licença-prêmio não gozada para a contagem do tempo em dobro, conforme previa o art. 5º da Lei nº 8.162/91. Este benefício foi suprimido pelo art. 4º da referida Emenda Constitucional e corroborado pela CISET/MJ, através do Parecer nº 05/99" (Parecer nº 373/99-SLP/CP, de 23.04.99, do Serviço e Pareceres de Legislação, do Departamento de Polícia Federal).
Também sobre o assunto, há o Parecer nº 5, de 11.03.1999, Secretaria Federal de Controle, que assim interpretou a matéria:
VEDAÇÃO PARA UTILIZAÇÃO DO TEMPO DA LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADA PARA APOSENTADORIA ANTE A PUBLICAÇÃO DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20.
A Delegacia Federal de Controle no Ceará, por intermédio do Memorando nº 0059/99/DIPES-DFC/CE, de 04.03.99, solicita esclarecimentos desta Coordenação sobre o cômputo do tempo da licença-prêmio não gozada para aposentadoria, ante a edição da Emenda Constitucional nº 20 DOU de 16.12.98.
2. A dúvida existente refere-se ao fato de o art. 4º da citada Emenda estabelecer que:
"Art. 4º Observado o disposto no art. 40, § 10, da Constituição, o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria cumprido até que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição."
3. Assim, alegam os órgãos de Recursos Humanos que estaria garantido o direito a quem já o tivesse adquirido pela legislação até então vigente, até que fosse editada lei que disciplinasse a matéria. Tal entendimento só teria respaldo se não estivesse contido em tal artigo a ressalva: "Observando o disposto no art. 40, § 10, da Constituição". Ou seja, qualquer tempo de serviço considerado pela legislação até então vigente deve ser considerado, com a ressalva de observar-se o disposto no § 10 do art. 40, que assim estabelece:
"§ 10. A lei não poderia estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício.
4. Logo, ante a vedação expressa de que o legislador não poderia estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício, não há como se computar este tempo o fictício, a não ser que o servidor já tivesse tempo de serviço para aposentar-se em 15.12.98, quando lhe foi assegurado por intermédio do art. 3º da citada Emenda, o direito de contagem de tempo de serviço na legislação então vigente.
5. Tal assertiva é corroborada pelo "Comparativo entre a redação anterior e a redação atual dada pela Emenda Constitucional nº 20", comparativo este publicado no site oficial da Secretaria de Estado da Administração e do Patrimônio (http://www.seap.gov.br ou http://www.mare.gov.br), que no campo das observações/providências assim se refere ao art. 4º da EC nº 20:
"Todo o tempo de serviço considerado para efeito de aposentadoria pela legislação vigente até a publicação da lei que regulamente a aposentadoria, exceto os fictícios (ex: licença-prêmio não gozada em dobro), será contado como tempo de contribuição.
6. Alegam ainda que o cômputo de tal tempo estaria assegurado por já ter se tornado direito adquirido. Contudo, é de notório conhecimento que não há direito adquirido face as disposições constitucionais.
7. Assim, s.m.j., não resta dúvida de que não pode ser computado o tempo de licença-prêmio não gozada para concessão de aposentadoria aos servidores que só tenham completado o interstício legal para sua inatividade após a publicação da Emenda Constitucional nº 20."
Com base neste entendimento, o Serviço Público Federal tem-se considerado impossibilitado de conceder aposentadoria, com inclusão do tempo de licença-prêmio não gozado em dobro, aos servidores que, em razão das novas orientações tenham completado o tempo de serviço para aposentadoria depois de 15 de dezembro de 1998.
A Instrução Normativa nº 5, de 28 de abril de 1999, da Secretaria de Estado da Administração e do Patrimônio, Órgão normatizador do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal - SIPEC, publicada no DOU de 29 de abril de 1999, também exclui o tempo de licença-prêmio não gozada contada em dobro, para fins de concessão de aposentadoria.
