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Direito adquirido à contagem em dobro da licença-prêmio

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01/12/1999 às 01:00

Resumo:


  • O direito adquirido à contagem em dobro do tempo de serviço correspondente à licença-prêmio não gozada é preservado mesmo após a Emenda Constitucional nº 20/98, com base na legislação anterior.

  • Emendas constitucionais não podem desrespeitar direitos e garantias individuais, como o direito adquirido, protegido pelo art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.

  • O Supremo Tribunal Federal reconhece a possibilidade de controle de constitucionalidade de emendas à Constituição e admite mandado de segurança contra emenda inconstitucional que viole cláusulas pétreas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A PRÓPRIA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20 ASSEGURA A CONTAGEM DO TEMPO DE SERVIÇO ANTERIOR, EQUIPARANDO-O AO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO, SEM FAZER QUALQUER DISTINÇÃO

A rigor, temos que a interpretação do art. 40, § 10, da Constituição, com a nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.98, não pode ser feita de forma a impedir o cômputo em dobro da licença-prêmio não gozada antes, sob pena de ofensa a direito adquirido.

Quem interpreta o art. art. 40, § 10, da Constituição, com a nova redação, de forma a desrespeitar o direito adquirido, o está interpretando como se ele pudesse ter existência isolada, autônoma, suficiente em si mesma, independente das demais normas constitucionais limitativas de sua eficácia, ou mesmo de sua própria elaboração, em uma palavra, sem o menor respeito aos princípios que regem a aplicação da lei no tempo, um dos quais é o da irretroatividade da nova lei, quando ofende o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada.

Mas, nem necessitaríamos recorrer a tão elevada doutrina, pois bastaria uma interpretação mais coerente das próprias normas de que se trata nos pareceres administrativos a que já fizemos alusão.

Para nós, a própria Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.98, em seus arts. 3º e 4º, quando trataram da questão da contagem do tempo de serviço para efeito de aposentadoria, mandaram, implicitamente, estas garantias constitucionais, aliás, como o não poderia deixar de ser, e com absoluta coerência ao princípio da segurança jurídica, ao dispor:

"Art. 3º É assegurada a concessão de aposentadoria e pensão, a qualquer tempo, aos servidores públicos e aos segurados do regime geral de previdência social, bem como aos seus dependentes, que, até a data da publicação desta Emenda, tenham cumprido os requisitos para a obtenção destes benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente.

"Art. 4º Observado o disposto no art. 40, § 10, da Constituição Federal, o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição."

Nota-se que o art. 4º não fez a distinção entre tempo fictício e não fictício e nem o § 10 do art. 40, pois nele não há referência à lei anterior. Nele está escrito:

"§ 10 A lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício."

O verbo poder está conjugado no futuro poderá, por isso que está a se referir à lei que vier a ser editada depois "não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício". Mas e as Constituições anteriores? Continham semelhante norma? Não? Então, a norma de emenda constitucional posterior não pode invalidar as leis anteriores, baixadas sob o pálio das Constituições anteriores e da própria Constituição de 1988.

Enfim, temos que um dos direitos assegurados pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.98, em respeito à legislação anterior, foi o direito adquirido à aposentadoria por tempo de serviço, equiparada à aposentadoria por tempo de contribuição instituída por esta Emenda, independente de se tratar de tempo de serviço simples ou em dobro, pois, feita esta distinção, ferir-se-ia o direito adquirido.

Parece que está havendo uma verdadeira confusão entre o direito à aposentadoria, que é outro direito, diverso, com o direito à contagem em dobro do período de licença-prêmio não gozada, independente de o servidor haver implementado ou não o tempo de serviço necessário à inativação, antes da Emenda Constitucional nº 20/98.

Como visto, pensamos que o próprio art. 4º da Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.98, ao dispor que "o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição", torna inócua a interpretação oficial que defende a proibição do cômputo em dobro do tempo de licença-prêmio não gozada, para fins de aposentadoria, no caso de o tempo de serviço para este fim vier a se completar somente depois de 15 de dezembro de 1998.

