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A diarista e o retrocesso das condiçoes sociais do trabalho

15/06/2016 às 10:42
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Como os contratos de trabalho dos diaristas domésticos afetam o princípio da vedação ao retrocesso das condições do trabalho.

Não é recente a contratação de empregadas e empregados domésticos com a condição de diaristas. Por essa forma de contratação, o empregado ou empregada recebe pelo dia trabalhado e não salário mensal. De acordo com a jurisprudência majoritária, desde que o trabalho seja feito em até dois dias por semana, não existe vínculo trabalhista e o empregado não tem direito as férias, décimo terceiro salário, e contribuições previdenciárias.

Tal contratação é decorrente da necessidade das famílias em ter alguém que faça o trabalho doméstico, com redução de custos. Mas tal justificativa é suficiente?

Sabe-se que o trabalho doméstico tem aumento de atividades no período da manhã e no final do dia. Isso não significa que o empregado fique inativo por algum período. Com a contratação de uma diarista, todo o serviço que seria feito ao longo da semana é concentrado em apenas um, dois ou três dias por semana, embora alguns contratem apenas com frequência quinzenal.

Não resta dúvida que o trabalhador tem desgaste de energia muito maior do que de um empregado doméstico que trabalhe todos os dias. Não é raro que o trabalhador diarista inicie suas atividades no início da manha e só termine quando já é noite. Como não é empregado (?), direitos mínimos como limitação da jornada e intervalos não são observados.

Os que defendem a contratação do trabalhador diarista argumentam que o valor do dia de trabalho é maior do que se fosse assalariado, o que resulta em uma renda mensal superior. Além disso, por trabalhar para várias famílias, o fim de um contrato não acarreta em queda brusca da remuneração. No que se refere à garantida da cobertura previdenciária, basta que seja feito o recolhimento no percentual de 20% de sua renda para o INSS (simples, não?).

Mas o argumento econômico deve se sobrepor aos direitos mínimos garantidos aos trabalhadores (sem distinção), a dignidade da pessoa humana e a vedação ao trabalho penoso ou degradante?

Ao trabalhador diarista não são assegurados nenhum dos direitos fundamentais básicos previstos no art. 7o da CRFB. Limitação de jornada, descanso semanal remunerado, férias anuais, décimo terceiro salário não fazem parte do universo da diarista. Nem mesmo o vale transporte, pouco importando onde o trabalhador mora e quanto tempo dura seu deslocamento.

O art. 1o da Lei n.5859/72 define o empregado domestico como aquele que presta “serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa...”. Em nenhum momento o legislador diz que para ser empregado doméstico é necessária a prestação de serviços em todos ou em alguns dias da semana. O que define a continuidade dos serviços é a necessidade do empregador. Assim, se alguém contrata uma cozinheira para fazer um jantar para um grupo de amigos, a necessidade do serviço não é continua, mas limita-se ao evento. No entanto, se a contratação se dá para limpeza da casa, lavagem de roupas, preparo de refeições, arrumação da residência, a situação é contrária. A necessidade de que esses serviços sejam prestados é continua, e renova-se a cada dia. Desta forma, o argumento de que a diarista não cria vinculo com o dono da residência, por trabalhar em apenas alguns dias da semana, não se sustenta.

Essa interpretação não e nova. Há vários anos é defendida pelo Desembargador José Geraldo da Fonseca, do TRT da 1a Região.

Não existe nenhuma vedação para que qualquer empregado receba seu pagamento por dia de trabalho. Da mesma forma, salvo se especificado no contrato, a exclusividade não pode ser exigida do trabalhador. Portanto, do ponto de vista legal, o contrato da diarista não se sustenta.

O art. 7o da CRFB, ao garantir direitos básicos aos trabalhadores não excluiu nenhuma categoria, sejam executivos de grandes empresas, pedreiros, engenheiros, médicos, auxiliares de serviços gerais, porteiros. Não há nenhuma excludente e que não terão vinculo de emprego os trabalhadores com salários acima de algum patamar.