A propósito, o Ministro da Previdência e Assistência Social, visando afastar qualquer outra interpretação da Emenda Constitucional nº20, aprovou o Parecer/CJ/Nº1698/99, da Consultoria Jurídica daquele Ministério, assim redigido:
"DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. ART. 3º DA EMENDA CONSTITUCIONAL N0 20, DE 1998.
Todo e qualquer segurado, seja servidor público ou vinculado ao regime geral de previdência social, inclusive os dependentes, que tenha integralizado todos os requisitos necessários à obtenção da aposentadoria ou pensão até 16 de dezembro de 1998, data da publicação da Emenda Constitucional nº20, de 1998, pode requerer a qualquer tempo a concessão desses benefícios, com base na legislação anterior.
O Departamento de Gestão de Recursos Humanos do Banco Central do Brasil questiona sobre a aplicabilidade do art. 3º da Emenda Constitucional nº20, de 15 de dezembro de 1998, em relação ao termo final que assegura a concessão de aposentadoria ou pensão aos servidores públicos e dependentes, com fundamento na legislação então vigente.
2 - Cita a consulente o caso concreto da servidora (segue-se o nome), que completou vinte e cinco anos de tempo de serviço no dia 16 de dezembro de 1998, e, no entanto, teve seu benefício indeferido, pois o Setor de Recursos Humanos considerou como prazo final a data de 15 de dezembro de 1998.
3 - Dispõe o art. 3º da Emenda Constitucional n0 20, de 1998...(transcrito acima).
4 - Nos termos acima, todo e qualquer segurado, seja servidor público ou vinculado ao regime geral de previdência social, inclusive os dependentes, que tenha integralizado todos os requisitos necessários à obtenção da aposentadoria ou pensão até 16 de dezembro de 1998, data da publicação da Emenda Constitucional nº20, de 1998, pode requerer a qualquer tempo a concessão desses benefícios, com base na legislação anterior, caso venha a ser mais vantajoso.
5 - A cartilha distribuída pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, citada pelo consulente, bem esclarece o limite temporal para preservação de certos direitos à concessão de benefícios previdenciários:
Os segurados do INSS e servidores públicos, que completarem os requisitos necessários à aposentadoria até 16 de dezembro de 1998, poderão se aposentar, em qualquer época, pelas regras anteriores à reforma ou optar pelas regras de transição, se considerarem mais vantajoso.
O servidor que completou os requisitos para se aposentar antes da reforma, contando com licença prêmio em dobro e outros tempos fictícios, continuará gozando desse direito mesmo que solicite a aposentadoria a qualquer tempo a partir de 17 dezembro de 1998.
Servidores públicos e segurados do INSS que não tiverem completado todas as condições necessárias para se aposentar até 16 de dezembro de 1998 terão que cumprir as regras de transição." (DOU, Seção 01, 29/03/99, p. 11).
O entendimento dado pelo MPAS, pela Secretaria de Estado da Administração e do Patrimônio e pela Secretaria Federal de Controle, à Emenda Constitucional nº20, exposto no Parecer que se acaba de transcrever, vem norteando os procedimentos de aposentadoria dentro de diversos outros órgãos da Administração Pública.
AS NORMAS LEGAIS QUE ASSEGURAVAM O DIREITO AO
CÔMPUTO EM DOBRO DO PERÍODO DE LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADO.
Para nós, o entendimento correto não é este.
Dispunha o art. 5º da Lei nº 8.162, de 08.01.91:
"Art. 5º Para efeito de aposentadoria, será contado em dobro o tempo de licença-prêmio a que se refere o artigo 87 da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que o servidor não houver gozado."
Por sua vez, o art. 87 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, dispunha:
"Art. 87 Após cada qüinqüênio ininterrupto de exercício, o servidor fará jus a 3 (três) meses de licença, a título de prêmio por assiduidade, com a remuneração do cargo efetivo."