Não obstante a clareza do novo dispositivo, os servidores públicos em geral têm sido impedidos de contar em dobro aquele período, com exceção apenas daqueles que reuniram todos os requisitos para a concessão da aposentadoria antes da vigência da Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.98, como já foi visto.

Para nós, é indiscutível a existência de evidente lesão a direito líquido e certo dos servidores a ensejar a concessão de mandado de segurança, a fim de que seja respeitada a Lei Maior.

A clareza do artigo 3º da EC n0 20 dispensa quaisquer outras ponderações a respeito de ser devida a contagem em dobro do período de licença-prêmio para efeitos de aposentadoria.

Com efeito, a Emenda Constitucional nº20 resguardou o instituto do direito adquirido, deixando claro que os fatos ocorridos até a data de sua publicação seriam regidos pela legislação então vigente.

Só este dado seria suficiente para demonstrar que a referida Emenda veio para operar efeitos ex nunc, não havendo fundamento razoável, portanto, para que a Administração Pública continue criando dificuldades para a aplicação do texto constitucional, insistindo na tese de que com o advento da EC nº20 não mais poderá ser considerado para efeito de contribuição qualquer tempo fictício, caso da licença-prêmio contada em dobro, independentemente da data em que o direito foi aperfeiçoado.


DIREITO ADQUIRIDO CONTRA
AS EMENDAS CONSTITUCIONAIS

Sob o título acima, CARLOS AYRES BRITO e VALMIR PONTES FILHO (RDA 202, pp. 75-80) enfrentam o problema com superioridade e fornecem solução diferente daquela fornecida pela interpretação oficial, conforme transcrição que será feita a seguir:

"Há direito adquirido, sim, contra emendas constitucionais. O que não há é direito adquirido contra a Constituição, tal como originariamente posta ...".

O artigo ora transcrito foi elaborado com a finalidade especial de combater a tese do Jurista PAULO MODESTO, Assessor Especial do Ministro BRESSER PEREIRA, Titular do Ministério da Reforma do Estado, que defendia que "o direito adquirido ... não é garantia dirigida ao poder constituinte, originário ou reformador. É garantia do cidadão frente ao legislador infraconstitucional, utilizável para impedir a eficácia derrogatória da lei nova em face de situações jurídicas constituídas no passado por leis ordinárias ou leis complementares" (em "Reforma Administrativa e Direito Adquirido ao Regime da Função Pública", apud CARLOS AYRES BRITO e VALMIR PONTES FILHO, RDA 202, p. 76-77).

Ocorre que não nos parece inteiramente acertado esse modo de pensar a Constituição de 1988. Observam CARLOS AYRES BRITO e VALMIR PONTES FILHO. As emendas têm força impositiva superior à da lei – certo é dizê-lo –, mas nem por isso estão liberadas da vedação constitucional da imposição de prejuízo ao direito já adquirido, assegurado no art. 5º, XXXVI, da Lei Maior.

Seguem transcritas as lições de CARLOS AYRES BRITO e VALMIR PONTES FILHO, combatendo a doutrina oficial, nestes termos:

"2.2. Pois bem, por não ser possível reconhecer ao órgão de produção das emendas constitucionais a ontologia de um verdadeiro poder constituinte, mas apenas a de um poder reformador, é centro deliberativo que não exercita a plenitude de um centro correlatamente desconstituinte. Ele não zera a contabilidade jurídica anterior e daí a compreensão de se tratar de um aparelho decisório que não tem a força de ignorar de todo a Constituição preexistente, pois somente pode normar nos termos em que pela Constituição mesma já se encontra normado. (RDA 202, p. 76).

(...)

"4.4. Com este nosso modo de ver as coisas, não estamos negando que as emendas possam prejudicar (por modificação ou supressão) certos direitos subjetivos que não façam parte da relação dos expressamente nominados como "direitos e garantias individuais’. O que estamos a afirmar é que tais direitos, uma vez adquiridos, seja qual for a respectiva natureza (direito social, político, funcional etc.), não podem mais ser lesionados por efeito de reforma constitucional. A normatividade das emendas, no caso, já nasce etiquetada com o timbre do "doravante’, e mais com o timbre do "desde sempre". (RDA 202, p. 78).

(...)