Entre as garantias mínimas está a vedação ao trabalho penoso ou degradante. O legislador não regulamentou tais conceitos, deixando a tarefa a cargo da doutrina.

O trabalho degradante é espécie do gênero trabalho escravo. O Brasil é signatário da Convenção 29 da Organização Internacional do Trabalho, em vigor no Brasil desde 25/04/1958, em que os Países se comprometem a abolir todas as formas de trabalho obrigatório ou forçado, assim entendido como aquele em que o trabalhador é ameaçado por outro e não se ofereceu de forma espontânea. A Convenção não trata diretamente do trabalho em condições degradantes.

O trabalho forçado ou em condições análogas a de escravo é sempre degradante. Porém, o contrário não é verdadeiro.

As condições degradantes dizem respeito às más instalações ou falta de alojamentos, não fornecimento de água potável, alimentos sem condições de consumo, falta de higiene no local de trabalho, à ausência ou redução significativa da remuneração não fornecimentos de equipamentos pelo empregador, inobservância das normas de prevenção de acidentes do trabalho, dentre outras situações de desrespeito à legislação que protege o trabalho. O trabalho degradante é aquele em que não há garantias mínimas de saúde, segurança, condições de trabalho, moradia, higiene, respeito e alimentação.

Não apenas no meio rural ocorre o trabalho degradante. No centros urbanos com frequência, empregadores são denunciados por não assegurar a dignidade dos empregados e direitos mínimos de proteção.

O primeiro diploma legal que tratou do trabalho penosos, foi a Lei Orgânica da Previdência Social n. 3.807/60, que listou algumas atividades como penosas. A CRFB garante aos trabalhadores em atividades penosas o direito ao recebimento de um adicional. Porém, tal adicional não foi regulamentado por Lei Ordinária.

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Entende-se por trabalho penoso aquele que é exercido em condições piores do que as do trabalho normal. São atividades que para sua execução geram excesso de fadiga, desgaste físico e psicológico, dor, ou com desconforto.

Tais conceitos servem como uma luva ao trabalho do diarista. Como já dito, ao diarista não são assegurados direitos básicos, como anotação da CTPS, contribuições previdenciárias e períodos de descanso (férias e intervalos). Por outro lado, o desgaste físico é maior, pois todo o serviço deve ser realizado em um dia. Do pagamento, o trabalhador deve suportar as despesas com transporte até o local de trabalho, contribuições previdenciárias e, em muitas vezes, alimentação.

Os recolhimentos das contribuições previdenciárias no percentual de 20% sobre a remuneração (limitados ao teto) é muito alto para qualquer faixa salarial. Quem dirá para um trabalhador de baixa renda.

Não há como negar que estamos diante de uma modalidade de trabalho penosa e degradante.

A aprovação pelo Congresso Nacional do Projeto de Emenda Constitucional n. 66 (até hoje sem a sanção presidencial) não resolveu o problema dos milhares de trabalhadores diaristas, que continuam alheios a qualquer garantia legal. Mesmo com as conquistas da categoria dos empregados domésticos, os diaristas continuam sem qualquer proteção do Estado, sem qualquer argumento legal válido.

Não se deve esquecer a garantia constitucional dada aos trabalhadores de direitos que visem a melhoria das condições sociais e de trabalho. No entanto, as diaristas, em relação aos empregados domésticos, continuam em grandiosa desvantagem, revelando o retrocesso das relações trabalhistas no âmbito doméstico.

Assim, aos diaristas devem ser assegurados o rol de direitos mínimos, garantido-se o cumprimento da Constituição da República e das Convenções Internacionais, bem como assegurando-se a dignidade do ser humano e o valor social do trabalho.

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Sobre a autora
Ana Letícia Moreira Rick

Juíza do Trabalho Substituta do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Regiao

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RICK, Ana Letícia Moreira. A diarista e o retrocesso das condiçoes sociais do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4732, 15 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37812. Acesso em: 22 dez. 2024.

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