A licença-prêmio prevista no art. 87 da Lei nº 8.112/90 foi suprimida do ordenamento jurídico a partir da Lei nº 9.527, de 10 de dezembro de 1997, mas seu art. 7º respeitou o direito adquirido, nestes termos:
"Art. 7º Os períodos de licença-prêmio, adquiridos na forma da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, até 15 de outubro poderão ser usufruídos ou contados em dobro para efeito de aposentadoria ou convertidos em pecúnia no caso de falecimento do servidor, observada a legislação em vigor até 15 de outubro de 1.996."
E não poderia ser de outro modo, haja vista as restrições legais a que se sujeitava o servidor, na expectativa do reconhecimento, após longos anos de abstinência, do direito à licença-prêmio, conforme dispunha o art. 88 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, nestes termos:
"Art. 88 - Não se concederá licença-prêmio ao servidor que, no período aquisitivo:
I - sofrer penalidade disciplinar de suspensão;
II - afastar-se do cargo em virtude -
a) licença por motivo de doença em pessoa da família, sem remuneração;
b) licença para tratar de interesses particulares;
c) condenação a pena privativa de liberdade por sentença definitiva;
d) afastamento para acompanhar cônjuge ou companheiro.
"Parágrafo único. As faltas injustificadas ao serviço retardarão a concessão da licença prevista neste artigo, na proporção de 1 (um) mês para cada falta."
Antes, dispunham os arts. 116 e 116 da Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952:
"Art. 116. Após cada decênio de efetivo exercício, ao funcionário que a requerer, conceder-se-á licença especial de seis meses com todos os direitos e vantagens do seu cargo efetivo.
"Parágrafo único. Não se concederá licença especial se houver o funcionário em cada decênio:
"I sofrido pena de suspensão;
"II faltado ao serviço injustificadamente ... (Vetado) ...
"III gozado licença:
a. "para tratamento de saúde por prazo superior a 6 meses ou 180 dias consecutivos ou não;
b. "por motivo de doença em pessoa da família, por mais de 4 meses ou 120 dias;
c. "para o trato de interesses particulares;
d. "por motivo de afastamento do cônjuge, quando funcionário ou militar, por mais de três meses ou noventa dias.
"Art. 117. Para efeito de aposentadoria será contado em dobro o tempo de licença especial que o funcionário não houver gozado."
Vistas tais normas legais pretéritas, interessa, desde logo, verificar se o servidor que não gozou da licença-prêmio tem direito adquirido ao respectivo gozo ou a contar em dobro o período não gozado, para fins de aposentadoria.
Para tanto, em primeiro lugar, deve-se indagar acerca do que vem a ser o direito adquirido.
SOBRE O DIREITO ADQUIRIDO E SUA DEFINIÇÃO DOUTRINÁRIA
Conforme vimos, direito ao cômputo em dobro, para fins de aposentadoria, do período de "licença-prêmio", antes denominada "licença especial", não gozado, trata-se de um direito que, desde 1952, sempre esteve integrado ao patrimônio jurídico do servidor público.
O que releva pesquisar agora é se uma emenda constitucional pode, por via de interpretação, eis que não dispôs expressamente que seria vedado o cômputo em dobro do período de licença-prêmio adquirido e não gozado antes de sua entrada em vigor.
Apesar disso, vimos que o entendimento oficial é no sentido de que a nova emenda constitucional suprimiu o direito de contar em dobro, devendo o período de licença-prêmio não gozado, servir apenas para fins de gozo.
A resposta será negativa a esse entendimento oficial, se realmente se tratar de direito adquirido, pois o princípio geral que domina esta matéria é que nenhuma lei pode ser aplicada retroativamente em prejuízo de ninguém.
Sabe-se que toda lei ingressa no ordenamento jurídico e disciplina interesses relativamente a determinada matéria que já constituiu objeto de regulação por lei anterior. E aí é que surge o denominado direito intertemporal, que é um conjunto de normas doutrinárias que disciplina a aplicação da lei no tempo, destinado a resolver as questões que surgem do confronto entre a lei nova e aquela revogada. Algumas dessas questões encontram solução nas garantias constitucionais da segurança jurídica, visando assegurar a estabilidade dos direitos subjetivos. Outras são resolvidas pelas próprias leis em confronto, por suas disposições de direito transitório.