6.4. Em síntese, a norma constitucional veiculadora da intocabilidade do direito adquirido é norma de bloqueio de toda função legislativa pós-Constituição. Impõe-se a qualquer dos atos estatais que se integram no "processo legislativo", sem exclusão das emendas.

7. Considerações finais

7.1. À guisa de remate, que não se estranhe o fato de a subsistência do direito adquirido implicar ultra-operatividade tópica de uma lei que se tornou incompatível com emenda constitucional, porque esse tipo de ultra-operatividade foi antecipadamente ressalvado pela Constituição originária, no estratégico inciso XXXVI do art. 5º. Mera conseqüência lógica do irrefutável juízo de que a Constituição originária tudo pode, inclusive para esse efeito de não permitir o desfazimento de um direito cuja lei de concessão venha a colidir com futura emenda constitucional.

7.2. Em rigor de interpretação, a lei cuja materialidade venha a ser abalroada por emenda constitucional já não prossegue como centro de imputação jurídica. Perde a eficácia. Mas o direito por ela outorgado sobrevive, incólume, desde que já inscrito no rol dos adquiridos. Com o que não se tem a "invenção" de uma nova cláusula pétrea, mas simplesmente a compreensão de que a cláusula pétrea dos direitos e garantias individuais é suficientemente lata para incorporar a ultra-atividade de norma legal produtora de um direito subjetivo cujas condições de gozo já se encontrem factualmente preenchidas.

7.3. Tão dilatado é o raio de abrangência material da cláusula em apreço, que a Lei das Leis chegou a embutir no inventário dos direitos e garantias individuais outros decorrentes do regime e dos princípios por ele adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte" (§ 2º do art. 5º). E é claro que nos mencionados princípios foi encartado o da segurança das relações jurídicas, a patentear a cientificidade daquele tipo "generoso" de interpretação a que se reportava SEABRA FAGUNDES. (RDA 202, p. 80).

Como visto, para os eminentes Juristas CARLOS AYRES BRITO e VALMIR PONTES FILHO (RDA 202, pp. 75-80), a norma introduzida por emenda constitucional há de respeitar o direito adquirido, tal qual a lei de hirarquia inferior, sob pena de cair no vácuo normativo.


A INCONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA (CONSTITUCIONAL?)
QUE DESRESPEITA O DIREITO ADQUIRIDO

Na mesma trilha, segue o Jurista LUIZ ROBERTO BARROSO, agora propósito da possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de norma constitucional introduzida por emenda à Constituição, presenteando-nos com a seguinte exegese:

          "2. Emenda constitucional e Constituição em vigor

          "A Constituição é um documento que aspira à permanência, mas não a perenidade. Por tal razão, todas as Constituições modernas, desde a norte-americana, de 1787, prevêem a possibilidade de sua própria reforma e estabelecem as regras que vão reger a matéria. A reforma da Constituição, como se sabe, é obra do poder constituinte derivado, e, como tal, representa o exercício de um poder que é juridicamente limitado. É o próprio constituinte originário quem regula o processo de criação de novas normas constitucionais, bem como determina o conteúdo que possam ter.

"Quando a sucessão da ordem constitucional se dá com observância das regras vigentes, afirma-se que, apesar da alteração normativa, houve continuidade formal do direito constitucional, porque as novas normas se reconduzem, jurídica e politicamente, à ordem precedente. Ao revés, fala-se em descontinuidade formal quando uma nova ordem constitucional implica ruptura, revolucionária ou não, com a ordem constitucional anterior. Já o conceito de descontinuidade material identifica-se com a situação em que, além da ocorrência de uma ruptura formal (ou eventualmente sem ela), verifica-se também uma "destruição" do antigo poder constituinte por um novo poder constituinte, alicerçado num título de legitimidade substancialmente diferente do anterior.

