Novo código de processo civil e a usucapião extrajudicial: um avanço para as ações possessórias

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No último dia 24 do mês de março de 2015 foi aprovado o Novo Código de Processo Civil (PLS nº 166 de 2010), o qual dentre as diversas mudanças, trouxe a previsão do instituto da Usucapião Extrajudicial.

Observações iniciais

No último dia 24 do mês de março de 2015, depois de longas discussões, consulta a especialistas, audiências públicas, e muito debate, foi aprovado o Novo Código de Processo Civil (CPC) - PLS nº 166 de 2010. A reforma do CPC se iniciou em 2009 com a criação de uma Comissão de Juristas, nomeada pelo então presidente do Senado, José Sarney.

Dentre as diversas mudanças, temos que uma das mais inovadoras é a previsão do instituto da Usucapião Extrajudicial. Tal demanda é muito antiga e vem de diversos setores, como pequenos agricultores familiares, que em razão de processos sucessórios imbricados e inacabados, não possuem os títulos de suas áreas e assim não podem realizar financiamentos e custeios agrícolas. A regularização fundiária destas áreas abrirá possibilidades de planos de investimentos e a manutenção de sua subsistência.

A modalidade extrajudicial da usucapião também dinamizará os processos de aquisição de propriedade, desafogando, assim, o Judiciário. Isto porque ela possibilita que todo o procedimento da usucapião, desde a notificação dos confrontantes e possíveis interessados, até a análise da área e das provas da posse (comprovantes de residência, contas de luz e água, cadastros públicos, etc.) se dê no cartório de registro de imóveis[1] da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo.

O Poder Judiciário apenas precisará ser demandado no caso de possíveis conflitos, impugnações e dúvidas, afinal, o art. 216-A da Lei de Registros Públicos, é claro ao afirmar que o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, será realizado, sem prejuízo da via jurisdicional.

Procedimento e dinamização da demanda possessória

Conforme vemos na previsão do artigo 1.071 do novo Código de Processo Civil, a Lei de Registros Públicos (Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973), passa a vigorar acrescida do pedido extrajudicial de usucapião.

O pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião deve requerido pelo interessado, o qual deve ser representado por advogado, instruído com (a) ata notarial lavrada pelo tabelião que ateste o tempo de posse do requerente e seus antecessores; (b) planta e memorial descritivo do imóvel, os quais devem ser assinados por profissional habilitado e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos[2]; (c) certidões negativas dos distribuidores[3]; e (d) justo título[4] ou documento que demonstre a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse[5].

Com estes documentos em mãos, o registrador irá autuar o pedido. Cumpre mencionar que a prenotação, anotação prévia e provisória feita pelo Oficial para garantia da prioridade ou preferência em favor do requerente, irá prorrogar-se até o acolhimento ou a rejeição do pedido.

A partir da autuação passarão a ser analisados os documentos e comprovantes juntados, de modo que o registrador irá notificar eventuais titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, caso estes não houverem assinado a planta apresentada ao registrador.

Esta notificação será pessoal ou por correio com aviso de recebimento, possibilitando que os titulares de direito manifestem seu consentimento expresso em um prazo de quinze dias. O silencio destes será interpretado como discordância do procedimento de usucapião.

Tal qual no procedimento judicial de usucapião, no procedimento extrajudicial a União, o Estado, o Distrito Federal e o Município terão que se manifestar a respeito do procedimento em andamento, através de ciência dada pelo oficial de registro de imóveis, a qual poderá ser pessoal ou pelo correio com aviso de recebimento. O prazo para manifestação sobre o pedido será igualmente de quinze dias.

Caso seja apresentada impugnação ao pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião, por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao Poder Judiciário, sendo o juízo da comarca da situação do imóvel competente para analisar a matéria. Ao requerente caberá emendar a petição inicial de modo a adequá-la ao procedimento comum de usucapião.

A ampla publicidade do procedimento também é visada quando este se realiza na modalidade extrajudicial, assim, será realizada, pelo oficial de registro de imóveis, publicação de edital em jornal de grande circulação, para que terceiros eventualmente interessados tenham ciência da usucapião e possam ser manifestar no prazo de quinze dias.

Importante mencionar que havendo qualquer ponto de dúvida, o oficial de registro de imóveis poderá solicitar ou realizar diligências, e ao final destas, caso a documentação não esteja em ordem, o oficial rejeitará o pedido de usucapião. Também é permitido ao interessado suscitar o procedimento de dúvida, nos termos da Lei.

Transcorrido este prazo, não havendo diligências a serem realizadas e estando a documentação em ordem, isto com a concordância expressa dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes; o oficial de registro de imóveis formalizará a usucapião, registrando a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, ou, se for o caso, abrindo nova matrícula de registro de imóvel.

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Não estando presentes condições necessárias ao registro do pedido extrajudicial, este será rejeitado, o que não impede o ajuizamento de ação de usucapião judicial, a qual poderá valer-se de toda a documentação produzida pelo oficial de registro de imóveis, o que agilizará o procedimento e resultará em economia processual.

Conclusões e possibilidades

Podemos concluir que a previsão da usucapião na modalidade extrajudicial será um avanço para a regularização fundiária no Brasil, pois além das suas principais vantagens de agilidade e celeridade, esta provê segurança jurídica a todo o procedimento.

Ainda temos muito que avançar na legislação civil para contemplar as expectativas do legislador constitucional ao redigir os artigos 182 e 183 da Constituição Federal brasileira, mas não podemos ignorar os avanços e desburocratizações pensadas para a garantia da segurança na posse e regularização fundiária.

Enquanto isso, aguardamos a aplicação do instituto da usucapião na modalidade extrajudicial para uma avaliação mais fundamentada de possíveis entraves ou adaptações a serem feitas na norma, que apenas o uso do instituto e o tempo nos poderão fornecer.


[1] A época da discussão sobre o projeto de lei, diversas foram as propostas apresentadas para a usucapião extrajudicial, sendo uma delas a de que todo procedimento fosse realizado através do Tabelionato de Notas – Proposta de João Pedro Lamana Paiva, titular do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre/RS.

[2]  Estes direitos devem estar registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes.

[3] Documentos que informam a existência de processos de natureza cível contra a pessoa pesquisada na cidade onde foi solicitada a certidão, assim, elas devem ser obtidas nos Fóruns Regionais ou Centrais da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente.

[4] Por justo título temos os conceitos trazidos pelo Código Civil em seus artigos 1.201 e 1.242:

Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.

Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.

Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

[5] Documentos tais quais comprovantes de pagamento de impostos e de taxas que incidirem sobre o imóvel.

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Sobre a autora
Renata Cristina do Nascimento Antão

Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2009) e mestrado em Direito pela Universidade de São Paulo (2013). Tem experiência na área de Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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