O princípio da segurança jurídica postula que os direitos subjetivos gerados por uma norma jurídica devem perdurar mesmo após a revogação de tal norma, preservando-se, por força do próprio princípio da estabilidade das relações jurídicas, a situação jurídica subjetiva criada para o indivíduo.
O princípio da segurança jurídica tem, entre nós, tradicionalmente, sido inscrito entre os direitos e garantias constitucionais, o que torna a situação jurídica subjetiva mais estável que noutros países em que o mesmo princípio vem inscrito em leis não-constitucionais.
Entre nós, a eficácia da lei não retroage para cassar os denominados direitos subjetivos:
"Isto mesmo nos casos de leis de ordem pública, como pode ocorrer nos países europeus, onde o princípio da irretroatividade ou da retroatividade limitada da lei no tempo não é princípio constitucional" (trecho de uma Conferência do Ministro MOREIRA ALVES por nós gravada e registrada, com sua autorização, em nosso "As Medidas Provisórias no Direito Comparado e no Brasil", Ed. LTr, SP, 1993, p. 368).
Embora cuidando do assunto sob o prisma da lei de conversão da medida provisória, registramos:
"E o Ministro MOREIRA ALVES prossegue ensinando que, na Itália, como acontece nos demais países da Europa, não há esse princípio constitucional. O princípio da irretroatividade da lei vincula apenas o juiz. É princípio que decorre da legislação ordinária, é um princípio de interpretação para o juiz. Vincula, portanto, apenas o juiz ao interpretar. Não é um princípio que vincule o legislador. Portanto, nada impede que o legislador, que tenha editado uma lei que estabeleça genericamente a irretroatividade das leis, determine que uma lei específica retroagirá." (...)
"Deve-se sempre chamar a atenção, com relação a esse problema da retroatividade, porque, prossegue, nós, no Brasil, que, durante muitos anos, tivemos o vezo de estudar direito por livros franceses, ainda temos uma certa dificuldade de entender bem o problema da retroatividade da lei, tendo em vista a circunstância de que é muito comum, nos livros franceses, e nos livros europeus em geral, falar-se que o princípio da retroatividade cede diante da lei de ordem pública. Mas isto é apenas nos sistemas em que esse princípio é somente um princípio de ordem legal, e apenas se aplica ao juiz, para o efeito de desvinculá-lo, quando a lei nova é uma lei de ordem pública, e conseqüentemente pode ser aplicada retroativamente.
"Nós, no Brasil, sustenta o Ministro MOREIRA ALVES, não temos esse princípio. No Brasil, temos o princípio da retroatividade limitada, que nós geralmente dizemos princípio da irretroatividade. É tal a magnitude dessa limitação, que nós aqui não podemos adotar teses como esta." (Trecho da referida Conferência do Ministro MOREIRA ALVES, em nosso "As Medidas Provisórias no Direito Comparado e no Brasil", Ed. LTr, SP, 1993, p. 370).
Infelizmente, é exatamente este o erro que tem sido cometido pelos intérpretes de plantão na Administração Pública.
Mas, antes de outras considerações, há que se definir primeiro duas questões capitais em matéria de retroatividade: a primeira é definir o que se entende por aplicação retroativa de uma lei; e a segunda é definir-se em que casos uma lei aplica-se retroativamente.
Uma lei é retroativa quando destrói ou restringe um direito adquirido sob o império de uma lei anterior. Direitos adquiridos são aqueles que tendo entrado em nosso domínio e, em conseqüência, formando parte dele, não podem ser-nos arrebatados por aquele de quem o adquirimos.
Em nosso sistema jurídico, os direitos adquiridos são irrevogáveis, por força do disposto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, que dispõe:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
"XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".
O conceito de direito adquirido, entretanto, está na Lei de Introdução ao Código Civil (art. 6º, § 2º) que dispõe:
"Art. 6º A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (...)
"§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem."