"No Brasil houve, sem dúvida, descontinuidade formal e material na substituição da Carta Imperial de 1824 pela Constituição de 1891, fruto do golpe que proclamou a República; na edição da Constituição de 1934, que institucionalizou, tardiamente, o movimento revolucionário de 30, que rompera com o regime constitucional da República Velha; quando da outorga da Carta de 1937, que instaurou o Estado Novo sobre as ruínas do regime de 1934. Por outro lado, a elaboração da Constituição de 1946 foi precedida de convocação de Assembléia Constituinte, dentro dos quadros da legalidade anterior. Aí, talvez, não se possa falar em descontinuidade formal, embora certamente tenha havido descontinuidade material, pela mudança do título de exercício do poder constituinte: transferiu-se do poder ditatorial e unipessoal de Vargas para a soberania popular. Hipótese inversa ocorreu com o golpe de 1964: não houve descontinuidade formal, porque mantida a Constituição de 1946, mas houve mudança do título de exercício do poder, que passou a ser investido no movimento militar vitorioso".

............................................................

"A Carta de, 1967 não importou, quer em descontinuidade formal, quer em material, por isso que convocada pelo poder que se instalara em 1964, que tutelou o processo onde apenas nominalmente agiu o Congresso Nacional. Soberania popular nem pensar... A Carta de 1969 — formalmente emenda constitucional à Carta de 1967 —, curiosamente, importou em descontinuidade formal, por inobservância do processo de reforma previsto no texto de 1967, sem que tivesse havido, contudo, descontinuidade material, por isso que foi obra do poder militar, que, ainda quando ilegitimamente, já exercia o poder constituinte desde 1964.

"Por fim, a Constituição de 1988, sem qualquer dúvida, terá importado em descontinuidade material, haja vista que coroou um movimento popular reivindicatório pelo qual a soberania popular retomou para si o poder constituinte que lhe fora usurpado desde 1964. Poder-se-á cogitar da inexistência de descontinuidade formal, pelo fato de a Assembléia Constituinte que a elaborou haver sido convocada por emenda constitucional à Carta então vigente. Em nenhuma hipótese, contudo, será correto o argumento de que o texto em vigor não terá sido fruto de um poder constituinte originário, porque convocado pelos órgãos do poder constituído anterior. Mais do que em qualquer outro momento na história brasileira, a Constituição de 1988 é produto legítimo do exercício da soberania popular. com as virtudes e vícios que daí advêm, sobretudo quanto às imperfeições do sistema representativo.

"Feita a digressão doutrinária, é bem de ver que a generalidade das Constituições dita regras específicas acerca do procedimento a ser seguido para modificação de seu texto em via institucional. No Brasil, a Carta em vigor aponta as pessoas e órgãos que têm legitimidade para propor emenda constitucional prevendo, ainda, na tradição nacional de rigidez constitucional, as seguintes regras: a) discussão e votação em cada Casa do Congresso, em dois turnos; b) aprovação mediante voto de três quintos dos membros de cada Casa (art. 60, I, II, III e § 2º).

"Além dos requisitos formais acima identificados, o poder de emenda sofre limitações que lhe foram impostas pelo constituinte originário. Com efeito, no direito constitucional positivo brasileiro, há condicionantes de caráter circunstancial à reforma da Lei Fundamental, lançadas no § 1º do art. 60: "A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio".

"Existem, também, as chamadas limitações materiais ao poder de reforma constitucional, conhecidas como cláusulas pétreas, que vêm previstas no § 1º do art. 60 onde se veda a apreciação de emenda tendente a abolir: "I — a forma federativa de Estado; II — o voto direto, secreto, universal e periódico; III— a separação dos Poderes; IV — os direitos e garantias individuais".

"Ora bem: sobrevindo uma emenda constitucional, os dispositivos anteriores da Lei Fundamental que sejam com ela incompatíveis ficam revogados. É bem de ver, no entanto, que as emendas constitucionais devem reverência absoluta aos preceitos do Texto Constitucional acima noticiados. Se os violar, sujeitam-se ao controle de constitucionalidade e podem ter pronunciada sua invalidade. Há precedentes sobre o tema na prática constitucional brasileira. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal considerou inválido dispositivo da Emenda Constitucional n. 3, de 17 de março de 1993, que excluía do princípio da anterioridade tributária (art. 150, III, b) o IPMF (Imposto sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira), e vedou sua cobrança no mesmo exercício em que instituído. Relembre-se que as emendas constitucionais deverão sempre respeitar os direitos adquiridos, os atos jurídicos perfeitos e a coisa julgada, que são direitos individuais igualmente preservados da ação do constituinte reformador.

"Ainda nessa temática, o Supremo Tribunal Federal, assim no regime constitucional anterior como no atual, tem entendido cabível mandado de segurança contra o simples processamento de emenda constitucional que viole alguma das cláusulas pétreas do art. 60, § 4º. De fato, em mais de um precedente, a Corte reconheceu, em sede de controle incidental, a possibilidade de fiscalização jurisdicional da constitucionalidade de propostas de emenda à Constituição que veicularem matéria vedada ao poder reformador do Congresso Nacional.

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"De todo modo, sendo a emenda constitucional formal e materialmente válida, tem vigência imediata e revoga as normas constitucionais precedentes que sejam com ela incompatíveis. Aqui, ao contrário do que normalmente se passa com o advento de uma nova Constituição, não há descontinuidade de qualquer natureza, seja formal ou material. Tampouco há que se falar em revogação de sistema. A revogação aqui operada é limitada ao dispositivo substituído e às eventuais implicações sistêmicas que disso resultem." (BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. Editora Saraiva, 3ª edição, p. 62-67).

A propósito do mesmo tema, em monografia voltado especificamente ao servidor público e suas garantias, o Jurisconsulto CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO aponta, com propriedade, pelo menos três dispositivos inconstitucionais na Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, o chamado "Emendão", que introduziu a denominada "Reforma Administrativa".

Um deles é o art. 29, que fixa um teto para os vencimentos, remuneração, proventos de aposentadoria e pensões, subsídios, "não se admitindo a percepção de excesso a qualquer título", dispositivo este que o Professor CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO ensina que deve ser interpretado nos mesmos limites já estabelecidos pela redação originária do art. 17 do ADCT da Constituição de 1988.

Outro é o que alterou o art. 169, § 4º, com a redação da EC 19/98, que prevê a perda da estabilidade de servidor, para fins de redução de despesas com pessoal.

E outra violação, que não chegou a ser concretizada na Emenda nº 19 é aquela relativa à paridade entre os proventos, as pensões e os vencimentos da atividade.

Vejamos as lições de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, sobre a inconstitucionalidade de emendas constitucionais:

"Em termos jurídicos, o poder constituinte é ilimitado. Donde, o que for por ele decidido – não importa o quão chocante ou abstruso possa ser – do ponto de vista do direito positivo é insuscetível de questionamento, já que a normatização por ele instaurada tem, por definição, caráter inaugural em sentido absoluto. É a fonte de validade da ordem jurídica. É a origem do Direito. É seu termo de referência, pois não se encarta nem precisa se reportar a qualquer norma anterior que a sustenha ou autorize. Sustenta-se em si própria. Logo, nenhuma pretensão jurídica lhe poderia ser oposta, exatamente porque, para dizer-se jurídica, teria de estar referenciada direta ou indiretamente na própria Constituição. Assim, é óbvio que nada se lhe pode contender, no plano do direito positivo.

"Justamente disto lhe advém a diferença profunda, qualitativa, em relação às Emendas Constitucionais ou a qualquer produção normativa subseqüente.

"As Emendas Constitucionais apresentam em relação à Constituição um traço de similitude e um traço de dissemelhança.

"O traço de similitude é o de que suas disposições são hierarquicamente superiores às leis ou a qualquer produção normativa alocada em posição subseqüente na pirâmide jurídica, pois se parificam nisto, integralmente, às disposições constitucionais, tanto que, se nelas validamente integradas, comporão o corpo da Lei Magna, à moda de quaisquer outras ali residentes e no mesmo pé de igualdade com as demais.

"Já, seu traço de dessemelhança visceral – e que as faz qualitativamente distintas da produção constituinte, como se disse – reside em que, ao contrário do fruto do labor constituinte, elas não são originárias, não são inaugurais em sentido absoluto, não são a fonte primeira da juridicidade, não são o primeiro e incontendível termo de referência de toda a ordem jurídica. Com efeito, elas sofrem as limitações que lhes advêm da própria Constituição. Para serem válidas, estão referenciadas à própria Constituição que modificam e é nela que encontram a fonte de validade para promoverem as alterações que façam. Em suma: é porque a Constituição permite ser tocada, mexida, é que as Emendas Constitucionais podem ser validamente produzidas. Fora daí seriam inconstitucionais.