Note-se que a lei nova há sempre que respeitar o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, que é aquele que o seu titular "possa exercer", sem empecilho jurídico que possa tolher esse exercício. Vale dizer, os direitos adquiridos são irrevogáveis, não podem ser suprimidos por lei posterior.
Também se consideram adquiridos os direitos "cujo exercício tenha termo prefixado, ou condição preestabelecida, inalterável a arbítrio de outrem". Assim, embora o titular de um direito, ou alguém por ele, não o possa exercer imediatamente, há um direito adquirido, caso o seu exercício dependa, apenas, ou de um termo prefixo, ou de uma condição preestabelecida e inalterável a arbítrio de outrem.
No caso da licença-prêmio sempre foi livre a opção do titular do direito gozá-la, como licença, ou permanecer trabalhando e contar em dobro o tempo não gozado. Se qualquer autoridade recusasse o direito ao gozo ou ao cômputo em dobro, no momento da aposentadoria, o servidor poderia, sempre, recorrer às vias judiciais, inclusive via mandado de segurança, por se tratar de direito líquido e certo, bastando a prova documental de possuir licença-prêmio e lhe estar sendo recusado o direito de seu cômputo em dobro, para fins de aposentadoria.
Após expor o que seja direito adquirido conforme outros doutrinadores, SAMPAIO DÓRIA formula a seguinte conceituação:
"Direito adquirido é todo direito subjetivo, de utilidade concreta para seu titular, oriundo de um fato idôneo a produzi-lo, segundo a lei vigente ao tempo em que este se realizou". (DÓRIA, Sampaio. Da Lei Tributária no Tempo, "Tese de Concurso à Cadeira de Direito Tributário da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da Universidade de São Paulo", São Paulo, 1968, § 22, p. 108).
Por sua vez, REYNALDO PORCHAT se reporta à definição formulada por GABBA:
"É direito adquirido todo o direito que é conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo em virtude da lei do tempo em que esse fato foi realizado, embora a ocasião de o fazer valer não se tivesse apresentado antes da existência de uma lei nova sobre o mesmo objeto e que nos termos da lei sob o império da qual se deu o fato de que originou, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu".(PORCHAT, Reynaldo. Da Retroatividade das Leis Civis, São Paulo, Editora "Duprat", 1909, § 14, p. 14).
A seguir, observa REYNALDO PORCHAT:
"Essa definição, desde que seja completada com esta frase final, que lhe oferecemos em aditamento, - "ou constituiu o adquirente na posse de um estado civil definitivo", - encerra todos os característicos distintivos do direito adquirido, que são:
1º) um fato aquisitivo, idôneo a produzir direito, de conformidade com a lei vigente;
2º) uma lei vigente no momento em que o fato se realize;
3º) capacidade legal do agente;
4º) ter o direito entrado a fazer parte do patrimônio do indivíduo, ou ter constituído o adquirente na posse de um estado civil definitivo;
5º) não ter sido exigido ainda ou consumado esse direito, isto é, não ter sido ainda realizado em todos os seus efeitos." (PORCHAT, Reynaldo. Da Retroatividade..., cit., § 14, p. 15).
A obra de REYNALDO PORCHAT foi escrita antes do nosso Código Civil, quiçá, à guisa de contribuição doutrinária sobre o tema do direito adquirido.
Já a expectativa de direito consiste ensinou REYNALDO PORCHAT na:
"esperança de um direito que, pela ordem natural das coisas, e de acordo com uma legislação existente, entrará provavelmente para o patrimônio de um indivíduo quando se realize um acontecimento previsto. A expectativa se distingue da faculdade, porque se transforma em um direito que entrará para o patrimônio do indivíduo independentemente de qualquer ato deste. A faculdade só produz aquisição de direito quando exercida pelo titular." (PORCHAT, Reynaldo. Da Retroatividade..., cit., § 27, p. 30).