"69. Disto decorre ser infeliz a terminologia "poder constituinte originário" e "poder constituinte derivado’, por induzir a equívocos, provocando a suposição de que são poderes da mesma natureza, isto é, espécies de um mesmo gênero, o que, já se viu, não é verdade. Deveras, todo poder constituinte é, por definição, originário. Assim, não há poder constituinte derivado, pois o que se rotula por tal nome é o poder de produzir Emendas, com base em autorização constitucional e nos limites dela. Logo, coisa diversa, da força inaugural e incontrastável, características indissociáveis do poder constituinte.

"A mera circunstância de as Emendas, quando validamente editadas, adquirirem a mesma supremacia da Constituição, na qual se integram e dissolvem, não lhes confere a potencialidade incontrastável que é apanágio do poder constituinte, único gerador de normas que prescindem de qualquer apoio jurídico que não aquele que — ele próprio — a si mesmo outorga.

"É certo que, a pretexto de efetuar Emendas Constitucionais, o legislador ordinário — o que não recebeu mandato constituinte e cuja posição é juridicamente subalterna — poderia, inclusive, em comportamento "de fato", não jurídico, derrocar a Constituição, por si mesmo ou tangido por algum caudilho, travestido ou não de democrata (ou este vier a fazê-lo por si próprio). Diante de evento de tal natureza, as medidas que fossem impostas perderiam o caráter de Emendas. Converter-se-iam, então, elas próprias, em novo exercício do Poder Constituinte, tal como ocorreria após revoluções ou golpes de Estado ou, ainda, nas hipóteses em que é efetuada a convocação de uma Constituinte que vem a produzir nova Lei Magna. É claro, entretanto, que nas situações deste jaez estaria rompida a ordem constitucional vigente e inaugurada outra.

"Assim, não há duvidar que, dentro dos quadros constitucionais, urna Emenda Constitucional não é senão o fruto de uma autorização constitucional e por isto mesmo, para ser válida, tem que se conter nos limites juridicamente ontológicos daquilo que é uma simples Emenda e não um poder constituinte propriamente dito.

"Resta, pois, indagar quais são estes limites. São de duas espécies: materiais e formais.

"70. Uma primeira ordem de limites é óbvia: a daqueles mesmos que a Constituição de modo expresso e estampado enuncia.

"No caso da Constituição de 1988, são limites materiais os que constam do art. 60, § 4º, no qual se estabelece que "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I — a forma federativa de Estado; II — o voto direto, secreto, universal e periódico; III — a separação dos Poderes; IV — os direitos e garantias individuais".

"Note-se, de passagem — mas é importante fazê-lo —, que no item IV, o texto não se reporta a direitos e garantias individuais arrolados no art. 5º, mas, pura e simplesmente a "direitos e garantias individuais". (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 11ª edição, Malheiros Editores, 1999, pp. 211-213).

Vistas as lições doutrinárias específicas sobre as garantias do servidor público contra as investidas do poder reformador, através de emendas à Constituição, pode-se concluir que a garantia do direito adquirido vige contra o poder de emendar a Constituição.

Aliás, nem se admite sequer o processamento de emenda constitucional tendente a abolir direitos e garantias individuais, caso do direito adquirido.

Parlamentares têm se insurgido, por meio de mandado de segurança, perante o Supremo Tribunal Federal, para não se sujeitarem a votar emenda que consideram inconstitucional, e aquela mais alta Corte Constitucional tem afirmado rotineiramente a procedência desse entendimento, até porque qualquer servidor público, incluído como tal o Parlamentar, tem o poder-dever de defender a Constituição.

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Sobre o autor
Brasilino Pereira dos Santos

procurador regional da República, mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Brasilino Pereira. Direito adquirido à contagem em dobro da licença-prêmio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 37, 1 dez. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/377. Acesso em: 26 dez. 2024.

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