E, noutro passo, observava ainda REYNALDO PORCHAT:
"A expectativa se distingue do direito adquirido porque este, como vimos, já entrou para o patrimônio da pessoa, ou, ao menos, já se concretizou, ao passo que aquela é apenas uma esperança. (...) O direito adquirido nem a lei pode alterar." (Ob. e loc. cit.).
Para colher as lições de um autor mais moderno, lembra-se o nome de JOSÉ AFONSO DA SILVA, que, em monografia específica, "Reforma Constitucional e Direito Adquirido", ensina o que é direito adquirido, nestes termos:
"Para compreendermos um pouco melhor o que seja o direito adquirido, cumpre relembrar o que se disse acima sobre o direito subjetivo: é um direito que existe em favor de alguém e que pode ser exercido por esse alguém. É, pois, um direito exercitável segundo a vontade do titular e exigível na via jurisdicional quando seu exercício é obstado pelo sujeito obrigado à prestação correspondente. Se tal direito é exercido, foi devidamente prestado, tornou-se situação jurídica consumada (direito consumado, direito satisfeito, extinguiu-se a relação jurídica que o fundamentava)." (RDA, vol. 213, jul-set/98, p. 123).
E, adiante, prossegue aquele inexcedível Jurista JOSÉ AFONSO DA SILVA:
"Se o direito subjetivo não foi exercido, vindo a lei nova, transforma-se em direito adquirido, porque era direito exercitável e exigível à vontade de seu titular. Incorporou-se no seu patrimônio, para ser exercido quando lhe conviesse. A lei nova não pode prejudicá-lo, só pelo fato de o titular não o ter exercido antes. Direito subjetivo "é a possibilidade de ser exercido, de maneira garantida, aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio", nota Miguel Reale. Ora, essa possibilidade de exercício continua no domínio da vontade do titular em face da lei nova. Essa possibilidade de exercício do direito subjetivo foi adquirida no regime da lei velha e persiste garantida em face da lei superveniente. Vale dizer - repetindo: o direito subjetivo vira direito adquirido quando lei nova vem alterar as bases normativas sob as quais foi constituído. (RDA, vol. 213, jul-set/98, p. 123).
E prossegue mais adiante JOSÉ AFONSO DA SILVA:
"Não se trata aqui da questão da retroatividade da lei, mas tão-só de limite de sua aplicação. A lei nova não se aplica a situação subjetiva constituída sob o império da lei anterior.
Vale dizer, portanto, que a Constituição não veda a retroatividade da lei, a não ser da lei penal que não beneficie o réu. Afora isto, o princípio da irretroatividade da lei não é de direito constitucional, mas princípio geral de direito. Decorre do princípio de que as leis são feitas para vigorar e incidir para o futuro. Isto é: são lícitas para reger situações que se apresentem a partir do momento em que entram em vigor. Só podem surtir efeitos retroativos, quando elas próprias o estabeleçam (vedado em matéria penal, salvo a retroatividade benéfica ao réu), resguardados os direitos adquiridos, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito, evidentemente.
Observação que precisa ser feita é a seguinte: só se fala em direito adquirido quando o direito subjetivo exercitável ainda não foi exercido. De fato, o direito subjetivo consiste no poder de o seu titular fazê-lo valer segundo seu interesse, ressalvados os problemas de caducidade, perempção, decadência ou prescrição, bem como condições previstas. É nesse contexto que poderá surgir o direito adquirido, que é precisamente, como dissemos, o direito subjetivo integrado no patrimônio do titular, mas não exercido, a respeito do qual é que milita a garantia constante do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, que assegura o seu exercício nos termos da lei sob a qual ele se constituiu, ainda que revogada por lei superveniente. Dá-se aí uma espécie de ultra-atividade da lei, que consiste na projeção dos efeitos da lei para além de sua vigência, para resguardar o direito adquirido sob sua vigência. (RDA, vol. 213, jul-set/98, p. 123-124).
Vista a doutrina do direito adquirido, passa-se ao exame sobre a possibilidade pretendida por agentes do Poder Público, entre nós, de o direito adquirido poder ou não ser desrespeitado por normas instituídas por emendas à Constituição.